terça-feira, 23 de abril de 2013

Raposa Serra do Sol vive abandono após quatro anos


CONGRESSO EM FOCO

Raposa Serra do Sol vive abandono após quatro anos

Adversários na demarcação da segunda maior reserva indígena do país, fazendeiros e índios se unem na crítica ao poder público por descaso com a região. Indígenas querem apoio para produzir



Wilson Dias/ABr
 STF manteve demarcação. Quatro anos depois, cenário é de abandono


BOA VISTA e PACARAIMA (RR) – Quatro anos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a demarcação da terra  indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e determinar a retirada dos arrozeiros que ocupavam a área, as antigas culturas estão abandonadas. O gado, que em muitos lugares substituiu as plantações de arroz, morre de sede, as estradas, todas de terra, estão em mau estado de conservação, com muitas pontes sem condições de uso ou mesmo queimadas. Para fazer o transporte escolar dos índios, só com caminhonetes de cabine dupla, que transportam no máximo quatro alunos.

As condições adversas após a autorização do STF para a demarcação continuar foram constatadas pela reportagem do Congresso em Foco no início desta semana, em viagem por comunidades da segunda maior reserva do país, no norte de Roraima. Os índios têm vivido apenas de pequenas roças, mas não estão satisfeitos com a situação. Querem assistência técnica para melhorar e aumentar a produção, distribuindo riqueza entre as comunidades formadas por 20 mil pessoas, segundo o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica.
Lados opostos na demarcação da Raposa, índios, fazendeiros e deputados ruralistas ainda trocam adjetivos duros entre si, mas o abandono na reserva os fez chegar a pontos de consenso. No Centro de Tradições Gaúchas de Boa Vista, os arrozeiros ainda lamentam a perda das terras, o “engessamento” da economia de Roraima, mas entendem a demarcação como fato consumado. E defendem que os indígenas retomem a produção agrícola antes tocada por eles. O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Genor Faccio, mostra fotos da Fazenda Canadá, antes toda verde de arroz irrigado e, agora, seca e sem utilidade. “A gente podia até perder a fazenda pra alguém, mas que alguém fosse produzir ali”, afirma.
O coordenador do CIR, Mário Nicácio Wapichana, do povo macuxi, critica o governo federal. Ele diz que, ao assumirem a terra, foram impedidos de plantar numa das principais propriedades, que antes pertencia ao deputado Paulo César Quartieiro (DEM-RR). Quando Quartiero foi multado em R$ 30 milhões por crimes ambientais, teria havido um embargo à produção, que só começou a ser quebrado pelos índios em novembro passado. “Para nós, foi um desrespeito mesmo”, disse ele. Wapichana acredita que nesses quatro anos o governo federal não agiu de forma ágil no desenvolvimento da agricultura local.


Sem água e alimentos, gado sofre na reserva. Abandono aproximou índios e ruralistas

  Mercado consumidor
O deputado Márcio Junqueira (DEM-RR), que, junto com Quartiero, esteve no centro dos conflitos com os índios, diz que o importante é garantir o abastecimento dos mercados consumidores do estado, do Amazonas e do exterior, independentemente de quem seja o dono da terra. O governador José de Anchieta (PSDB) – que não é exatamente um “amigo” dos indígenas – concorda com líderes da comunidade na Raposa, ao defender assistência técnica aos indígenas. “O governo federal precisa manter a infraestrutura das comunidades, estradas, pontes e energia, dar condições com relação a saúde, educação e assistência técnica”, afirmou o governador ao Congresso em Foco. Ele diz fazer sua parte ao entregar 80 kits de irrigação, construir poços de piscicultura e oferecer técnicos aos indígenas da reserva.
Apesar de manter críticas aos arrozeiros e à bancada de políticos que os apoiam, o coordenador do CIR entende que o diálogo está melhorando. “Fazemos o plano de gestão”, explicou Wapichana. “O diálogo já está sendo feito.”
Franklin Paulino, um líder local no Baixo Cotino, lembra as dificuldades e conta que mais de 40 cabeças de gado morreram só em abril. A seca ajuda a matar as reses. Ele admite que as técnicas agrícolas avançadas, dominadas pelos ex-proprietários, ainda não são dominadas pelos índios. Faltou assistência aos indígenas.
Para o presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, Padre Ton (PT-RO), a Funai falha na coordenação das políticas públicas nas reservas. “É um órgão ciumento: só ele entende de índio. É muito fechado, foi muito corrupto no passado e conivente com problemas”, acusa o deputado, em entrevista ao Congresso em Foco. O presidente da Comissão da Amazônia e integrante da bancada ruralista, Jerônimo Goergen (PP-RS), diz que pretende pedir a convocação de dirigentes da Funai, na próxima semana, em busca de esclarecimentos sobre o que ele viu na Raposa Serra do Sol. “Podemos abrir uma CPI”, disse ele.
Desde terça-feira (16), o Congresso em Foco pede uma entrevista com representantes da Fundação Nacional do Índio para comentar as críticas feitas tanto por indígenas quanto por fazendeiros ao abandono da Reserva Raposa Serra do Sol. Mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
* O repórter viajou a convite da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados

FONTE:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/raposa-serra-do-sol-sofre-abandono-apos-quatro-anos/



Índios comemoram paz e pedem melhores condições

Para os moradores da reserva, trabalha-se para viver. Pedidos de melhoria são simples, como máquina para fazer farinha e energia elétrica constante


A reportagem do Congresso em Foco visitou quatro vilarejos da reserva na segunda-feira (15), num percurso de cerca de 300 quilômetros apenas dentro da reserva. Num deles vive Maria de Jesus Galé, 34 anos. Tem oito filhos, que vivem num vilarejo com 11 famílias e 62 pessoas. Quando a reportagem chegou, ela e a filha preparavam farinha de mandioca em um panelão sempre cercado pelas crianças e por filhotes de porcos. Sobre as brasas, peixe e carne de caça eram assados numa cozinha comunitária. No varal, a carne salgada fica guardada para ser comida depois. Os brancos de Boa Vista consideram que os índios estão em situação de miséria ou mesmo condições sub-humanas. Maria Galé afirma que não é nada disso. “Ninguém está passando situação difícil demais, não. A gente trabalha pra poder se alimentar. O mais difícil, negócio de sal e sabão, a gente vai comprar pra lá. Mas farinha a gente faz”, explica Maria Galé, sogra do twxawa – espécie de cacique – do local.
Na viagem pela Raposa, a reportagem cruzou com várias caminhonetes da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde. O trabalho é elogiado pelos índios, que recebem vacinação na própria aldeia. Mas, para Maria Galé, é preciso obter obter máquinas para fazer a plantação de mandioca de forma mecanizada.
O que ela comemora é paz depois da demarcação é a paz. Maria Galé acusa os fazendeiros de, no auge dos conflitos, incendiarem as casas durante a madruga. E exibe a foto de um cunhado, que foi baleado nas muitas brigas envolvendo índios e arrozeiros.
Hortaliças, bolo e refrigerante
Na comunidade da Vila Contão, Otacílio Gustavo, 49 anos, quatro filhos, reclama da infraestrutura do lugar. Pra sobreviver, ele faz de tudo: planta hortaliças no fundo de casa, vende sucos, bolos, refrigerante e salgados no vilarejo. Quando não é ambulante na Raposa Serra do Sol, vai pra Boa Vista trabalhar como pedreiro autônomo.
“Precisa de asfalto. E energia 24 horas. Porque a gente só vai trabalhar quando tem energia”, afirmou seu Otacílio, em cima de sua motocicleta. Com ela, faz o trajeto Raposa-Boa Vista, uma distância de cerca de 200 quilômetros. Ele acabara de comprar pregos para fazer mais mesas e facilitar seu trabalho. Otacílio morou sete anos no norte do Mato Grosso, onde os brancos pagavam para explorar as terras indígenas. “Aqui, eles não davam um centavo pra gente”, afirmou.
No local onde antes funcionava a fazenda Providência, o próprio deputado Quartieiro destruiu as construções ele edificou em 20 anos de trabalho depois que soube que teria mesmo que sair da região. Mas o abandono não ficou restrito ao momento da retirada dos arrozeiros.
Ao lado de uma ponte queimada na região, encontramos um tamanduá morto. O cadáver do animal ainda fedia. Junto com ele, uma folha de papel recente com tinta de caneta azul indicava: “Te amo, beiby (sic)”.

*O repórter viajou a convite da Comissão da Amazônia da Câmara


Briga de quase um século

Primeira demarcação ocorreu em 1917 e foi feita pelo governo do Amazonas. De lá para cá, brigas entre índios e agricultores foram a tônica. No Brasil, são quase 900 mil índios


A reserva indígena Raposa Serra do Sol teve sua primeira demarcação oficial feita em 1917 pelo governo do Amazonas, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA). Mas idas e vindas entre o papel e a realidade só se concluíram em 2009. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legal da reserva feita em 2005, culminando com a expulsão de fazendeiros que cultivavam principalmente arroz irrigado na região. Os conflitos entre índios e arrozeiros chegaram à troca de balas na Fazenda Depósito, do deputado Paulo César Quartieiro (DEM-RR).
Os índios os acusam de mandar pistoleiro balearem dez moradores tradicionais. Já Márcio Junqueira afirma que ele e Quartieiro foram ameaçados com facões pelos caciques da região. Ao deixar o local, Quartieiro passou o trator por cima das edificações das fazendas Depósito e Providência. Outros agricultores expulsos receberam indenizações, mas só pelo valor das benfeitorias na faixa de R$ 200 mil. Algumas propriedades valiam R$ 5 milhões segundo avaliações feitas por corretores ouvidos pela reportagem.

Quase 900 mil
No Brasil, há 896 mil índios segundo o IBGE, representando 0,4% da população. De acordo coma  Funai, 517 mil vivem em uma das 673 terras indígenas. As reservam ocupam 13% do território nacional: são 1,09 milhão de quilômetros quadrados. De acordo com a Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, há mais de 300 povos entre os índios brasileiros.

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