quarta-feira, 17 de julho de 2013

Carma e Renascimento

Carma e Renascimento

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Pergunta: A teoria do carma é empírica e científica ou é aceita com base na fé?
Resposta: A idéia de carma faz sentido de diversas maneiras, mas há um certo mal entendido sobre o que o carma é. Algumas pessoas pensam que carma significa sina ou predestinação. Se alguém é atropelado por um carro ou perde muito dinheiro nos negócios, dizem: “Bem, que azar, esse é o carma dela”. Essa não é a idéia budista de carma. De fato, essa é mais a idéia da vontade de Deus – algo que nós nem entendemos nem temos qualquer controle sobre.


No budismo, o carma se refere aos impulsos. Baseados em nossas ações prévias, impulsos surgem em nós, nos fazendo agir de determinadas maneiras no presente. Carma se refere aos impulsos que aparecem na mente de alguém para investir em ações, ou no dia anterior delas falirem ou antes delas subirem de valor. Ou, alguém pode ter o impulso de atravessar a rua justo no instante que esse alguém será atropelado por um carro; nem cinco minutos antes nem cinco minutos depois. O surgimento do impulso naquele momento exato é o resultado de alguma ação ou ações que a pessoa fez. Em uma vida passada, por exemplo, alguém talvez tenha torturado ou matado alguém. Tal comportamento destrutivo resulta na experiência de uma vida também encurtada para a pessoa criminosa, geralmente numa vida próxima. Assim o impulso de atravessar a rua surgiu justamente no momento de ser atingido por um carro.

Uma pessoa pode ter o impulso de gritar ou de magoar outra pessoa. O impulso surge de hábitos construídos por comportamentos similares anteriores. Gritar ou magoar os outros cria um potencial, uma tendência e um hábito para esse tipo de comportamento, de maneira que no futuro, nós facilmente o faremos de novo. Gritar com raiva cria ainda mais um potencial, uma tendência e um hábito de novamente fazermos uma cena de raiva.

Fumar um cigarro é um outro exemplo. Fumar um cigarro age como um potencial de fumar outro. Também cria uma tendência e um hábito de fumar. Consequentemente, quando as circunstâncias são propícias – seja nessa vida, quando alguém nos oferece um cigarro, ou numa vida futura quando, enquanto crianças, nós vermos as pessoas fumando- o impulso de fumar vem à nossa mente e nós o fazemos. O carma explica de onde este impulso de fumar vem. Fumar cria não só o impulso mental de repetir a ação, mas também influencia os impulsos físicos dentro do corpo, por exemplo, ter um câncer por fumar. A ideia de carma faz muito sentido, pois explica de onde vêm os nossos impulsos.

Pergunta: Pode a receptividade e o entendimento de alguém pelo budismo ser predeterminado pelo carma?
Resposta: Existe uma grande diferença entre algo ser predeterminado e algo ser explicável. Nossa receptividade e entendimento do budismo podem ser explicados pelo carma. Isso é, como resultado de nosso estudo e prática em vidas passadas, nós agora somos mais receptivos aos ensinamentos. Se nós tivemos um bom entendimento dos ensinamentos no passado, então instintivamente nós iremos ter um bom entendimento de novo nesta vida. Ou, se nós tivemos muita confusão em nossas vidas passadas, esta confusão seria trazida para esta vida.

Entretanto, de acordo com o budismo, as coisas não são predeterminadas. Não há uma sina ou um destino. Quando o carma é explicado como impulsos, isso implica que impulsos são coisas das quais nós podemos escolher entre agir de acordo com elas ou não. Baseado em ações que nós fizemos nesta e em vidas passadas, nós podemos explicar ou prever o que poderia ocorrer no futuro. Nós sabemos que ações construtivas trazem resultados felizes e ações destrutivas trazem consequências indesejadas. Ainda assim, a maneira como uma ação cármica específica amadurece, vai depender de muitos fatores, e dessa forma, muitas coisas podem influenciá-la.

Uma analogia seria: se nós jogamos uma bola para cima, nós podemos predizer que ela irá cair. Similarmente, com base em ações prévias, nós podemos predizer o que irá acontecer no futuro. Se, entretanto, nós pegarmos a bola, ela não irá cair. Da mesma forma, apesar de nós podermos predizer, a partir de ações passadas, o que virá no futuro, não é absoluto, fatídico, e encravado em pedra que apenas aquele resultado irá acontecer. Outras tendências, ações, circunstâncias e assim por diante podem influenciar o amadurecimento do carma.

Quando um impulso de fazer uma ação surge em nossas mentes, nós temos uma escolha. Nós não somos como criancinhas, que agem por qualquer impulso que surja em suas cabeças. Afinal de contas, nós aprendemos a usar o banheiro; nós não agimos imediatamente ao surgimento de qualquer impulso. O mesmo é verdade para o impulso de dizer algo que iria magoar alguém, ou de fazer algo cruel. Quando um impulso tal aparece em nossas mentes, nós podemos escolher: “Irei agir de acordo com ele ou irei refrear-me de agir com base nele?” Essa habilidade de refletir e discriminar entre ações construtivas e destrutivas, é o que distingue os seres humanos dos animais. Essa é uma grande vantagem em ser humano.

Dessa forma, nós podemos escolher o que nós iremos fazer, baseado em termos espaço suficiente em nossas mentes para estarmos atentos ao [constante] surgir dos impulsos. Grande parte do treinamento budista está envolvido com o desenvolver da atenção. Na medida que nós desaceleramos, nós nos tornamos mais conscientes daquilo que estamos pensando e do que estamos na iminência de dizer ou fazer. A meditação na respiração, na qual nós observamos o entrar e sair da respiração, nos dá o espaço para sermos capazes de notar os impulsos quando eles surgem. Nós começamos a observar: “Eu tenho esse impulso de dizer algo que irá magoar alguém. Se eu o disser, vai me causar dificuldades. Logo, eu não vou dizer isso.” Nós podemos escolher. Se não estivermos atentos, nós temos enxurrada tal de pensamentos e impulsos, que nós não usamos a oportunidade para escolher sabiamente. Simplesmente agimos por impulso e isso geralmente trás problemas para as nossas vidas.
Assim, nós não podemos dizer que tudo – como o nosso entendimento ou nossa receptividade ao Dharma – é predeterminado. Nós podemos predizê-lo, mas nós também temos o espaço aberto para sermos capazes de mudar.

Pergunta: As pessoas de outras crenças religiosas também experimentam o carma?
Resposta: Sim. A pessoa não precisa acreditar em carma para poder experienciá-lo. Se nós dermos uma topada, nós não temos de crer em causa e efeito para experimentar a dor. Mesmo se nós achamos que veneno é uma bebida deliciosa, quando nós o bebemos, ficamos doentes. Da mesma forma, se nós agimos de determinada maneira, o resultado daquela ação virá, caso creiamos em causa e efeito ou não.

Pergunta: Eu sou a continuação de alguém que viveu antes? A teoria de renascimento do budismo é metafísica ou científica? Você disse que o budismo é racional e científico. Isso se aplica ao renascimento também?
Resposta: Existem diversos pontos aqui. Um deles é: como nós provamos algo cientificamente? Isso trás o assunto: como nós conhecemos validamente as coisas? De acordo com os ensinamentos budistas, as coisas podem ser validamente conhecidas de duas maneiras: através da percepção simples, e através da inferência. Ao fazermos uma experiência em um laboratório, nós podemos validar a existência de algo através de uma percepção simples; nós o conhecemos simplesmente através dos nossos sentidos. Algumas coisas, entretanto, não podem ser conhecidas por nós neste momento através de uma percepção simples. Nós devemos contar com a lógica, a razão e a inferência. O renascimento é muito difícil de provar por meio da percepção sensorial direta, apesar de haver a estória de um professor budista há muito tempo atrás na Índia que morreu, renasceu e depois disse “Cá estou eu de volta”, de maneira a demonstrar ao rei que o renascimento existe. Existem muitos exemplos de pessoas que se lembram de suas vidas passadas e que podem identificar tanto seus pertences pessoais ou indivíduos que elas conheciam antes.

Deixando de lado essas estórias, existe também a pura e simples lógica do renascimento. S.S., o Dalai Lama, disse que se certos pontos não corresponderem à realidade, ele está disposto a que eles sejam eliminados do budismo. Isso se aplica ao renascimento também. Na realidade, ele fez esta afirmação originalmente neste contexto. Se os cientistas puderem provar que o renascimento não existe, então nós devemos desistir de crer que seja verdade. Entretanto, se os cientistas não puderem provar que este é falso, então já que eles seguem a lógica e os métodos científicos, que está aberto a entender novas coisas, eles devem investigar se ele de fato existe. Para provar que o renascimento não existe, eles teriam que encontrar a sua não-existência. Apenas dizer, “O renascimento não existe, pois eu não o vejo com meus olhos”, não é achar a não-existência do renascimento. Muitas coisas existem que nós não podemos ver com nossos olhos.

Se os cientistas não podem provar a não-existência do renascimento, isso então os compele a investigar se o renascimento existe de fato. O método científico é postular uma teoria baseada em uma determinada informação e então checar se ela pode ser validada. Assim, nós olhamos para as informações. Por exemplo, nós notamos que recém-nascidos não nascem como fitas-cassete virgens. Eles têm certos hábitos e características de personalidade observáveis mesmo quando eles são muito jovens. De onde elas vêm?

Não faz sentido dizer que elas vêm apenas das continuidades anteriores das substâncias físicas dos pais; do espermatozóide e do óvulo. Nem todo espermatozóide e óvulo que se juntam, se implantam no útero para se tornarem um feto. O que cria a diferença entre quando eles se tornam um bebê e quando não se tornam? O que está de fato causando os vários hábitos e instintos na criança? Nós podemos dizer que são o DNA e os genes. Este é o lado físico. Ninguém está negando que este é o aspecto físico de como um bebê se forma. Apesar disso, como fica o lado da experiência? Como podemos explicar o que seja a mente?

A palavra inglesa “mind” [ou mente, em português], não tem o mesmo significado que os termos em sânscrito e tibetano que ela deveria traduzir. Nas línguas originais, mente se refere à atividade mental ou eventos mentais, ao invés de algo que está executando esta atividade. A atividade ou evento é o surgimento cognitivo de certas coisas – pensamentos, paisagens, sons, emoções, sentimentos e assim por diante – e um envolvimento cognitivo com elas – vê-las, ouví-las, entendê-las e até mesmo não entendê-las. Esses dois traços característicos da mente são usualmente traduzidos como “claridade” e “apercebimento”, mas estes termos em inglês [bem como em português] também são capciosos.

De onde surge essa atividade mental do surgimento e do envolvimento com objetos cognitivos num indivíduo? Aqui, não estamos falando sobre de onde vem o corpo, pois é obvio que vem dos pais. Nós não estamos falando sobre inteligência e afins, pois nós também podemos usar o argumento de que há uma base genética para isso. Entretanto, dizer que a preferência de alguém por sorvete de chocolate vem dos genes da pessoa é exagerar demais.

Nós podemos dizer que alguns de nossos interesses podem ser influenciados por nossas famílias ou pela situação socioeconômica em que nos encontramos. Esses fatores definitivamente têm uma influência, mas é difícil de explicar absolutamente tudo que nós fazemos desta maneira. Por exemplo, por que eu me tornei interessado em yoga quando criança? Ninguém em minha família ou na sociedade à minha volta estava. Haviam alguns livros disponíveis na área onde eu morava, então pode-se dizer que houve alguma influência da sociedade, mas por que eu me interessei especificamente por aquele livro de hatha yoga? Por que eu o peguei? Essa é uma outra questão.

Colocando tudo isso de lado, vamos retornar para a questão principal: de onde vem a atividade do surgimento de objetos cognitivos e um envolvimento cognitivo com eles? De onde vem essa habilidade de perceber? De onde vem a centelha de vida? O que faz com que essa combinação de um esperma e um óvulo de fato tenha vida? O que o faz se tornar um ser humano? O que é que permite o surgimento de coisas como pensamentos e paisagens e o que causa o envolvimento cognitivo com eles, que é o lado experiencial da atividade química e elétrica do cérebro?

É difícil dizer que a atividade mental de um recém-nascido vem dos pais, pois se viesse, como é que vem dos pais ? Tem de haver algum mecanismo envolvido [para que isso aconteça]. Essa centelha de vida, caracterizada pela consciência das coisas, vem dos pais da mesma maneira que um esperma ou óvulo vem? Ela vem com o orgasmo? Com a ovulação? Ela é o esperma? O óvulo? Se nós não conseguirmos chegar a uma indicação lógica, científica de quando é que vem dos pais, então temos de procurar por uma outra solução.

Olhando pela lógica pura e simples, nós vemos que todos os fenômenos funcionais vêm de suas próprias continuidades, de momentos prévios de algo na mesma categoria de fenômeno. Por exemplo, um fenômeno físico, seja matéria ou energia, vem do momento anterior daquela matéria ou energia. É um contínuo.

Tomem a raiva como um exemplo. Nós podemos falar da energia física que nós sentimos quando estamos com raiva, isso é uma coisa. Entretanto, considerem a atividade mental de experienciar a raiva – experimentar o surgir da emoção e a percepção consciente ou inconsciente dela. O momento presente de experiência de raiva de um indivíduo, possui seus próprios momentos prévios de continuidade dentro desta vida, mas de onde ela [a experiência de raiva] veio antes disto? De duas, uma: ou ela vem dos pais – e não parece haver nenhum mecanismo para descrever como isto acontece – ou vem de um Deus criador. Porem, para certas pessoas, as inconsistências lógicas desta explicação (de como um ser onipotente pode ser o criador de tudo) também trazem problemas. Para evita-los, alternativamente, podemos dizer o primeiro momento de ira na via de alguém vem de seu próprio momento anterior de continuidade. A teoria do renascimento explica exatamente isso.

Nós podemos tentar entender o renascimento com a analogia de um filme. Assim como um filme é uma continuidade dos quadros filmados [preservados numa película], nossos contínuos mentais ou fluxos mentais são continuidades de momentos sempre mutantes de consciência dos fenômenos, numa mesma vida e de uma vida para outra. Não há uma entidade sólida, passível de ser achada, tal como um “eu” ou “ minha mente”, que renasce. O renascimento não é como a analogia de uma pequena estátua em cima de uma esteira rolante, indo de uma vida para a próxima. Ao invés disso, é como um filme, algo que está em constante mudança. Cada quadro é diferente, mas há uma continuidade nele. Um quadro está relacionado com o próximo.

Similarmente, há uma continuidade sempre mutante de momentos de consciência dos fenômenos, mesmo se alguns desses momentos são inconscientes. Ademais, assim como todos os filmes não são o mesmo filme, apesar de serem todos filmes; da mesma forma todos os contínuos mentais ou “mentes” não são uma mente. Existe um sem número de fluxos individuais de continuidade de consciência dos fenômenos.

Esses são todos argumentos que nós começamos a investigar de um ponto de vista científico e racional. Se uma teoria faz sentido em termos de lógica, então nós podemos olhar mais seriamente para o fato de existirem pessoas que lembram de suas vidas passadas. Dessa maneira, nós examinamos a existência do renascimento com uma abordagem científica.

Pergunta: O budismo diz que não há uma alma ou um eu. O que é então que renasce?
Resposta: Novamente, a analogia do renascimento não é aquela de alguma alma, como uma pequena estátua ou uma pessoa concretas, se movendo em uma esteira rolante de uma vida para outra. A esteira rolante representa o tempo, e a imagem que isto implica é a de alguma coisa sólida, uma personalidade fixa ou uma alma chamada de “eu” viajando através do tempo: “Agora eu sou jovem, agora eu sou velho, agora eu estou nessa vida, agora eu estou naquela vida.” Este não é o conceito budista de renascimento. Ao invés disso, a analogia é semelhante àquela de um filme. Há uma continuidade com um filme; os quadros formam a continuidade.

O budismo também não diz que eu me torno você, ou que nós somos todos um. Se todos nós somos um, e eu sou você, então se ambos estivermos com fome, você pode esperar no carro enquanto eu vou comer. Não é desse jeito. Cada um de nós tem seu próprio fluxo de continuidade individual. A seqüência no meu filme não vai se tornar o seu filme, mas nossas vidas procedem como filmes no sentido de que elas não são concretas nem fixas. A vida segue em frente, de um quadro para o outro. Ela segue uma seqüência, de acordo com o carma, formando assim uma continuidade.


Pergunta: Como é que os vários impulsos são armazenados na mente e como eles surgem?
Resposta: Isso é um pouco complexo. Nós agimos de uma determinada maneira, por exemplo fumamos um cigarro. Porque há alguma energia envolvida no ato de fumar um cigarro, esta ação atua como um potêncial ou força para fumarmos um outro. Existe uma energia grosseira, que acaba quando a ação acaba, mas também há uma energia sutil, que é a energia potencial para repetir a ação.

Esta energia sutil do potencial de fumar, é carregada juntamente com a energia suprasutil, que acompanha a mente suprasutil que vai de uma vida para outra. Em termos bem simples, a mente suprasutil se refere ao nível mais sutil da atividade de claridade e apercebimento, enquanto a energia suprasutil se refere à sutilíssima energia de suporte vital que sustém essa atividade. Juntas, elas formam o que poderíamos chamar de “a centelha de vida”. Elas são aquilo que vai de uma vida para outra. Potenciais carmicos são carregados junto com a “centelha de vida.”
Tendências e hábitos também são levados juntos, porém eles não são físicos. O que é um hábito? Por exemplo, nós temos o hábito de tomar chá. Nós tomamos chá esta manhã e na manhã de ontem e nos dias anteriores. O hábito não é uma chícara de chá física; não é a nossa mente dizendo “Beba chá.” É meramente uma seqüência de eventos similares – tomar chá várias vezes. Baseado nesta seqüência, como um modo de dizer, nós dizemos ou “imputamos” que há um hábito de tomar chá. Nós rotulamos a seqüência de “o hábito de tomar chá”. Um hábito não é algo físico, mas sim uma abstração construída a partir de um modo de dizer sobre uma seqüência de eventos similares. Baseado nisso, nós podemos predizer que algo similar vai acontecer no futuro.
É similar a quando nós falamos de hábitos, instintos ou tendências sendo levados para o futuro. Nada fisico está sendo levado. Entretanto, com base nos momentos de um contínuo mental, podemos dizer que existem instâncias similares nesse momento ou naquele momento, por isso haveram instâncias similares no futuro.
Pergunta: Se a vida envolve a transferência de consciência, existe algum começo?
Resposta: O budismo ensina que não há começo. Um começo é ilógico. A continuidade da matéria, da energia e das mentes individuais é sem início. Se houvesse um início, de onde este início veio? O que havia antes deste início?
Algumas pessoas dizem, “Nós precisamos de um começo. Assim, Deus criou tudo.” Elas defendem [a existência de] um Deus criador, que recebe vários nomes nas diferentes religiões. A pergunta que um budista faria é: “De onde Deus vem? Deus tem um início”? [De duas, uma:] ou elas teriam que responder que Deus é sem início, neste momento o debatedor budista diria, “Ah ha, aqui está tempo sem começo”, ou elas teriam de apontar para algo ou alguém que criou Deus, o que contradiz a sua própria filosofia.
Um ateu diz: “Não há nenhum Deus. Tudo veio do nada. O universo evoluiu a partir do nada. Nossos contínuos mentais vieram do nada”. Então perguntamos: “De onde vem este nada?” Eles respondem: “ Este nada sempre nos cerca. Sempre houve o nada. Este nada não teve um início.” Então mais uma vez, nós voltamos para a ausência de início. Qualquer que seja a resposta dada, nós retornamos para esta ausência de começo.
Se ausência de início é a única conclusão lógica a que podemos chegar, então nós examinamos: “É possivel que algo funcional venha do nada? Como pode o nada produzir algo?” Isso não faz nenhum sentido; as coisas precisam ter causas. Será que a outra explicação, a de haver um criador, faz sentido? Teriamos que examinar esta afirmacao mais detalhadamente. Por exemplo, se um ser onipotente ou até se um Big Bang puramente físico criou tudo, então a criação aconteceu num dado momento, devido à influência de uma motivação, objetivo ou circunstância? Se sim, então aquilo que influenciou a criação de tudo existia antes desta, e isso não faz sentido. Se um criador tem compaixao mas nao tem um principio, como e que este criador poderia ter criado a compaixão? A compaixão tambem ja existia.
A terceira alternativa a considerar é: será que as coisas sem início podem continuar? Essa é uma abordagem mais científica, que está de acordo com a idéia de que a matéria não é nem criada nem destruída, apenas transformada. O mesmo vale para contínuos mentais individuais. Não há um início, e tudo se transforma de forma dependente, devido a causas e circunstâncias.
Pergunta: O Buda disse aos seus seguidores que ele não é Deus. Se este é o caso, então qual é o papel das preces no budismo?
Resposta: A questão principal no que tange prece é a pergunta “É possível para alguém eliminar nosso sofrimento e nossos problemas?” O Buda disse que ninguém pode eliminar todos os nossos problemas, da mesma maneira que alguém pode segurar um coelho pelas orelhas e tirá-lo de uma situação difícil. Isso é impossível. Nós temos de ter responsabilidade por aquilo que acontece conosco. Assim, se nós desejamos criar as causas da felicidade e evitar as causas dos problemas, devemos seguir uma ética e moralidade puras. Se nós quisermos que nossas vidas melhorem, cabe a nós mudarmos nossos comportamentos e posturas, de maneira a afetar o que irá acontecer no futuro.

Quando nós rezamos no budismo, nós não pedimos: “Buda por favor, que eu possa ter uma Mercedes!” Ninguém lá no céu pode nos dar isso. Ao invés disso, ao rezarmos, nós estamos desenvolvendo um forte desejo para que algo aconteça. Nossas atitudes e ações fazem com que isto aconteça; não obstante, os Budas e bodhisattvas podem nos inspirar.
Às vezes, o termo “inspirar” é traduzido como “abençoar”, mas essa é uma tradução muito pobre. Budas e bodhisattvas podem nos inspirar com os seus exemplos. Eles podem nos ensinar ou nos mostrar o caminho, mas nós é que temos de trilhá-lo. Já diz o ditado, “Você pode levar o cavalo até a água, mas não pode beber pelo cavalo.” O cavalo tem de beber por si mesmo. Da mesma forma, nós temos de seguir o caminho nós mesmos e obter as realizações que dão fim aos nossos problemas. Nós não podemos passar esta responsabilidade para um ser externo onipotente, pensando; “Você é todo poderoso, faça isso por mim. Eu me entrego em suas mãos.” Ao contrário, no budismo nós buscamos os Budas por inspiração para levantar nosso entusiasmo com os seus exemplos. Através dos seus ensinamentos e inspiração, eles nos ajudam e nos guiam. Entretanto, nós devemos desenvolver o potencial por parte de nós mesmos para recebermos inspiração deles. Nós temos de fazer o trabalho básico nós mesmos.
Grande parte do mal entendido sobre o budismo surge, devido a uma má tradução dos termos e conceitos budistas para o inglês e outras línguas estrangeiras. Por exemplo, muitos dos termos de traduções usados para traduzir o budismo para o inglês, foram cunhados pelos compiladores dos dicionários budistas no último século [século dezenove], ou até mesmo antes. Estes primeiros eruditos geralmente provinham de antecedentes vitorianos ou missionários, e eles escolheram termos de um vocabulário de suas próprias educações. Muitas das palavras que eles selecionaram, entretanto, não transmitem de forma acurada os significados intencionados pelo budismo. Quando nós lemos essas palavras, nós achamos que elas querem dizer a mesma coisa que significam num ambiente cristão ou vitoriano, quando na realidade não querem.
Como exemplos, temos as palavras “abençoar,” “pecado,” “virtuoso,” “não virtuoso,” “confissão”, e assim por diante. No cristianismo, elas têm uma implicação de algum tipo de julgamento moral, recompensa ou punição. Entretanto, o conceito budista não é esse, de maneira nenhuma. É semelhante com a palavra “benção”. Essas palavras vêm de um cenário cultural diferente. Dessa forma, no estudo do budismo, é muito importante retirar o máximo possível o revestimento cultural das palavras que os tradutores anteriores usaram. Eles foram grandes pioneiros dos estudos budistas e nós precisamos ser gratos por seus tremendos esforços. Agora, entretanto, precisamos mais uma vez retornar para as línguas originais dos textos e entender os conceitos budistas por suas definições naquelas línguas e colocá-los em palavras e frases num inglês que corresponda aos seus significados.
Pergunta: O que o budismo diz sobre a teoria da evolução de Darwin?
Resposta: A teoria de Darwin aborda a evolução de possíveis corpos nos quais contínuos mentais podem renascer, em diferentes épocas da história da Terra. Ela não descreve a evolução de corpos que um contínuo mental individual irá usar em vidas posteriores. Existe uma grande diferença entre as formas de vida físicas nesse planeta e a continuidade dos fluxos mentais que renascem nelas [nas formas de via].
Algumas explicações sobre a evolução nos textos budistas podem parecer um pouco estranhas para nós. Elas falam de seres que estavam em uma situação melhor que a nossa no passado e então se deterioraram. Se isso é verdade ou não, necessita-se de uma investigação. Nem tudo que o Buda e seus seguidores ensinavam pode ser corroborado pela ciência, e aquilo que não pode, S.S. Dalai Lama está disposto a deixar de lado. Os mestres podem ter dado explicações aparentemente estranhas por razões específicas e não pretendiam que elas fossem tomadas literalmente. Elas podem indicar várias verdades sociais ou psicológicas.
Não obstante, dentro do contexto da evolução em si, antes haviam dinossauros e agora eles estão extintos. Não há mais carma ou impulsos remanescentes para os seres renascerem como dinossauros neste planeta no presente. Existem bases físicas diferentes, que estão disponíveis para os fluxos mentais tomarem como corpo atualmente. Não é contraditório às explicações budistas, que as bases físicas disponíveis para se renascer mudem com o tempo.
Durante uma discussão que S.S. Dalai Lama teve com cientistas, lhe foi perguntado se computadores poderiam se tornar seres senscientes: os computadores poderiam algum dia ter mentes? Ele respondeu de uma maneira interessante, dizendo que se um computador ou um robô chegar num ponto tal, que seja suficientemente sofisticado para servir como a base para um contínuo mental, não há razão porquê um fluxo mental não poderia se conectar com uma máquina puramente inorgânica, como a base física para uma de suas vidas. Isso é muito mais fantástico que Darwin!
Isso não quer dizer que um computador é uma mente. Não quer dizer que nós podemos criar uma mente artificialmente num computador. Entretanto, se um computador for sofisticado o bastante, um fluxo mental poderia se conectar com ele e usá-lo como sua base física.
Tal pensamento de grande abrangência faz com que as pessoas da era moderna fiquem empolgadas e interessadas no budismo. Os budistas são corajosos e dispostos a entrar nestas discussões com os cientistas e a enfrentar as várias questões populares do mundo moderno. Nesse sentido, o budismo está vivo e vibrante. O budismo não apenas tem a sabedoria ancestral de linhagens intactas remontando ao Buda, mas também está vivo e lida com os problemas do presente e do futuros.
Pergunta: O que acontece com o fluxo mental quando uma pessoa se torna um Buda?
Resposta: Antes de responder esta pergunta, eu devo explicar que o Buda ensinou muitas pessoas. Nem todo mundo é igual. Nós temos diferentes disposições e capacidades. O Buda era extremamente habilidoso e deu uma variedade de ensinamentos de maneira que cada pessoa poderia achar uma abordagem apropriada para seu carater e disposição. Dessa forma, as principais tradições dos ensinamentos budistas são o Hinayana, para praticantes de mentes modestas, e o Mahayana, para praticantes de mente vasta. Das dezoito escolas Hinayana que existiam nos tempos antigos, a Theravada é a única que existe ainda hoje.
Se o Buda tivesse de dizer a alguém que é modesto em sua aspiração e objetivo, que os fluxos mentais de todos duram para sempre, a pessoa poderia ficar desencorajada. Algumas pessoas estão sobrecarregadas com seus próprios problemas, sendo assim, o Buda disse para elas: “Você pode se livrar dos seus problemas, se tornar um ser liberto – um arhat – e alcançar o nirvana. Quando você morre, você atinge o parinirvana. Neste momento, seu fluxo mental acaba, da mesma forma que uma vela se acaba quando a cera se exaure.” Para esta pessoa, tal explicação será muito encorajadora, pois ela deseja escapar do ciclo de problemas e renascimentos recorrentes constantes, e não tem que se incomodar mais. Assim, é efetivo para este tipo de pessoa. Por favor, note entretanto que o Buda não ensinou que no final todos os fluxos mentais se tornam um, como fluxos de água que se fundem com o oceano. Esta é a explicação do hinduísmo.
Para uma pessoa de mente vasta, o Buda diria: “Eu dei a explanação prévia para beneficiar aqueles que são modestos. Entretanto, eu não quis dizer aquilo que eu expliquei literalmente, porquê, na verdade, o fluxo mental segue para sempre. Depois de você ter eliminado seus problemas e atingido o nirvana, a qualidade da sua mente muda. Sua mente não continua da mesma maneira problemática como era antes.” Assim, para pessoas que têm um objetivo abrangente de atingir a iluminação, o Buda explicou que de fato o fluxo mental dura para sempre – sem começo nem fim. Quando seres iluminados deixam seus corpos presentes, seus fluxos mentais ainda seguem em frente.
Existe uma diferença entre arhats, seres liberados que atingiram o nirvana, e Budas, que são completamente iluminados. Enquanto os arhats estão livres de seus problemas, seus sofrimentos e das causas desses sofrimentos, os Budas superaram todas as suas limitações e realizaram todos os seus potenciais, de maneira a beneficiar a todos da maneira mais eficiente possível.
Pergunta: O estado de nirvana é permanente? Quando nós atingimos a iluminação, nós atingimos um estado de equanimidade, que não é nem feliz nem triste. Isso não é um tanto entediante?
Resposta: Nós precisamos ser cuidadosos sobre como nós usamos a palavra “permanente.” Às vezes, ela tem o significado de ser estático e nunca mudar. O outro significado de “permanente” é durar para sempre. Quando nós atingimos o nirvana, nós nos livramos de todos os nossos problemas. Este estado dura para sempre – uma vez que os problemas se foram, eles vão e não retornam. A situação na qual todas as limitações se vão também não muda; esse sempre será o caso. Entretanto, nós não devemos ter a idéia de que porquê o nirvana é permanente, ele é no final das contas sólido e concreto e que nós não fazemos nada nele. Este não é o caso. Quando nós atingirmos o nirvana, nós podemos continuar a ajudar os outros e a fazer coisas. O nirvana não é permanente no sentido de que toda atividade pára e nada acontece. Nós precisamos ser um pouco mais precisos sobre o uso da palavra “permanente”, e estarmos conscientes de suas conotações. O estado de nirvana em si não muda; o feito de ter removido nossas limitações não muda, dura para sempre. A pessoa que atinge tal estado, entretanto, continua a agir.
“Equanimidade” também tem várias conotações. Pode significar um sentimento neutro de não se estar nem feliz nem triste, mas isto não é a experiência dos Budas. Alguns dos deuses superiores ficam absortos em profundos transes meditativos que estão além de sentimentos de felicidade ou tristeza; eles experimentam um sentimento completamente neutro nesses transes. Os Budas se livram de tais sentimentos neutros também, já que eles são associados com a confusão. Quando nos livramos de todos os problemas e limitações, nós liberamos uma quantidade tremenda de energia, que antes estava atada por neuroses, ansiedades e preocupações. Nós experimentamos a liberação de toda esta energia desassociada de qualquer confusão, como [imbuída de] extrema bem-aventurança. Isso é completamente diferente de felicidade ordinária associada com a confusão, e não é de maneira nenhuma neutra ou tediosa.
Outro uso da palavra equanimidade se refere ao fato dos Budas terem equanimidade com relação a todos. Aqui, “ equanimidade” não significa indiferença, mas sim ter uma igual atitude de cuidado e zelo por todos. Os Budas não favorecem uns e ignoram ou desgostam de outros.

Trecho revisado de Alexander Berzin e Chodron, Thubten. Glimpse of Reality. Singapura: Amitabha Buddhist Centre, 1999.


disponível em:
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