terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Notícias sub-reportadas de 2013

Strange Fruit

           Notícias sub-reportadas de 2013

Peter H. Peng, PhD


Continuando a tradição iniciada ao final de 2012, discutirei as notícias mais seriamente sub-reportadas de 2013, segundo minha opinião, claro. Recordemos: faz um ano que inventei o que espero vire moda jornalística; identificar a sub-reportagem, um contrapeso às “Dez Mais”.
É fácil chegar a um consenso e nomear as maiores manchetes de 2013. Por exemplo, em 2013, aqui nos EEUU tivemos períodos em que não se ligava a televisão sem se ouvir sobre o Edward Snowden, Benghazi, o assassinato do Trayvon Martin, o julgamento da Jody Arias, e a vida e a morte de Nelson Mandela. No Brasil, também, fomos à exaustão com os protestos nas ruas, o mensalão e com a visita do Papa ao Brasil.
O avesso é mais difícil. Foi o que chamei de under-reporting, ou notícias sub-reportadas. São aqueles aspectos das notícias – o lado avesso – que, por omissão, ignorância, preguiça, falta de profissionalismo, ou cumplicidade dos jornalistas, não receberam a atenção devida, e assim desvalorizaram os respectivos eventos reportados em peso. É como aquele tempero tão chave no preparo de um prato que sua ausência flagrante desmonta a construção. A importância da ausência é ainda maior quanto o evento é seminal, determinante do futuro.

Desde já esclareço que não sou jornalista. Sou um observador, um cara comum que escreve nas horas vagas. E sou um homem de dois países, EEUU e Brasil, portanto meus comentários se aplicam à mídia desses dois países apenas.
Quais notícias mereceriam esse título em 2013? Falarei sobre os EEUU primeiro, depois sobre o Brasil. Nos EEUU, o meu voto vai para três notícias relacionadas, todas tendo a ver com a raça negra.
A primeira notícia é a cobertura das leis de supressão dos direitos de votar, um movimento organizado para bloquear o voto dos negros e dos pobres, com requisitos extras, como foi passado pelos legisladores na Carolina do Norte, e muitos outros estados, até agora, sete. Apesar da Corte Suprema decidir pela inconstitucionalidade de tais requisitos, estados continuam a exigir documentos adicionais para votar, mesmo que os títulos eleitorais já tenham sido obtidos. Por exemplo, a pessoa já tem o cartão
conferido pela Junta Eleitoral, mas precisa de repente apresentar outros documentos, e todos os dados de cada documento precisam “casar”. Se o sujeito mudou de endereço, ele ou ela tem que atualizar todos os documentos, carteira de motorista, seguro social, tudo, caso contrário o seu título é anulado. Isso custa dinheiro e tempo, o que os pobres e idosos não tem. Se uma mulher se divorciou e mudou de nome, como muitas fazem, retornando ao nome de solteira, tem que ir atrás de todos os documentos atualizados. Quem mora em casa alugada, os pobres, e muda a toda hora, tem que ficar atualizando tudo. Está plenamente entendido que esses requerimentos adicionais penalizam os pobres, os negros, os hispânicos, as mulheres e os idosos. Ou seja, eleitores do Obama. Discriminação, sim; racismo, sim; ilegal, sim. Mas nada de novo!
Desde a abolição da escravatura – 1º de Janeiro de 1863 – até a Lei dos Direitos Civis – 1965 – os negros não tinham efetivamente o direito de voto, tal o número de obstáculos. Até a segunda guerra mundial, apenas de 1% a 5% dos negros, na maioria dos estados, conseguiam se habilitar a votar. Eram requisitos múltiplos: testes de alfabetização, testes de conhecimentos, impostos eleitorais, e centenas de artifícios destinados a desestimular os negros a votar. Inclui-se aí a violência do Ku Klux Klan, os vigilantes que se vestiam como os autodenominados justos da Inquisição Espanhola. Cuja caça às bruxas até hoje é festejada pela Igreja Católica espanhola, completa com as tochas, as vestes, os chapéus com ponta, as máscaras. A KKK não ficou (muito) atrás da Inquisição. Foram pelo menos 3.700 linchamentos, na maior parte por enforcamento. Billie Holiday canta “Strange Fruits”, letra e música de Damon Frost e Aaron Phiri:
Southern trees bear strange fruit Blood on the leaves and blood at the root Black bodies swinging in the southern breeze Strange fruit hanging from the poplar trees
Esse primeiro verso já diz tudo: é a maior canção anti-racista da história. Quem diz que a arte não muda a vida? Considere-se que Billie Holiday cantou isso por volta de 1950, em pleno apartheid americano(1).
Estados racistas, como o Alabama e o Mississippi, instituíram requisitos para a emissão do título eleitoral diferenciados entre os negros e os brancos. Por exemplo, para demonstrar “cidadania”, e portanto capacidade para exercer o voto, aos brancos bastava copiar um pequeno texto da constituição do Estado do Alabama, na sua aplicação para o título eleitoral. Já aos negros, para demonstrar que estavam aptos, era exigido escrever de próprio punho um longo texto da mesma constituição, a partir da sua leitura por um examinador branco; claro, imagina-se, com aquele sotaque sulista terrível. Ou seja, nem estenógrafo profissional consegue. Mesmo que passassem por esse teste, tinham que passar por outros, impossíveis. Duvidam? Então, respondam: “Quantas bolhas de sabão estão contidas em um sabonete?” Sério! Ou: “Escreva o nome dos juízes do estado do Alabama”. Na época eram sessenta e sete juízes. Ou: “O que significa o veto nas Nações Unidas?” Outra artimanha era colocar oito caixas para depositar oito votos em separado, digamos para oito eleições ou decisões simultâneas. Se o votante errava de caixa, o voto era anulado. Isso era um teste de leitura disfarçado, mas efetivo para eliminar os votos dos negros. Havia também a cobrança do imposto eleitoral, com todos os atrasados,
referentes às eleições passadas que pessoa não tivesse votado, e que portanto não tivesse pago o imposto referente.
Finalmente, quem conseguia o título eleitoral, tinha seu nome, o de sua esposa e filhos, mais o seu endereço publicado no maior jornal do estado, por duas semanas. Essa intimidação surtia o efeito desejado: pessoas eram despedidas de seus empregos, caso se habilitassem a votar, e o empregador descobrisse isso. Além disso, havia o Ku Klux Klan, que podia livremente matar, botar fogo nas casas, linchar, sem que fossem presos ou barrados pela polícia. E nisso morreram muitos brancos, ativistas dos direitos civis. É absolutamente verdade isso (2).
Noticiar essas novas tentativas de tirar o direito de voto de partes da população, sem entrar a fundo na história dos estratagemas racistas do passado, e, assim, demonstrar que é tudo herança de uma sociedade ainda profundamente racista; são os herdeiros do Ku Klux Klan que persistem, ganha meu prêmio de sub-reportagem de 2013.
O segundo lugar vai a cobertura dos 50 anos da Marcha sobre Washington, onde Martin Luther King Jr. pronunciou o famoso discurso ‘I Have a Dream’, aos pés de Lincoln. MLK era um líder da sociedade americana, não apenas um líder negro. Ele conduziu a nação inteira para fora do atoleiro do racismo - no qual ainda vivemos.
Um aspecto omisso na cobertura dessa história foi relembrar a atuação dos líderes negros daquele tempo. Atual ícone nacional, King era desaprovado por dois terços da população total naquele momento. Mas entre os líderes religiosos negros existia quase que a unanimidade em não concordar com a mobilização política conduzida por MLK. Esses líderes, batistas, tradicional religião dos negros sulistas, escreveram a MLK (também um pastor batista!) pedindo-lhe que parasse com aquela coisa; a balbúrdia, o barulho atrapalhava, pegava mal. MLK respondeu-lhes, da cadeia; como não tinha papel, rabiscou sua resposta nos espaços em branco das páginas do jornal que continha a notícia de sua prisão! Aí é que tem um negócio maravilhoso: O que ele escreveu não importa! É isso que Marshall McLuhan quis dizer quando escreveu The medium is the message. Não é possível imaginar uma resposta mais potente do que a que MLK remeteu, qualquer que tenha sido o seu conteúdo, dada a força do meio utilizado.
Esse aspecto conservador, atrasado e reacionário dessa liderança negra da época, MLK e outros à parte, nunca foi, na minha opinião, devidamente absorvido pela consciência negra; e, nesta festa de 50 anos foi novamente omitido, o que não me surpreendeu, mas certamente me decepcionou.
A terceira notícia, que compartilha meu prêmio de sub-reportagem, foi na cobertura da morte e vida de Nelson Mandela. Figura da maior estatura humana dos séculos; contudo, na cobertura jornalística que recebemos, falou-se muito pouco – para o meu gosto - do papel dos EEUU na manutenção do apartheid. A própria prisão de Madiba foi feita pela CIA. Mandela se disfarçava de motorista de táxi, e foi como tal que foi preso, numa jogada da CIA, que trafegava livremente na África do Sul. Que outros crimes a CIA cometeu na África do Sul? Existem dezenas de assassinatos de líderes do ANC não desvendados, de quantos a CIA participou? Enquanto o mundo todo – praticamente – boicotou o sistema econômico que sustentou o apartheid, os EEUU diziam que o boicote era ruim para os negros. Era um conto similar ao que dizia, após a abolição da escravatura em qualquer país onde isso tenha acontecido, que os negros estavam melhor sob o regime anterior. O Reagan chegou a vetar uma lei, aprovada por estrondosa maioria no congresso americano, de que os EEUU deveriam se juntar ao
mundo no boicote ao apartheid. Felizmente o movimento civil americano de boicote foi vitorioso. Em sua imensa maioria, as universidades, pressionadas por um movimento estudantil quase unânime; os fundos privados; as municipalidades, condados, estados, independentes do governo federal, praticaram o divestment (vender todos os títulos e ações de ativos sul-africanos e de empresas que trabalhassem com o apartheid) na gestão de seus fundos de investimento, e fulminaram mortalmente aquele regime odioso.
Em suma, nessa questão seminal do século vinte, o apartheid, os EEUU estiveram do lado errado. Até 2008, quando Obama assumiu a presidência, Mandela era classificado de terrorista, e ainda no State Department’s watch list – a lista negra, dos indesejados, dos terroristas, dos comunistas, dos inimigos da pax americana. Mais abaixo falo mais disso, quando comento o livro de Stephen Kinser, ‘The Two Brothers”, sobre Allen Dulles e John Foster Dulles(3).
Outro aspecto do apartheid que não se mencionou nesses tributos a Madiba, foi que não apenas os pretos, mas também os amarelos eram “non-persons”, ou seja, na sociedade do apartheid se você não é branco, você não existe. Essa idéia não é original, os americanos tiveram o “three-fifths compromise” quando os escravos valiam três-quintos de uma pessoa para fins de determinar a população de um estado americano, afetando os cálculos do número de deputados de cada estado no Congresso. Quando o Japão passou a fazer um grande volume de negócios com a África do Sul, àqueles poucos amarelos com os quais o apartheid tinha que lidar e receber como visitantes, era outorgado o título de “honorary white”. Branco honorário!!! Eu, hein?
Falou-se pouco, também, do papel dos brancos na reconstrução da sociedade sul-africana. Sim, Frederik Willem de Klerk recebeu o reconhecimento da Comissão do Prêmio Nobel, quando compartilhou o Prêmio Nobel com Mandela, representando os brancos. Mas para ter evitado a guerra e ter feito funcionar a Comissão da Verdade e da Reconciliação (Truth and Reconciliation Commission - TRC), o papel dos brancos foi fundamental. Admitir os seus crimes e encarar de frente as suas vítimas, pedir desculpas e perdão, pois esses crimes foram predominantemente de brancos contra negros, tudo conduzido pela TRC durante décadas em seguida ao fim do apartheid, foi preciso muita coragem e humildade dos brancos. Foram anos catárticos da nação sul-africana. Eles entenderam que somente após zerar esse passivo de injustiça poderia a nação ser reconstruída. Parabéns póstumos a Margaret Thatcher: foi ela quem incitou De Klerk a liberar Mandela e a negociar o fim do apartheid. Comparem isso com a nossa Comissão da Verdade e entendam porque não acertamos o passo.
Finalmente, pouco se disse do golfe na vida de Mandela. Madiba era um golfista! Não apenas jogador de golfe; o jogador apenas joga; o golfista estuda o jogo, a história e a cultura do esporte. O parceiro de Madiba era Gary Player, o Cavalheiro Negro, que vestia-se de preto para jogar, um dos três jogadores que venceram os quatro torneios que compõem o Grand Slam do golfe: o Aberto dos EUA, o Aberto (Britânico), o Masters, e o PGA. O outros dois são americanos: Jack Nicklaus e Tiger Woods. Sim! Nem Arnold Palmer, nem Lee Trevino, nem Tom Watson, nem Phil Mickelson têm o Grand Slam! Mandela tem seu torneio anual, no Gary Player Golf Club, que levanta dezenas de milhões de dólares para a educação de jovens sul-africanos. Certa vez, Mandela, ao receber o aperto de mão de Gary Player, disse-lhe: “Vou ficar um mês sem lavar a mão!” Referia-se, é claro, à esperança de que, por osmose, pudesse haver recebido um pouco da habilidade de Player com o taco na mão. E de certa feita, Gary Player, ao visitar Madiba
em sua casa, o encontrou descalço, costume africano. Sem hesitar, ajoelhou-se e beijou-lhe os pés, como se faz com os reis africanos. Pois Mandela era um rei. Essa relação de Mandela com o Gary Player, de respeito, admiração mútua, e amor ao golfe, não foi trabalhada pelos jornalistas americanos; vi um pouco, mas insuficiente, aqui, nos EEUU. Alías, o Gary Player fazia claramente a ligação do apartheid sul-africano com o apartheid americano. Não tenho dúvidas de que Gary Player, um jogador branco, num esporte branco, que fez oposição aberta ao apartheid, como um sul-africano, teria tido muito mais mídia se não tivesse sido um branco tão ativo contra o apartheid. Afinal, esse golfista de 1,67m e 67 kg é o maior atleta de classe mundial da história da África do Sul, e um gigante entre os homens. Madiba, Tata, Rest In Peace! And watch over my putts!!!
E no Brasil? Duvido que tenha sido diferente. Aposto que nenhum jornalista brasileiro tenha captado esse aspecto da vida do Mandela. Apesar do Gary Player ter ganho o Brasil Open, em 1972 e em 1974; na última vez com o recorde mundial na época, no campo da Gávea: 59 tacadas em 18 buracos; quem conhece o Black Knight no Brasil?
Falando nisso, quais notícias do Brasil em 2013 foram sub-reportadas? Quase todas.... No Brasil, o jornalismo de profundidade é tão raro que fica difícil dar um prêmio de sub-reportagem. Uma candidata para notícia sub-reportada foi a barbeiragem do governo na direção intervencionista da Petrobrás. Desde a abertura do capital da maior empresa do Brasil, que fora um monopólio estatal desde que Getúlio Vargas a criou, num IPO conduzido pelo governo FHC, a Petrobrás havia valorizado em dez vezes, com as ações subindo de uns $7 a mais de $70 em 2008. Com a entrada do PT no governo federal, o Estado paulatinamente interviu na gestão da empresa, nomeando presidentes que obedeçam. O resultado é que as ações da Petrobrás foram desvalorizando, chegando a beirar os $12, ou seja, o valor da empresa foi despedaçado. Em 2013, enquanto a bolsa americana subiu 24%, a brasileira caiu 17%. O Eike Batista foi um fator, mas isso foi liderado pela Petrobrás, a maior empresa brasileira. O fundo Previ, quiçá o maior acionista individual dessa empresa, com as barbeiragens, perdeu bilhões, e o futuro dos segurados, i.e., nós, ficou mais incerto. Isso sem falar nas ações que foram pro brejo de carona. Não se trata de uma questão setorial. A modesta Ecopetrol, a estatal colombiana de petróleo, com ativos de menos de $100bi, tem um valor de uns $70bi, maior do que a Petrobrás, que vale uns $60bi, com ativos de $400bi. Além disso, a Ecopetrol tem um beta de 0,93, enquanto que o beta da Petrobrás é de 1,53. O beta é um índice que mede a flutuação do preço das ações com relação à flutuação do mercado. A flutuação padrão é 1,00; então o beta dá uma dimensão da instabilidade da empresa. Vejam o gráfico abaixo. No caso da Petrobrás, da noite pro dia o caixa da empresa foi saqueado, com a conivência da empresa, cujos executivos são corporativistas bem mandados, com o modelo de negócios adotado na exploração do petróleo contido no pré-sal. A capacidade de investimento da empresa foi minada para tapar buracos no orçamento federal. Por que não há jornalista competente no Brasil para ir a fundo nesses assuntos? Afinal, mais de 90% das famílias brasileiras depende da Previ, mesmo que não saibam disso. A Miriam Leitão, grande jornalista, e velha companheira da luta por liberdade e democracia, tem cabeça e tutano para fazer isso; e o faz, mas certamente a Globo limita essa cobertura.
Uma das pistas desse enigma foi publicada pelo meu compadre Nelson Rolim de Moura, dono da Editora Insular, de Florianópolis, no livro “Perfil do jornalista brasileiro -
Características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012”. Esse livro, publicado em 2013, responde às perguntas:
Quantos são os jornalistas brasileiros? Como se dividem em termos de sexo, idade, cor/raça, formação? Em que trabalham e sob que condições? Quanto ganham? Qual a opinião dos trabalhadores sobre a exigência de ensino superior para o exercício da profissão e a criação de um órgão de auto-regulamentação? Quantos são sindicalizados, atuam em movimentos sociais ou em partidos políticos?
A resposta a esta última pergunta entra uma estatística estarrecedora.
No Brasil, o maior empregador de jornalistas, empregando mais da metade de todos, são os sindicatos, a CUT o maior deles.
Ora bolas! Não formamos jornalistas; formamos propagandistas! Por que não é trabalhado esse tema, essa situação do jornalismo no Brasil? O corporativismo é tal que nenhum jornalista brasileiro ousa fazer essa leitura do panorama jornalístico nacional.
Outro dado: Cerca de 60% do restante trabalha para a Rede Globo. Ora, todo o mundo sabe que o governo, com as verbas de propaganda do Banco do Brasil, Petrobrás, Caixa, Vale, e dos programas federais, tipo Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, e outros, controla não apenas a Globo, mas todos os demais canais. Imagina perder esse fluxo de caixa. Ou seja, ninguém peita o governo federal. Todos tem medo.
Em omissão similar, ninguém confronta o Felipão. É uma seleção boa, mas o tempo do Júlio César já passou. O cara joga na segundona na Inglaterra. A zaga é excelente, com Dante e David Luiz, mais muitas opções nas laterais, principalmente na direita. Mas, no ataque, Jô, Robinho, Pato, Fred? A omissão clamorosa é a do Éverton Ribeiro. Esse rapaz é o melhor jogador atuando no Brasil, de longe, e não foi convocado. Os fãs clamam por ele, mas comentaristas esportivos não peitam o Felipão. Um que outro fala, muito timidamente. O medo de ser perseguido e ser isolado pelos dirigentes do futebol é patente e notório. Para mim, um escândalo nacional, outro prêmio de sub-reportagem.
Finalmente, mais uma questão seminal, para a nossa geração de brasileiros. Há cinquenta anos atrás, passamos pelo golpe que instituiu a ditadura militar. Um golpe de estado, puro e simples. O fim do prazo da confidencialidade dos arquivos de Kennedy mostrou claramente que o golpe foi 100% planejado e financiado pela Casa Branca. O filme “O dia que durou 21 anos” de Camilo Tavares, baseado no livro de seu pai, o jornalista Flávio Tavares, recupera as conversas telefônicas entre Kennedy e seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon. Nelas, o golpe é discutido abertamente, inclusive conversavam sobre os valores necessários para subornar o Congresso Nacional. Ou seja, os Estados Unidos nunca assumiram a responsabilidade disso; aliás repetiram isso no Chile, na Guatemala, no Congo, no Egito, na Nicarágua, em Angola, no Irã, no Vietnã, no Iraq, no Afeganistão, na Líbia, na Tunísia, na Argentina, no Uruguay; quanto sofrimento causaram! Enfim, para uma lista completa, e para entender a lógica da pax americana, leiam o livro de Stephen Kinser(2). As ditaduras do Brasil, Chile, Argentina e Uruguay estavam ligadas. Era a Operação Condor, liderada localmente pelo Brasil, mas certamente com direção da CIA. Uma médica, ex-diretora do Instituto de Salud Pública (ISP), Ingrid Heitmann, que trabalhava para Pinochet, como que para limpar a consciência, antes que fosse tarde, confessou em Agosto de 2013 que a ditadura chilena
empregava toxina botulínica para assassinar inimigos do regime, tanto dentro como fora do Chile. E que toda a documentação da operação foi destruída durante o governo de Michelle Bachelet, sem o conhecimento da presidente. Disse ainda que a origem dessas toxinas era o Instituto Butantã, casa do nosso querido Osvaldo Cruz. Como o jornalismo brasileiro nunca chegou a investigar, descobrir e reportar isso? Tiveram que esperar a confissão dessa médica chilena.
Entendo que nos Estados Unidos não se fale do filme de Camilo Tavares. Mas no Brasil, como se justifica que tenha sido sub-reportado? Por exemplo, quais congressistas receberam grana da CIA? Quais civis e militares estavam envolvidos? Além de Dan Mitrione, quais outros agentes da CIA giravam livremente pelo Brasil?
Uma geração inteira foi vindicada; dizíamos que o golpe era um golpe americano; dizíamos que os militares e seus asseclas eram capachos e pelegos da CIA; que as políticas que se seguiram não atendiam aos interesses nacionais. Por isso, fomos presos, torturados, exilados. Aliás, a ditadura sempre negou que houvessem presos políticos e que houvesse tortura. Agora, o John Fitzgerald Kennedy e seu embaixador no Brasil confirmam em viva voz, que a nossa bússola moral estava correta: o golpe fora pura e simplesmente made in the USA. Mas mesmo assim a Comissão da Verdade não consegue avançar. Perdemos uma geração; o nosso atraso é outra eterna sub-reportagem.
Feliz Ano Novo a todos!

Diciembre 2013/ Pedro, su servidor, desde Clearwater, Florida, jugando siempre


1. Meu amigo Pedro Bisch Neto me apresentou Strange Fruit: http://www.metrolyrics.com/strange-fruit-lyrics-billie-holiday.html#startvideo
2. Civil rights in America, racial voting rights; Susan Cianci Salvatore, U.S. Department of the Interior, Washington, D.C., 2007, revised, 2009
3. The Brothers: John Foster Dulles, Allen Dulles, and Their Secret World War; Stephen Kinzer; Times Books; First Edition, 2013

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