terça-feira, 10 de junho de 2014

manifesto pelo direito de ir e vir


Mais abaixo, você encontrará três artigos distintos:
1- O "Manifesto pelo Direito de Ir e Vir"

2-  reportagem elogiando o ‘Manifesto’, avaliando-o como autêntica demonstração de "amadurecimento da democracia brasileira"

3- artigo de crítica ao Manifesto.




O que pensar sobre este assunto? 

Comecemos pelo manifesto: 
Além de um desfile patético de frases politicamente corretas do tipo 'deve-se preservar o direito de ir e vir a todos aos cidadãos'..., 'nossos direitos constitucionais precisam ser garantidos'..., 'O direito de manifestação (...) precisa ser preservado e mantido dentro de seus limites legais'..., e blá, blá blá... além disso, o que mais tal manifesto acresce ao povo sofrido que pretensamente quer proteger? 
Para aquele trabalhador que enfrenta diariamente o transporte público medonho, as filas dantescas do SUS e carências graves e generalizadas em quase todos os serviços públicos, a que aproveita semelhante ‘manifesto’?
O manifesto no fundo não convence. Faz estampido de espoleta em dia de festa de São João. Resume-se talvez a um desabafo pueril que pode ser sintetizado num pouco retumbante e nada original grito de indignação: "É hora de um BASTA!"
Mas afinal, o que é que irritou tanto a alguns “intelectuais” brasileiros?
Por acaso, foram os descalabros nauseantes e sucessivos da corrupção endêmica que assolam e corroem os três Poderes?
Foi a falência múltipla dos serviços públicos? Foram os medíocres e vergonhosos índices da Educação Pública nacional e da produção científica?
Foi por acaso, a petulância e ousadia do crime organizado e das milícias clandestinas?
Foi talvez, a subserviência e incompetência administrativa de nossas autoridades políticas, em prol de um banquete festivo que o povo está pagando, mas que não vai usufruir? 
Não!! Nada disso parece comovê-los ou inspirá-los! 
O que os inspira em seu grito de “basta!”, são as dificuldades que estão enfrentando para “se deslocarem a seus lares, a seus trabalhos, ao encontro de suas famílias, amigos, ou compromissos” (sic!). E só!
É essa a classe de intelectuais, de cabeças pensantes que precisamos?? é essa a categoria de líderes que nosso país carece? Creio que perderam uma grande oportunidade de ficarem calados
Mais ridículo ainda é a segunda reportagem, quando tenta ressaltar que “juristas consideram o manifesto, um sinal de amadurecimento”...
bom... amadurecimento onde? Só se for da fruta que apodreceu no pé.

É lógico que “as manifestações e greves não devem acabar em quebra-quebra, saques ou qualquer outro tipo de violência”. Não é preciso juristas, sociólogos ou antropólogos para decretarem semelhantes obviedades. Mas que tantos juristas são esses que a reportagem alardeia no seu título?
O autor cita um jurista, um ex-ministro do STF, uma professora de direito constitucional e um promotor de justiça (estes últimos não são juristas necessariamente).
Por fim, uma interessante reflexão dissonante sobre o mesmo tema do tal ‘manifesto’, feita por um professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado mais recentemente, o qual também aconselho a leitura, já que você leu o manifesto e a segunda reportagem fazendo sua apologia.

Silvio M. Maximino


Íntegra do manifesto que defende o direito de ir e vir da população:
"Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir

À população do Brasil

Nos tempos recentes, há um claro conflito entre o legítimo direito de expressão de opiniões, reivindicações, de manifestar apoio ou repúdio ao que quer que seja e o não menos importante direito de ir e vir.
Raro o dia em que não se veem nos meios de comunicação notícias sobre as vidas de milhões de pessoas transtornadas por conta de manifestações públicas que adotam como tática o bloqueio de grandes vias de transporte. Reunindo vários milhares ou apenas um punhado de pessoas, grupos organizados em defesa de reivindicações as mais diversas arvoram-se no direito de interromper ruas, avenidas e estradas, de destruir meios de transporte e equipamentos públicos a eles relacionados. Violam, assim, o direito de um número sempre muito maior, milhões nos grandes centros urbanos, de se deslocarem a seus lares, a seus trabalhos, ao encontro de suas famílias, amigos, ou compromissos, quaisquer que sejam.
Mentes autoritárias, com profundo desprezo pelo direito alheio, terão sempre justificativas para essas ações na suposta justiça das causas que defendem ou na relevância das denúncias que propagam. As causas podem até ser justas, mas a alteração no tempo e na ordem da vida das pessoas não pode se tornar algo banal, corriqueiro. Um efeito dessa avalanche de manifestações que não titubeiam em afetar profundamente a vida das pessoas nas cidades é o descrédito e o desgaste de qualquer manifestação. Isso não é democracia, mas prepara sua destruição.
É hora de um BASTA! Exigimos do poder público que preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos manifestantes. É deprimente e alarmante ter as forças da ordem pública assistindo passivamente ou mesmo contribuindo com o transtorno pelo bloqueio de grandes vias, preferencialmente nos horários de rush. É revoltante vermos multidões tentando chegar em suas casas ou a seus compromissos, imobilizados por horas, manietados, vítimas da passividade do poder público, acuados pela impunidade e eventual violência de manifestantes.
Exigimos que nossos direitos constitucionais sejam garantidos, não aceitamos vê-los usurpados por pequenos ou grandes grupos que têm direito de se manifestar, mas não de impor seus pontos de vista. O direito de manifestação, assim como o de greve, precisam ser preservados e mantidos dentro de seus limites legais. Conclamamos à reação contra a escalada antidemocrática das manifestações que não respeitam os direitos elementares dos cidadãos.

Propõem, em ordem alfabética:
Alba Zaluar UERJ
Carlos Alberto de Bragança Pereira USP
Dani Gamerman UFRJ
Elizabeth Balbachevsky USP
Gauss Moutinho Cordeiro UFPE
Glaura C. Franco UFMG
Helio S. Migon UFRJ
Luiz Felipe de Souza Coelho UFRJ
Manuel Thedim IETS
Marcio da Costa UFRJ
Maria Alice Nogueira UFMG
Maria Lígia Barbosa UFRJ
Nelson do Valle Silva UERJ
Renan Springer de Freitas UFMG
Simon Schwartzman IETS”



2º artigo jornalístico:
29/05/2014
Juristas consideram manifesto ponto de partida para amadurecimento da democracia brasileira
RIO - Desde junho do ano passado, as cidades brasileiras têm sido palco para intensas manifestações e greves. Na última segunda-feira, a tensão gerada por elas fez com que antropólogos, sociólogos e pesquisadores criassem e distribuíssem um manifesto público pedindo um basta nos abusos cometidos nesses atos — sobretudo com relação ao bloqueio de vias. Intitulado "Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir”, o documento reunia até a tarde de ontem 379 assinaturas e, para um grupo de juristas, deve servir de ponto de partida para o amadurecimento da democracia brasileira.
O constitucionalista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Binenbojm é um deles.
— Do ponto de vista constitucional, (manifestar-se) é direito legítimo, salutar, mas só deve ser exercido sem entrar em conflito com outros direitos constitucionais. Um não pode ferir o outro. Essa petição pública pode ser o ponto de partida para essa discussão — diz Binenbojm.
O principal debate entre os manifestantes e os cidadãos indignados com os possíveis excessos nas marchas está na interpretação do Artigo 5º da Constituição, que trata dos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, em especial no inciso XVI, que afirma que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Binenbojm complementa a análise:
— O exercício da liberdade de manifestação deve ser compatibilizado com uma série de direitos, como o de ir, vir e permanecer, o direito ao trabalho, o direito à Educação, que dependem, todos eles, da liberdade de locomoção.
A professora de Direito Constitucional da Uerj Ana Paula de Barcellos corrobora a opinião dele sobre o bom momento para o amadurecimento da democracia brasileira. Mas, para a especialista, do ponto de vista do Direito, dois aspectos devem ser avaliados. O primeiro, chamado de "zona de certeza”, diz respeito ao fato de que as manifestações e greves não devem acabar em quebra-quebra, saques ou qualquer outro tipo de violência. O segundo é sobre o direito de ir e vir — e, nesse quesito, seu ponto de vista destoa dos outros juristas.
— O objetivo da manifestação é atrapalhar. É claro que as pessoas têm interesse em se locomover, ter um trânsito que funcione. Mas as pessoas querem que suas rotinas não sejam mudadas em nada, e isso não acontecerá — defende Ana Paula. — Há uma tensão entre esses elementos (sociedade e manifestantes) que é natural. Cabe a nós, cidadãos, discutir novamente esse modelo, caso se torne insuportável.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso lembra que as manifestações, como previsto na Constituição, independem de autorização prévia para acontecer, mas não podem causar danos à sociedade:
— A Constituição exige sempre que a autoridade seja avisada pelo grupo que quer fazer a manifestação, pois há locais em que essa concentração vai causar danos às pessoas. Então a autoridade determina pontos que afetem menos os cidadãos — explica ele, destacando que o alerta prévio é importante para garantir, inclusive, o bem-estar dos que se manifestam.
Por outro lado, o ex-ministro lembra que a polícia não pode "agir de modo violento” nem "frustrar a manifestação prevista na Constituição”. Em sua opinião, enxergar apenas o direito aos protestos seria "colocar o direito individual à frente do coletivo, daquele que quer trafegar livremente”. Portanto, um erro.
Velloso é crítico quanto à paralisação total dos policiais civis e militares. Segundo ele, são atos inconstitucionais, uma vez que a Constituição proíbe sindicalização e greve aos militares. Ele ainda critica a forma como as autoridades brasileiras vêm lidando com esses protestos:
— Parece que está ocorrendo uma crise sindical. Isso quer dizer que os sindicatos estão perdendo a liderança, suprimidos por grupos paralelos e ilegais. Esses grupos podem ser punidos e autuados por praticarem uma ilegalidade. Parece que as autoridades têm receio de agir de acordo com a lei. Vivemos um movimento de intensa liberalização. Neste quadro, a autoridade quer ser boazinha, esquecendo que o regime democrático é o regime da lei, não dos homens. Fazer valer a lei é da essência do regime democrático.
Em Vitória, ação pública por danos
No dia 30 de agosto de 2013, quatro organizações sindicais iniciaram às 6h uma manifestação em Vitória. As três pontes de acesso à cidade foram fechadas, impedindo a entrada ou saída do município. O promotor de Justiça Marcelo Zenkner entrou com uma ação civil pública, em tramitação na 10ª Vara Cível de Vitória, solicitando danos morais a União Geral dos Trabalhadores, Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical do Estado do Espírito Santo e Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.
— O principal intuito da ação é pedagógico. Criar um ambiente para que, nas próximas vezes, os manifestantes se lembrem de que existem outros direitos fundamentais que devem ser respeitados. Não existe direito fundamental absoluto — explica o promotor.
Segundo Zenkner, qualquer cidadão que se sentir lesado por protestos poderá entrar com um pedido por danos a direitos individuais homogêneos. O processo dele corre na 10ª Vara Cível de Vitória.

fontes:
http://oglobo.globo.com/brasil/juristas-consideram-manifesto-ponto-de-partida-para-amadurecimento-da-democracia-brasileira-12651684, disponível em 29/05/2014
http://www.antp.org.br/website/noticias/clipping/show.asp?npgCode=A090AED1-3E9F-418E-AF8F-9F933BDD19AE

terceiro artigo:
 Vira-latas sem complexo

Professor da UFRJ critica manifesto que relativiza o direito de manifestação no Mundial. “Agora que não há mais o que roubar,
convocar a população para assistir quietinha aos jogos da Copa pela TV é tudo o que a academia não deveria pedir, esse manifesto não me representa”
POR CONGRESSO EM FOCO | 03/06/2014 08:00 
Luis Vieira *
A ordem veio do Planalto – segurança máxima nas ruas – mas as ordens do Planalto não se limitam às previsíveis ações institucionais, elas são acompanhadas por um coro de contentes, o que dá mais legitimidade ao arbítrio. Por décadas, o Partido dos Trabalhadores incentivou a criação e a ação de organizações sociais com temáticas diferentes – terra, habitação, aborto, gênero, etc.
Diante da calamidade social que é o Brasil elas prosperaram e se multiplicaram, inclusive em campos concorrentes da esquerda. Quando não estava no poder era fácil apoiar invasões, bloqueios, ocupações e outros escrachos. Mas agora é diferente, às portas de uma Copa do Mundo, em um ano de eleições presidenciais, o Planalto descobriu que é preciso ordem para o sucesso, não necessariamente o progresso.
E assim, com a Lei da Copa em uma das mãos e as Forças Armadas na outra, convoca a militância a bradar aos quatro cantos que se faça silêncio. Nesse contexto ordeiro brotam apoios mais ou menos organizados, mais ou menos inocentes, mais ou menos úteis, como é o caso de um manifesto oriundo da academia, supostamente organizado por Simon Schwartzman & friends e intitulado “Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir”. Após lê-lo, concluí que não é por uma coisa, nem pela outra, mas pela ordem, simplesmente pela ordem.
Há uma única frase dedicada à liberdade de expressão, ao final do texto, que não é exatamente uma defesa, mas uma ressalva - O direito de manifestação, assim como o de greve, precisam ser preservados e mantidos dentro de seus limites legais. Talvez por receio da carapuça de autoritarismo, enxertaram o slogan. Por outro lado, atribuir às manifestações a culpa pelos engarrafamentos e dificuldades de locomoção é um viés difícil de se sustentar qualquer que seja a abordagem.
Todos os dias a maior parte da população sofre apinhada em trens, ônibus e metrôs. Se uma carrocinha de pipoca quebrar a roda vamos ter quilômetros de retenção aonde quer que se tenha dado o acidente. Ao invés de invocar as forças de segurança para controlar manifestantes, invoque-se mais gente nas ruas, para que elas parem de vez e o país faça seu ajuste de contas.
Agora que não há mais o que roubar, convocar a população para assistir quietinha aos jogos da Copa pela TV é tudo o que a academia não deveria pedir, esse manifesto não me representa, nem representa os milhares de estudantes, professores e funcionários que estão longe das benesses desse regime que compra consciências no atacado e no varejo.
* Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com interesses em geoestatística, mineração de dados e ensino a distância. 

 


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