quarta-feira, 9 de julho de 2014

Crônica de uma vergonha: não! juro que não vou falar de futebol



Crônica de uma vergonha

Não, caro leitor! Não falaremos de Copa do mundo. Aliás, nunca fui bom nas ‘peladas’... nem me peça para explicar o que é ‘volante’ e um tal de ‘impedimento’. Mas quero refletir junto com você sobre outra goleada que nossa Nação sofreu desde os ‘primeiros minutos de jogo’, cronometrado a partir de 1500. Mal começou a partida e, temos que admitir, já estávamos perdendo feio... Veja só nossa Educação Pública: pilar básico de sustentação de qualquer nação civilizada. Alguém discorda? Pois eis que sofre goleada histórica, a nos deixar perplexos, tristes e legitimamente envergonhados. Especialistas sabem que jamais tivemos sequer um ‘sistema educacional’. O primeiro projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional só foi enviado ao Congresso em 1948, e aprovado apenas em 1961, aos ‘trancos e barrancos’.
Sejamos sinceros: nossa pátria já tinha ‘cartão amarelo’ faz tempo: Em 1538 nascia a primeira universidade das Américas (República Dominicana). Depois vieram as do Peru (1551), México (1553), Argentina (1613), Colômbia (1662), Cuba (1728) e Chile (1738). Nos Estados Unidos, as primeiras surgiriam em 1636, 1701 e 1755. Já por aqui, embora em 1822, contássemos com aproximadamente 3.000 bacharéis, eles eram formados onde? na França, Inglaterra e Portugal. Quando finalmente surgem nossas primeiras universidades (1920, no Rio, e em 1934, em S.Paulo), já havia pelo menos 78 universidades espalhadas pelos Estados Unidos, além de outras 20 pela América Latina. Esses dados lhe dizem algo sobre que ‘seleção leva vantagem nesse jogo’?
     Mesmo após o golpe militar proclamador da República, antes mesmo do final do ‘primeiro tempo do jogo’, nenhuma substituição ou mudança tática significativa fizemos. Então, o resultado já sabemos: apanhamos vergonhosamente. Outro exemplo: os afrodescendentes do período pós-abolição eram livres na letra morta da lei, mas sem qualquer tipo de assistência. Segundo o único registro oficial da população escrava nacional (realizado em 1872), mais de um milhão e meio de brasileiros da noite para o dia foram jogados à sarjeta, sem terra para seu próprio sustento, sem qualquer indenização, sem qualificação, sem escola para alfabetização, sem ‘escalação’, sequer no ‘banco de reserva’ da nação. Rima maldita, eu sei! As estatísticas estão aí: ocupamos hoje o 58º lugar (numa lista de 65 países), segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). A isso eu chamo vergonha nacional. 
Assistimos aqui mesmo, “jogando em casa”, a partir da década de 60, algo mais catastrófico e vexatório do que o massacre televisionado em 08 de julho de 2014. O professor, alma da Educação de qualquer nação digna, assistiu e protagonizou boquiaberto, um dos espetáculos mais patéticos deste continental estádio-nação Brasil. Materializou-se então o maior projeto de destruição da autoestima de um povo, ‘nunca antes visto na história desse país’.
Pergunto-lhe: culpa dos militares e da elite? Culpa da imprensa golpista? do FMI? da CBF? Qual será o bode expiatório da nossa crônica social? De lá para cá, civis reassumiram o Poder... depois, até quem se dizia da ‘Esquerda’ assumiu o Poder. 
De lá para cá, o FMI nunca esteve tão desmoralizado e a elite brasileira sozinha não consegue eleger mais nem síndico de condomínio. A quem vamos culpar dessa vez? ao semianalfabeto Tiririca? Qual a causa científica do fracasso de nossa ‘seleção’ de políticos, juízes e administradores?
Não há ‘esquema tático’ que explique ou justifique o vexame, logo nos primeiros minutos de jogo. Já ‘pagamos prá ver’ despencarem a qualidade do Ensino e o próprio salário do profissional educador (similar ao salário de um juiz de direito em 1960). 

Essa vergonha não acontece só de quatro em quatro anos, mas a cada dia, dia após dia. E veja que nem começamos a falar da goleada vexatória que sofrem nossa Saúde Pública, nossa Segurança Pública, nossos transportes públicos, nossas obras públicas (dos quais os estádios são apenas a ponta do iceberg).
Essas estatísticas nos dizem algo sobre o nível de subdesenvolvimento espiritual e material que enfrentamos, embora nosso ministro, quando questionado recentemente por jornalista, tenha tido o desplante, a desfaçatez de afirmar que “estamos melhorando, indo bem”. Mas indo para onde? Como assim? Parece até o técnico de uma certa seleção...
No Brasil-colônia e na República Velha, não havia FIFA, nem Filipão para projetarmos nossa raiva e decepção. Alguns historiadores atribuem tal vexame patético de antanho aos interesses políticos e econômicos dos ingleses, visando inclusive nosso fracasso como nação-líder latino-americana; outros culpam a cultura predatória do colonizador, e outros, as culturas indígenas e afrodescendentes...  de qualquer modo, não somos herdeiros malditos de algum tipo de DNA cultural imaginário. Podemos fazer a diferença hoje! 
Também, de nada resolve fazer voto de protesto na urna. Entendam de uma vez que voto não serve para esse fim. Esse tipo de analfabetismo político equivale a ‘rasgar o ingresso’ de entrada para o jogo, antes mesmo do jogo começar, só porque não gostamos das regras ou da escalação do time que vai jogar. Comece perguntando a cada candidato, o que ele vai fazer pela Educação. Comprometa-o! Depois, não fique parado feito poste dentro de campo, esperando a goleada... mexa-se! Mexa no time! Cobre e monitore seus representantes! Chame a responsabilidade! 
Faça sua parte, que eu faço a minha! 
Pense nisso!

Silvio Motta Maximino 


publicado no Jornal da Cidade - Bauru - em http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=234813 







Abaixo, segue o mesmo texto, só que mais enxuto e com alterações, visando a publicação no espaço disponível no jornal.

11/07/14 07:00 - Opinião1

Crônica de uma vergonha

Silvio Motta Maximino
Não, caro leitor! Não falaremos de Copa do mundo. Refiro-me a outra goleada, sofrida por todos nós brasileiros, desde os ‘primeiros minutos de jogo’. Mal havia começado a partida e já estávamos perdendo feio... Notem que ninguém sério duvida que o pilar básico de sustentação de qualquer nação civilizada seja a Educação. Estou perplexo, triste e legitimamente envergonhado. Primeiro gol contra: jamais tivemos sequer um ‘sistema educacional’. O primeiro projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional só foi enviado ao Congresso em 1948, e aprovado tardiamente apenas em 1961, aos trancos e barrancos.

O temível ‘cartão amarelo’ já nos assombrava há tempos: Em 1538 nascia a primeira universidade das Américas. Depois vieram as do Peru (1551), México (1553), Argentina (1613), Estados Unidos (1636), Colômbia (1662), Cuba (1728) e Chile (1738). E eis que já veio o segundo gol contra: embora contássemos aqui em 1822, com 3.000 bacharéis, eles eram formados na França, Inglaterra e Portugal. Quando finalmente surgem nossas primeiras universidades (1920 e 1934), já havia pelo menos 78 universidades espalhadas pelos Estados Unidos, além de outras 20 pela América Latina.

Terceiro gol não demorou: Mesmo após o advento da República, antes mesmo do final do ‘primeiro tempo do jogo’, nenhuma mudança tática significativa. Então, o resto é história: apanhamos vergonhosamente. Nem bem respiramos e lá veio o quarto gol: os afrodescendentes do período pós-abolição eram livres só na letra morta da lei. Segundo o registro oficial da população escrava nacional (em 1872), mais de 1,5 milhão de brasileiros foram jogados à sarjeta, sem direito a indenização, sem qualificação, sem alfabetização, sem ‘escalação’. Rima maldita! As estatísticas não mentem: ocupamos hoje o 58º lugar (numa lista de 65 países), segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Negando a realidade dos fatos, levamos o quinto gol: Nosso ministro, quando questionado por jornalista, tem a desfaçatez de afirmar: “estamos melhorando (...)”.

Assistimos aqui, ‘jogando em casa’, ao sexto humilhante gol: a partir da década de 60, algo mais vexatório que o massacre de 08 de julho de 2014. Despencam a qualidade do Ensino e o próprio salário do profissional educador (que era similar ao salário de um juiz de direito em 1960) a níveis ‘nunca vistos na história desse país’. Materializado o pior dos pesadelos, como fazer para recuperar a autoestima deste povo?

De lá para cá, civis reassumiram o Poder... depois, até quem se dizia da ‘Esquerda’ assumiu o Poder. A qual ‘técnico ou jogador’ culparemos desta vez? Qual a causa de tão vergonhoso espetáculo dessa nossa ‘seleção’ de políticos, juízes e administradores?

O sétimo gol revela o que agora todos já sabem: não havia nenhum ‘esquema tático’ pensando seriamente a questão da Educação.

Ao ‘torcedor’ fica o alerta: de nada resolverá cair no conto do ‘voto de protesto’. O mito do voto de protesto encanta aos analfabetos políticos. Mas não notam que isso equivale a ‘rasgar o ingresso’ de entrada, antes mesmo do campeonato começar, só porque não gostam das regras ou da escalação do time que vai jogar. Por que você eleitor não pergunta ao candidato, o que ele vai fazer pela Educação? Comprometa-o! Depois, não fique parado feito poste dentro de campo, esperando o desastre... E mexa no seu time! Cobre e monitore seus representantes! Chame a responsabilidade! Façamos cada um a sua parte, que todos só tem a ganhar! Pense nisso!

O autor é professor de filosofia e antropologia
 

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