segunda-feira, 14 de julho de 2014

o problema é você, a solução é você

O problema da auto-aceitação, segundo o Vedanta*


Logo abaixo, teremos a oportunidade de ter um pouco de contato com uma visão pouco conhecida no Ocidente. Ela é aparentemente distinta daquela que estamos acostumados em nosso contexto cultural hebraicojudaicocristão ocidental.
O paradigma do "Vedanta" não é aqui apresentado como a visão mais próxima da realidade, a "certa"... não há pretensão de apresentar "a verdadeira visão"... Não se trata de pensar em termos de "certo" e "errado". 
Apenas convidamos para participar de um jogo: você se despe momentaneamente de seus 'óculos culturais' e experimenta por alguns minutos, como seria olhar tudo com outros óculos. Permita-se esse exercício interior. 
Na filosofia vedanta, a origem dos nossos problemas (e a possível solução deles, consequentemente) não é puramente metafísica, nem puramente física, mas seguramente transcendental, ou seja, tem a ver com a questão da subjetividade, ou mais especificamente, com a questão da auto-aceitação

Siga o raciocício:

1) Todas as atividades humanas são motivadas pela falta de auto-aceitação, uma incessante e neurorizante busca por plenitude, uma luta para ser algo que pensamos que não somos.
2) Quase sempre há um esforço para sermos diferentes do que somos...  E essa tentativa de ser diferente surge de um tipo de auto-não-aceitação: "não está tudo bem comigo, então tenho que ser diferente"...
3) E para sermos diferentes, tentamos manipular as situações de acordo com nossos próprios gostos e desgostos, para que possamos finalmente nos aceitar. 
Paradoxalmente, todo o tempo buscamos por aceitação (ou de auto-aceitação). Este problema, portanto, é o problema fundamental... Por isso, a solução está em si mesmo, e não pode estar em outro lugar. 
4) Então, se sou o problema (pois não sou aceitável para mim mesmo), então ninguém mais pode ser a solução. Jamais a encontrarei noutro lugar, noutra pessoa, noutra circunstância, noutra experiência, noutro mundo ou dimensão... em última análise, sou a solução, do mesmo modo como sou a própria raiz do problema. 

5) Se a partir deste momento, você decidir ir além, ser mais radical e ousado em sua análise, poderá acabar concluindo que qualquer "pensamento positivo" que decida ter, no fundo não irá lhe ajudar como você imagina... afinal, do que se trata o "pensamento positivo"? (embora aparentemente bom), nada mais é do que o "outro lado da mesma moeda". A afirmação de um dado pensamento positivo valida, legitima o seu oposto como também "existente". 

6) E mais: Quando olho para mim mesmo e me vejo como "alguém a quem falta algo", (o que implica que há algo que, portanto, agora quero ter), facilmente posso acabar mais ou menos deprimido, decepcionado, infelicitado, cobiçoso... 

Por isso, qualquer "mudança" que eu queira fazer em mim não vai me mudar fundamentalmente. Se sou um ser limitado na minha visão, qualquer mudança que eu faça, qualquer embelezamento pessoal ou mudanças externas que eu realize, não mudará a visão que tenho de mim: continuarei me vendo como um ser limitado. 
Em resumo: 
a)  se eu sou finito e acrescento a mim outra soma finita, o resultado sempre será uma soma finita...
b) se me vejo como "carente de algo", pretendendo somar algo aí, logo notarei que continuo carente de outra coisa, e depois de outra, e depois outra e mais outra...

7) Então, o problema real não está naquilo que penso ser preciso agregar para suprir a carência que percebo. O problema está justamente no padrão de carência que continuo a carregar comigo... o problema, portanto, está na auto-imagem... O problema, mais uma vez, não está fora, mas dentro de mim mesmo.
Veja só o que fazemos o tempo todo: definimos objetivos do tipo “Se ao menos eu tivesse este objeto... esta condição... esta circunstância... esta virtude... então tudo estaria bem”.

Então, o problema não é exatamente o que me falta! O problema é justamente o padrão de carência que trago em mim. O problema é o meu querer. 
E o que 'eu quero'? O que determina "meus desejos"?

8) O que quero depende de minha educação, de 'minhas necessidades' (a maioria delas 'plantada' pela sociedade e pelos seus vários sistemas de controle e manipulação), de meus próprios gostos e desgostos. 

9) Na verdade, o real problema é que "eu quero"!! Este problema não será resolvido preenchendo esses quereres
Por isso, se em meu paradigma, vejo-me como pessoa finita, carente e limitada, desejante, não importa que mudança eu proporcione em minha vida, vou continuar querendo, outra e outra vez, indefinidamente. 
Então o processo de “se tornar” não vai nos ajudar a sair do labirinto, do joguete. Podemos ter a fascinante sensação de que estamos 'ganhando o jogo', porém o que aconteceu é que continuamos iludidos dentro do 'tabuleiro', como meras peças de um jogo. Uma das regras desse jogo é o tempo. Estamos presos ao tempo. O tempo não pode nos salvar.

10) Então, ou aceitamos nossa "carência" absoluta e embarcamos na busca incessante de algo, ou decidimos olhar para nós mesmos de maneira radicalmente diferente. Há uma saída para esse dilema?
Se vimos que por meio de mudanças superficiais, de ajustes aqui e ali, não vou fundamentalmente modificar-me, talvez o problema é que eu esteja olhando pra mim de maneira errada. Talvez a solução seja não querer nada. 
Você olha para si erradamente, e então tenta resolver um problema que não existe. Você presume o problema, para logo em seguida começar a tentar resolvê-lo...

Então, olhe pra você mesmo e se reexamine... Segundo o Vedanta*, você deverá questionar-se: Estou eu querendo? 
Está realmente faltando algo a mim, ou a sensação de carência faz parte da ilusão? 
Eis a questão!
Pode ser que eu esteja em erro de percepção? Posso estar olhando pra mim mesmo erroneamente? 
 
Silvio M. Max


* Vedanta: tradição filosófica e espiritual do Oriente, que se ocupa principalmente do tema do autoconhecimento e da autorrealização, por meio da compreensão da verdadeira natureza da realidade. Vedanta, literalmente, significa "a meta de todo o conhecimento" e está baseado no estudo das leis espirituais comuns a todas as principais tradições religiosas e espirituais do mundo.

As reflexões e interpretações explanadas acima foram realizadas, a partir de reflexões feitas a partir da entrevista de Swami Dayananda Saraswati, um dos maiores mestres do Vedanta na Índia, feita por Jeffrey Mishlove.
O trecho da entrevista traduzida e utilizada como base está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://dharmalog.com/2011/06/03/o-problema-e-voce-a-solucao-e-voce-por-swami-dayananda/

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