sexta-feira, 18 de julho de 2014

Oração ao Deus desconhecido - Nietzsche


Oração ao Deus desconhecido

Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.

Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.
Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.
Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero Te conhecer e a Ti servir.


Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Lyrisches und Spruchhaftes (1858-1888). O texto em alemão pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte von Friederich Nietzsche, Diogenes Taschenbuch, Zürich 2000, 11-12 ou em F.Nietzsche, Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich 1994.


Leia abaixo, uma importante observação:


Transcrição de publicação feita em abril/2011 por Leonardo Boff, a respeito de Nietzsche:

Muitos só conhecem de Nietzsche a frase “Deus está morto”. Poucos, porém, imaginam a que 'deus', o filósofo se refere especificamente. Não se trata do Deus vivo que é imortal. Mas do Deus da metafísica, das representações religiosas e culturais, feitas apenas para acalmar as pessoas e impedir que se confrontem com os desafios da condição humana.
Esse 'deus' é somente uma representação e uma imagem. É bom que este morra para liberar o Deus vivo. Mas não devemos confundir imagem de Deus com Deus como realidade essencial. Nietzsche estudou teologia. Eu pude dar uma palestra na Universidade de Basel na sala em que ele dava aulas, quando fui professor visitante em 1998 lá. Essa oração que aqui se publica é desconhecida por muitos, até por estudiosos do filósofo. Por isso indico as fontes em alemão de onde fiz a tradução. No original, com rimas, é de grande beleza (...).



Nietzsche não diz que Deus está morto, porque um Deus que morre não é Deus. Diz que nós matamos Deus, o que é outra coisa. Vale dizer, Deus na modernidade não é mais fonte de coesão e de sentido terminal. Para ele, o oposto à religião não é a irreligião ou o ateísmo, mas a solidão, a perda de raízes, é sentir-se perdido no mundo. Ele quer resgatar o Deus vivo, aquele que não ficou preso nas malhas das doutrinas religiosas, que representam metafísicas. Ele se refere ao Deus da experiência originária... e só o consegue negando os conceitos vigentes de Deus.

Leonardo Boff

fonte: 

Um comentário:

  1. A oração mais honesta e que pode fazer com que Deus seja, enfim, conhecido na figura daqueles que insistimos em não ver; nas nossas imperfeiçoes morais que não queremos resolver; na vida que pode ser vivida com fraternidade e altivez.

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