terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O Evolucionismo darvinista em crise?



A interessante crônica jornalística que você lerá abaixo (após esta introdução) pode ajudá-lo a entender um pouco mais qual é a dinâmica da produção do conhecimento científico no transcorrer da História. Essa dinâmica explicaria como se dá o desenvolvimento dos sucessivos paradigmas e teorias científicas. 
Um conhecido filósofo da ciência contemporâneo que abordou essa questão epistemológica como muita propriedade foi Imre Lakatos, o qual desenvolveu sua tese em torno da ideia da "coexistência de múltiplos programas de pesquisa". Sua teoria ficou assim conhecida como “Metodologia dos Programas de Pesquisa”.
Imre Lakatos examinou as filosofias da ciência mais influentes e propôs de modo original, uma reconstrução racional da história da ciência. Deste modo, seus ensaios acabaram reunidos em sua obra “História da ciência e suas Reconstruções Racionais”.
A ideia central de Lakatos consiste em substituir o problema da apreciação de teorias pelo problema da apreciação de séries de teorias (aqui chamadas de ‘programas de investigação’). O falsificacionismo de Popper, segundo ele, na verdade não explica corretamente o comportamento dos cientistas. Quando estes rejeitam uma teoria, não o fazem “apenas porque os fatos a contradizem”. Perante dados empíricos adversos, os cientistas não hesitarão em invocar hipóteses auxiliares para salvar suas teorias. Veem esses dados não como ‘refutações’ de suas conjecturas, mas como simples ‘anomalias’ que não requerem uma solução imediata.
Assim, as anomalias (quaisquer contradições não explicadas pelo paradigma em questão) podem ser ignoradas provisoriamente, desde que o programa de investigação consiga manter uma heurística positiva resultante dos desenvolvimentos teóricos, sendo apenas substituído quando surge um outro programa de investigação melhor. 
Além disso, Lakatos também acerta quando trata da questão da coexistência (simultaneidade) de programas progressivos e degenerativos. Partindo do princípio básico de que um ‘programa de investigação’ consiste numa série de teorias em desenvolvimento, Lakatos defenderá que tais teorias sempre giram em torno de um “núcleo duro”, que é constituído pelas proposições fundamentais do programa. Interessante observar que tais proposições serão provisoriamente consideradas irrefutáveis. 
Por outro lado, além do "núcleo", sempre haverá: 
1) a “heurística do programa”: se encarrega de propor questões/problemas, bem como proporcionar meios para resolver esses problemas; 
2) o “cinturão protetor” de hipóteses auxiliares: ele protege aquele "núcleo firme" contra eventuais ‘refutações’ (T. Kuhn) e/ou ‘falsificações’ (K. Popper). 
Então, quando as modificações teóricas conduzem a algumas previsões de fatos novos que se mostram bem sucedidas a curto ou médio prazo, o programa passa a ser considerado 'progressivo', mas se essas modificações forem apenas manobras ‘ad hoc’, ou se a maior parte das previsões não se verificarem empiricamente, o programa gradualmente vai se tornando regressivo (ou degenerativo, em outro vocabulário).

Lakatos nota, portanto, que dois ou mais programas de pesquisa (uns mais progressivos, outros mais regressivos) sempre coexistem dentro de uma dada ciência particular. Um programa jamais sepulta/aniquila completamente o outro, mesmo que aparentemente o segundo tenha sido substituído ou superado pelo primeiro.

No exemplo ilustrado pelo artigo, a questão da epigenia (p. ex.) serve de combustível para que o programa de pesquisa (hoje regressivo) do evolucionismo lamarckista, ganhe novo alento, frente ao programa do evolucionismo de tipo darvinista. 
Algumas especulações filosóficas que podem ser suscitadas: 
a epigenética reabilita antigas teses de Lamarck, consideradas até ontem ultrapassadas? 
A teoria da evolução, como a conhecemos, está com seus dias contados? 
Os novos avanços contam pontos a favor do Criacionismo ao minar as bases pouco sólidas do Darvinismo?


Silvio Mmax.


- - - - - - - - - - - - - - - -    FOLHA DE SÃO PAULO  - - - - - - - - - - - - -

Vem aí a nova biologia. Ou não.
POR RAFAEL GARCIA
outubro de 2014  

NOTÍCIAS SOBRE BIOLOGIA voltadas ao público geral com frequência fazem referência à briga de acadêmicos contra o criacionismo –o movimento defensor de que seres vivos foram criados por Deus, não pelos processos descritos na teoria da evolução. Ofuscado por essa discussão infrutífera de cientistas lançando argumentos racionais contra mentes religiosas impenetráveis, porém, existe um debate sério sobre se a biologia evolutiva está ou não carente de atualização.
Esse movimento defende que a chamada “nova síntese” –a teoria da evolução de Darwin reformulada à luz da genética e, depois, da biologia molecular– precisa ser recauchutada. Liderados por biólogos como Gerd Muller, da Universidade de Viena, e Eva Jablonka, da Universidade de Tel Aviv, esses pesquisadores defendem aquilo que batizaram de EES (Síntese Evolucionária Estendida). É um corpo de conhecimento baseado em fenômenos que correm paralelamente aos descritos pela seleção natural de Darwin. Mas seria esta nova biologia algo com força suficiente para tornar a nova síntese uma teoria ultrapassada?

Para defender uma mudança radical, Jablonka recorre a fenômenos como a epigenética –transmissão de características que não requer mudança do DNA– e à construção de nichos –capacidade de animais de alterarem seu próprio ambiente e, portanto, modificar as pressões que a seleção natural exerceria sobre eles mesmos. Também são alvo de estudo da EES o “viés de desenvolvimento” –a impossibilidade de organismos de adquirirem certas formas enquanto evoluem– e a plasticidade –capacidade de um indivíduo de adquirir diferentes formas reagindo a seu ambiente.

Todos esses fenômenos, que são tratados pela (velha) nova síntese apenas como processos marginais, seriam sinal de que uma teoria de evolução com excesso de foco na biologia molecular se tornou incapaz de dar conta da explicação de processos que ocorrem sem interação com o DNA. Só a incorporação desses outros fenômenos, argumentam, pode salvar a teoria da evolução de se tornar algo ultrapassado.

TRAMANDO A REVOLUÇÃO
Entrevistei Jablonka em 2007 e achei interessante e bem fundamentada sua defesa de que a epigenética reabilita ideias malditas do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Mas fiquei incomodado com sua crítica ao conceito de “gene egoísta”, a expressão criada pelo biólogo Richard Dawkins para descrever a centralidade da biologia molecular no processo evolutivo.
No ano seguinte, um congresso organizado por Jablonka e outros correligionários em Altenberg (Áustria) mostrou com mais clareza qual era a intenção do grupo. Os 16 cientistas presentes finalmente cunharam ali a sigla EES, para colocá-la em oposição ao que chamavam de SET (Teoria Evolucionária Padrão), rebatizando a nova síntese com um nome que a faz parecer algo ultrapassado. Ninguém ali se atreveu a usar o palavrão iniciado com “P”, mas a intenção era claramente a de declarar que a EES seria um novo paradigma na biologia.
Muita gente se impressionou. Outros, incluindo Dawkins, nunca deram muita bola. Desde então, deixei de acompanhar essa escaramuça, e confesso que a maior parte do conhecimento de almanaque que tenho sobre evolução acabei adquirindo como ouvinte no curso de Hopi Hoekstra e Andrew Berry, professores de Harvard que não simpatizam com o grupo de Jablonka.

CONFRONTO DIRETO
Foi só lendo a edição desta semana da revista “Nature” que finalmente tomei pé de como está essa discussão agora, ao me deparar com dois artigos, um a favor e um contra decretar que a teoria da evolução precisa ser repensada. Em contraposição estavam justamente as duas biólogas que já tive o privilégio de ouvir pessoalmente, Jablonka e Hoekstra, além de seus coautores.
Vale a pena ler. Como já deixer transparecer meu viés aqui, posso dizer que a argumentação de Hoekstra me convenceu de que a sigla EES é mais um adendo teórico do que uma revolução. É uma tentativa de alguns biólogos de se autoatribuírem a responsabilidade por uma mudança de paradigma, quando, na verdade, o que ocorre é um avanço gradual, no qual epigenética, construção de nicho, plasticidade etc. vão se integrando à teoria da evolução tradicional.
Mas o grupo da EES não quer saber de se render. “Essa não é uma tempestade num copo d’água acadêmico, é a luta pela própria alma da disciplina [da evolução]”, escreve o grupo de Jablonka, num texto com Kevin Laland como autor principal. Hoekstra retruca: “Nós também queremos uma síntese evolucionária estendida, mas para nós essas palavras estão em letra minúscula, porque nosso campo sempre avançou assim”.

DE VOLTA ÀS ORIGENS
Talvez seja tudo uma questão de nome. Darwin, por exemplo, publicou um livro inteiro sobre como minhocas alteram seu próprio ambiente por meio de sua ação no solo. “Hoje nós chamamos esse processo de construção de nicho, mas o novo nome não altera o fato de que biólogos evolucionários têm estudado feedback entre organismos e seu ambiente por mais de um século”, diz Hoekstra.
O problema, talvez, seja o de achar que a biologia precisa de uma grande ruptura, para seguir em frente apenas por meio de grandes saltos. A quebra de paradigma, o modelo de avanço científico descrito pelo filósofo Thomas Kuhn, não se aplica muito bem à biologia, já defendia o saudoso Ernst Mayr, biólogo com importantes contribuições filosóficas à disciplina. “Precisamos também lembrar que Kuhn era físico e que sua tese reflete o pensamento ‘essencialista’ e ‘saltacionista’ tão disseminado na física”, escreveu.
Mesmo a teoria de Darwin, a coisa que mais próxima de uma revolução que já ocorreu dentro da biologia, levou quase um século de debates e avanços graduais para se consolidar na forma da nova síntese. Não se estabeleceu de forma tão brusca quanto a relatividade de Einstein, por exemplo. E mesmo a física pós-Einstein não parece estar avançando em saltos tão grandes. Não há nada de errado com a ciência feita por Jablonka, Muller e seus colegas, que têm dado boas contribuições para entender processos biológicos complexos. Mas vender o advento da epigenética e companhia como uma revolução me parece algo um tanto caricaturesco.


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