domingo, 29 de novembro de 2015

renúncias...

Abaixo, reproduzo primoroso texto de Alexandre Albertini Benegas, publicado no Jornal da Cidade no dia 16/10/15 na coluna "Opinião". 

Belíssimo texto do ponto de vista literário, interessante do ponto de vista filosófico. Aconselho a leitura com vagar, refletindo silente e lentamente sobre cada cenário pintado, sobre cada sentimento exposto...




Renúncia

 
O relógio acusava 9 horas. No quarto, brinquedos disputavam lugar e atenção. O sol, costumeiramente, acenava pelas frestas da janela, sublime presença. Crianças da vizinhança assumiam encontro marcado com a alegria. Os olhares pronunciavam espontânea meninice. Pensamentos suados corriam no ziguezaguear das brincadeiras extraordinárias. Assim, a infância acontecia.

Quando crianças, descobrir - ah! - é interjeição. Aprender, exclamação! Porquês apresentam-se em forma de curiosidade, na descoberta do saber. Pontual, a felicidade raia em acontecimentos extraordinários. Justificável, a criatividade apresenta merecedor ponto de partida e respeitoso ponto de chegada. Pudera. Em verdades ingênuas e circunstanciais, saber que a distância entre dois pontos nem sempre é uma reta, desenha similar liberdade de descoberta ao perceber que com cinco e seis retas fácil é fazer um castelo. Açucaradamente se enxerga. E, embora os olhos insistam em ver, o coração desautorizado está de sentir. Feliz idade.

Já adultos, renuncia-se  à curiosidade. A certeza é demitida pela hipótese. Acontecimentos extraordinários descortinam-se em museus de inéditas novidades. O castelo, antes feito pela geometria das retas, ocupado está e, o pior, é um restrito espaço, cujo acesso negado encontra-se. Aconchegantes interjeições e exclamações substituídas são por vírgulas da fala congestionadamente pretextual. Desamparada, a certeza perde a paternidade para a ardilosa dúvida, assinalando reticente postura em reticências. Ver a vida com dulçor? Bobagem. Diabéticos tornamo-nos.

Por tudo isto, por que ao crescermos diminuímos? Seria metabolismo celular reverso capaz de tornar o físico deficitário e a alma deficiente? Se o é, compreensível haver cegos desprovidos da vontade de ver, na brevidade da vida, o próximo, o outro. Surdos, pela sonoridade seletiva, negligenciarem os ouvidos aos apelos fraternais. Paralíticos, impossibilitados de caminhar em direção aos necessitados. Anões, incrédulos por inaceitar o crescer da gratidão à altura do reconhecimento. E, por fim, o mais doente de todos, o louco, por exigir dos outros o que eles, definitivamente, não possuem.

Desta forma, bendito seja quem souber compreender a dinâmica da vida. Semelhante a um rio, as margens, em perímetro de oposição, seriam o nascer e o morrer. A superfície, a aparência. A profundidade, a labiríntica inconsciência. Ponderável, portanto, saber banhar-se em alguns rios, sem alterar seu curso, responsáveis que somos pela direção. Afinal, um mergulho poderia emergir algo inesperado, supostamente comportado, provocando nervosa coreografia no rio, na vida que se atravessa... a travessia.

Alexandre Albertini Benegas

O autor é professor de Língua Portuguesa, especialista em Redação

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