quarta-feira, 8 de março de 2017

Nietzsche: sobre o ser humano

“Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? 
Com razão alguém disse: “onde estiver teu tesouro, estará também teu coração”. Nosso tesouro está onde estão as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito – levar algo “para casa”. 
Quanto ao mais da vida, as chamadas “vivências”, qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre “ausentes”: nelas não temos nosso coração – para elas não temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta “o que foi que soou?”, também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos inteiramente, “o que foi que vivemos?”, e também “quem somos realmente?”, e em seguida contamos, depois, como disse, as doze vibrantes batidas de nossa vivência, da nossa vida, nosso ser – ah! e contamos errado… 
Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal entender, a nós se aplicará para sempre a frase: “Cada qual é o mais distante de si mesmo” – para nós mesmos somos “homens do desconhecimento”…

(NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.7)

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