sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito

 Interessante análise de Cassiano Zeferino de Carvalho Neto e Maria Taís de Melo a respeito do papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito. Leitura complementar para quem está estudando Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente:

 


Os modelos da psicologia cognitiva que abordam o conhecimento humano, como um sistema de processamento de informações, incluem um processador central que é capaz de planejar, inicialmente, o desenvolvimento da atividade intelectual e controlar, posteriormente, sua execução. O comportamento inteligente caracterizar-se-ia pela habilidade de organizar, inicialmente, o plano de ação e colocá-lo em prática de forma progressivamente mais automática e flexível.

Os progressos na aprendizagem caracterizam-se, dentro desta ótica, por avançar, a partir da utilização de regras e estratégias em experiências bastante concretas e específicas, chegando à elaboração de regras mais gerais, que possam ser aplicadas a uma série de situações.

Os processos de aprendizagem permitem passar do emprego de esquemas ligados a contextos muito específicos, à sua utilização em situações mais gerais. Ou seja, podemos dizer que a aprendizagem significativa só acontece quando o sujeito entra em contato com o objeto de conhecimento, se apropria dele e faz uso do mesmo no seu contexto.

Nesse sentido, podemos exemplificar: ao se colocar, por exemplo, simbolicamente um vidro transparente e límpido entre o sujeito e o objeto de conhecimento, o sujeito continuará visualizando este objeto. Entretanto, não conseguirá apropriar-se do mesmo (trazer para si). Este vidro representa, simbolicamente, um obstáculo para a aprendizagem, o qual é classificado de diversas formas: transtornos de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem ou dificuldades de aprendizagem. Estes obstáculos podem ser de fácil, média ou difícil remoção. Entretanto, todo este processo deverá ser mediado. Dependendo do grau de dificuldade de remoção destes obstáculos, diferentes estratégias devem ser utilizadas, partindo-se sempre de um diagnóstico do contexto onde esse sujeito está inserido.


É comum atribuirmos ao sujeito a responsabilidade pela presença dos transtornos de aprendizagem e acabamos por negligenciar o papel do outro e do contexto neste processo. Muitas vezes quem colocou este vidro, foi o próprio meio, ou o método pedagógico escolhido.

Para pesquisar o processo de aprendizagem significativa, de modo integral, é preciso empenharmo-nos na conquista do estado de expansão da consciência (que, aliás, somos nós mesmos), através da ampliação do nosso olhar.

Diante desta ótica, temos que considerar que o homem é um ser que se realiza na relação com o contexto social, pois ao mesmo tempo em que altera seu meio, modifica-se a si mesmo. O homem é fruto de um processo histórico. Ele é produto do contexto em que está inserido, se apropriando das objetivações resultantes das atividades de outros homens, de gerações passadas, e, ao mesmo tempo, produzindo histórias, criando novas objetivações.
Neste contexto, a apropriação da significação social de uma objetivação é um processo de inserção na continuidade da história das gerações. E, o estudo do contexto cultural, é fundamental, pois, as mensagens que veiculam na cultura podem vir a ser partes constituintes deste sujeito. 

O conceito de cultura na literatura antropológica tem sido usado de diferentes maneiras e está ligado a diferentes pressupostos e métodos. John B. Thompson (1988), distingue dois usos básicos da palavra cultura, aos quais ele define de “concepção descritiva” e “concepção simbólica”.

Na concepção descritiva a cultura é vista como o conjunto inter-relacionado de crenças, costumes, formas de conhecimentos, arte, etc., que são adquiridos pelos sujeitos enquanto membros de uma sociedade particular e que podem ser estudadas cientificamente. Essas crenças e costumes formam um “todo complexo” que é característico de uma determinada sociedade, diferenciando esta sociedade de outros lugares e épocas.

Na concepção simbólica o caráter simbólico da vida humana tem sido um tema constante de reflexão entre os filósofos, e entre os envolvidos no desenvolvimento das ciências sociais e humanas. Esta concepção, segundo Thompson (1995), foi esboçada na década de 1940 por L. A. White na obra: A Ciência e a Cultura, começando pela premissa de que o uso de símbolos é o traço distintivo do ser humano; White argumentou que a cultura é o nome de uma ordem ou classe distinta de fenômenos que dependem do exercício de uma habilidade mental, peculiar à espécie humana, que se denomina de simbolização. 

Thompson defende a necessidade do desenvolvimento de uma concepção diferenciada de cultura que dê ênfase à constituição significativa e à contextualização social das formas simbólicas. Para entender a constituição significativa das formas simbólicas, o autor ressalta que se deve examinar seus aspectos intencional, convencional, estrutural e referencial. 

A contextualização social de tais formas requer que se preste atenção a certos aspectos sociais dos contextos (aspectos espaço-temporais, a distribuição de recursos dentro de campos de interação, etc.), bem como a certos processos de valorização e ao que o autor denomina de “modalidades de transmissão cultural”.

Concluindo, as formas simbólicas são produtos de interação histórica do homem no mundo. Ou seja, os processos simbólicos se modificam de acordo com os contextos: político, social , econômico, etc., onde os sujeitos estão inseridos. O posicionamento do sujeito nestes contextos sociais é que irá determinar as formas valorativas das expressões culturais. 

Em cada meio social, as palavras e os gestos dos sujeitos são dotados de significados simbólicos. Desta forma se estabelece uma relação dinâmica entre o sujeito e a cultura.

Os fenômenos sociais são complexos e dinâmicos e a compreensão dos mesmos sempre é parcial, depende do ângulo de apreciação do observador e o mesmo não é um sujeito estático, pois ele também está inserido na dinâmica social deste contexto. Em outras palavras, a compreensão que se tem dos fenômenos sociais sempre é relativa. Este é um ponto fundamental que deve ser considerado quando se decide pela atividade didática nas ciências sociais e humanas. Segundo Morin (1998, p.31) para se produzir conhecimento no campo das ciências sociais é necessário “[...] um pensamento capaz de enfrentar a complexidade do real, permitindo ao mesmo tempo à ciência refletir sobre ela mesma”. 

Neste caminho, que busca desvendar significados, o diálogo tem um papel fundamental. Para Bakhtin (1990, p.123), o diálogo é entendido no sentido mais amplo do termo “[...] não apenas a comunicação em voz alta de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal de qualquer tipo, que seja”. 

Dois enunciados distantes um do outro no tempo e no espaço, quando confrontados em relação ao seu sentido, podem revelar relações dialógicas.

Bakhtin (1990) afirma que o domínio do signo coincide com o domínio da ideologia, que estes são mutuamente correspondentes e que tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo fora de si mesmo, pois tudo o que é ideológico é um signo. É importante ressaltar que um signo (ou representamen) é aquilo que, sob certo aspecto, representa alguma coisa para alguém. Ou seja, “[..] qualquer coisa que se produz na consciência tem o caráter de signo.”(SANTAELLA apud DUARTE.1992). Já o símbolo é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de uma associação de idéias produzida por uma convenção. Ex: a palavra cor verde como símbolo de esperança.

Pierce apresenta o símbolo como um representamen cuja significância em especial reside no fato de existir um hábito, disposição ou qualquer outra norma a fazer com que este signo seja sempre interpretado como símbolo. (apud DUARTE.1992, p. 60). Em outras palavras ainda, nada seria responsável pelo fato de um signo ser um símbolo a não ser a disposição das pessoas de interpretá-lo como tal. 

Dentro desta exposição, cabe ainda clarear os conceitos de ícone e de índice. Ícone é um signo que tem alguma semelhança com o objeto representado (analogia). Ex. escultura, fotografia, diagrama, esquema. Índice é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser diretamente afetado por este objeto. Ex. fumaça, campo molhado (choveu), seta indicando caminho a seguir, pronome demonstrativo, impressão digital.

Este encontro entre signo e ideologia permite dizer que “[...] tudo que é ideológico possui um valor semiótico” (BAKHTIN, 1990, p.32). Neste percurso podemos afirmar que tudo que é semiótico aparece, surge, nas interações verbais e nas interações sociais, através do diálogo.
Diante destas reflexões entendemos que na produção de conhecimento na área da educação, em particular, há necessidade de se seguir um referencial que contemple o contexto histórico-cultural, pois os sujeitos se constituem nas e pelas relações sociais, através da apropriação das significações de suas ações e inter-relações nos contextos onde estão inseridos. Estes conteúdos apropriados são resultantes de um processo de produção cultural.

Neste processo a linguagem tem um papel fundamental como instrumento de comunicação e transmissão de significações.

Para Bakhtin (1990, p.66) “a palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva das relações sociais. Ë assim que o psiquismo e a ideologia se impregnam mutuamente no processo único e objetivo das relações sociais”.

Para o autor a língua é inseparável do fluxo de comunicação verbal e, portanto, não é transmitida como um produto acabado, mas como algo que se constitui continuamente na corrente da comunicação verbal. Os sujeitos não recebem a língua pronta para ser usada; “[...] eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar [...] os sujeitos não adquirem a língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o despertar da consciência”.(BAKTHIN, 1990, p.108).

A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. A língua nunca está completa, ela é uma tarefa, um projeto sempre caminhando e sempre inacabado.

Para o autor, a língua e a palavra são quase tudo na vida humana e, portanto, uma realidade abrangente e com tantas facetas não pode ser compreendida unicamente por meio da metodologia da lingüística tradicional, pois, embora as relações lógicas na língua sejam evidentes e necessárias, elas não esgotam toda a complexidade presente nas relações dialógicas. Quanto a este aspecto, Bakhtin chama a atenção para a variabilidade de sentidos de uma mesma palavra. Ou seja, uma palavra pode ter sentidos diferentes para diferentes sujeitos de acordo com o contexto em que ela ocorre. Essa dimensão está ao mesmo tempo oculta e evidente no jogo do diálogo, já que o discurso verbal é diretamente ligado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem perder sua significação.

Cada ato da fala não é só o produto do que é dado, sempre cria algo que nunca existiu antes, algo absolutamente novo e não repetitivo que se revela na entoação. Ao se destacar as conversas cotidianas que ocorrem entre as crianças, é possível compreender como a entoação é especialmente sensível a todas as vibrações sociais e afetivas que envolvem o falante e, principalmente, observar como ela atua constituindo e se integrando ao enunciado como parte essencial da estrutura de sua significação.

Para Bakhtin (1990), a fala, as condições de comunicação e as estruturas sociais estão indissoluvelmente ligadas. Tanto o conteúdo a exprimir quanto sua objetivação externa são criados a partir de um único e mesmo material - a expressão semiótica. Não existe, portanto, atividade mental sem expressão semiótica. Isso significa admitir que o centro organizador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na própria interação verbal. O mundo interior se adapta às possibilidades de expressão, aos novos caminhos e às orientações possíveis.

Cada época e cada grupo social têm seu próprio repertório de formas de discurso que funciona como um espelho que reflete o cotidiano. A palavra é a revelação de um espaço no qual os valores fundamentais de uma dada sociedade se exprimem e se confrontam.

A grande contribuição de Bakthin para a discussão de como desencadear um processo de aprendizagem significativa está no fato deste autor chamar a atenção para a importância da linguagem na constituição social do sujeito. Pois, para ele, o conhecimento é socialmente construído, com a mediação de outros sujeitos, através de diferentes formas de interação verbal.

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Entendemos por comunicação verbal todas as formas de expressão que desencadeiam processos de comunicação entre os sujeitos, não se reduzindo, unicamente, à comunicação oral. A comunicação verbal expressa a ação da comunicação em si, em toda sua complexidade.


FONTE:
http://www.direcionaleducador.com.br/capitulo-5-por-uma-pedagogia-vivencial/o-papel-da-cultura-e-da-linguagem-na-constituicao-do-sujeito
 O papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito

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