Por esses dias li um
artigo jornalístico com o título: “efeitos da meditação estão cientificamente
comprovados”. Noutra ocasião vi outro dizendo: “Cientistas comprovam a reencarnação humana”...
Outros ainda debatem se a homeopatia, se a psicanálise, se a parapsicologia e
tantos outros saberes são ciências ou não... Até se discute a “comprovação
científica do criacionismo” e muitos embarcam na polêmica de colocar a ciência
contra a religião...
Mas o que é
ciência? Segundo o renomado cientista Newton Freire-Maia, nem os próprios
cientistas tem um consenso. Sabem sim que a ciência stricto sensu compreende, grosso modo, “um conjunto de definições, interpretações, teorias, modelos, entre
outros, adquiridos por meio de uma metodologia específica (denominada
‘científica’), e visando ao conhecimento de uma parcela da realidade”.
Assim, se não usar essa metodologia, não é ciência, e ponto.
Bom, então
quem define qual é o “método científico”? Resposta: os cientistas. E quem
decide o que é e o que não é ciência? R: O consenso da opinião dos cientistas.
Quando uma boa parcela dos cientistas resolve que algo já é ciência, então é.
Muitos sentem
pesar ou se ofendem quando alguém lhes afirma: isso ou aquilo não é ‘comprovado
cientificamente’. Ocorre que muitas coisas relevantes e valiosas não são
ciência. Religiões não são ciência, obviamente. A parapsicologia e a ufologia
tampouco. A literatura não é ciência, a música não é ciência (as artes em geral
não são), nem a filosofia é ciência... Você já parou prá pensar em quantas
coisas maravilhosas não são ciência? E que bom que não são! Nem por isso,
estamos perdendo algo por tudo isso não ser ciência.
Outro equívoco
é pensar que ciência seja sinônimo de verdade. A história da ciência já nos
ensinou que a ciência não encontrará a verdade ‘nua e crua’. Outro grande
cientista e filósofo do século XX, K. Pooper, esclarece que a ciência é a
procura da verossimilhança (daquilo que parece ser verdade). A ciência lida
basicamente com conceitos probabilísticos de verdade. Mesmo as teorias -meninas
dos olhos da ciência- não são descrições objetivas da realidade.
Teorias,
portanto, podem ser apoiadas em fatos -e assim serem boas teorias- mas é só.
Teorias vão, com o tempo e com o surgir de novos aportes tecnológicos, sendo
substituídas por outras descrições ou modelos explicativos da realidade
mensurável.
Mas ao menos
podemos dizer que há somente fatores científicos na ciência, não é? Também não.
Fatores culturais não científicos como o religioso, o econômico, o político, a
nacionalidade e a autoridade, influenciam no desenvolvimento e na aceitação de
teorias científicas. Enfim, a ciência não é neutra.
Por isso, não
esperemos por provas científicas da existência de Deus, de Jesus, do
criacionismo, do êxtase dos santos ou comprovações do samadhi da meditação
oriental. Não é para isso que existe a ciência.
Já vai ficando
claro que ela está colocada num plano epistemológico distinto da religião, não?
Seu objeto de
estudo é específico, qual seja, o fenômeno mensurável. Distintamente, a
religião possui outra metodologia, outros axiomas e propósitos, tendo como
objeto de contemplação e apreciação, o imensurável, o não verificável em laboratório...
Por que então
alimentar um falso dilema? São saberes distintos, cada qual com sua finalidade
própria. Então, vamos combinar: podemos ser religiosos e cientistas ao mesmo
tempo, mas não cair na tentação de misturar uma epistemologia com a outra,
certo?
Ninguém se
torna mais crente ou menos ateu porque a ciência corroborou crenças desta ou
daquela religião. Ninguém é mais ou menos ético porque a ciência assim o
comprovou e assegurou. O ser humano é complexo: muitas culturas, muitos
saberes, necessidades de distintas ordens (físicas, psíquicas e espirituais).
Nossa fé e nossa razão devem caminhar juntas, sem que uma precise atropelar a
outra.
Silvio
Motta Maximino – palestrante e professor de filosofia e antropologia
publicado
no Jornal da Cidade - pág. 02 no dia 22/10/2016