Papai Noel existe! Mas, a que preço?
Muitos
defendem que a crença no Papai Noel, como em tantos outros contos de fadas, auxilia
no desenvolvimento mental das crianças. Dizem que a descoberta da verdade sobre
“um velhinho gordo que espia as crianças e vai a suas casas no Natal para
entregar presentes se tiverem se comportado bem” estimula o processo de
amadurecimento da sua personalidade. Bom, nem todos concordam com tal tese: como,
afinal, a “maior mentira coletiva do planeta” poderia ser positiva se ela corrói a confiança entre as crianças e seus
pais?
Por um lado, a criança muito cedo entende que os presentes funcionam como
um tipo de suborno para que se comportem bem. Por outro, se seus pais (em quem
confiam) lhes mentem descaradamente –ainda que com boas intenções - por tantos
anos sobre algo tão relevante (para a criança), por que eles, seus filhos,
devem confiar nos pais quando estes lhes aconselharem, por exemplo, sobre entorpecentes,
ou sobre bebidas alcoólicas ou sobre sexo? O que mais é mentira? Se lhes
mentiram sobre o Natal, por que deveriam confiar nos demais ensinamentos sobre qualquer
outro tema relevante? Além disso, “filhos não devem mentir para seus pais”. Se mentirem,
serão castigados ou no mínimo, censurados. Mas, cá entre nós: e quando os pais mentem
para seus filhos? Ficarão impunes? Sabe de nada, inocente...
É
verdade que há estudos nas áreas da Psicologia e da Sociologia avaliando
efeitos das violências física e psicológica na mente das crianças. Então surgem
algumas preocupações: pode-se considerar a encenação natalina como um tipo de
violência simbólica contra a frágil personalidade infantil? Ou na verdade seria
uma forma legítima de preparar nossos filhos para enfrentarem com mais
maturidade e resiliência, a falsidade, a insinceridade e a desonestidade que
eles encontrarão futuramente? Filosoficamente, porém, temos a questão ética:
Uma mentira se torna mais admissível ou menos imoral por ter se tornado
culturalmente aceita por uma coletividade (adultos), em detrimento de outro
grupo (as crianças)?
Sim,
é claro! Ninguém aqui se tornou alcoólatra ou delinquente por causa da
conspiração mercadológica do Papai Noel. E, convenhamos! Comparado a nossos legisladores
e gestores públicos, vê-se fácil, fácil, que o velho Noel é o menor de nossos
problemas.
É verdade que os contos, os filmes, as músicas, os banquetes e
enfeites natalinos têm sua aura romântica, além do característico apelo
emocional. Mas, antropologicamente, o que “alhos têm a ver com bugalhos”? ou
seja: o que a lenda de Noel tem a ver com a celebração cristã da epifania do
Deus hebraico-judaico-cristão? Absolutamente nada. Mas, um profissional da
Propaganda bem treinado sempre evocará referências sobre uma suposta origem
cristã de Noel, quando a rigor, sabemos das suas origens pagãs nórdicas.
Por
fim, quando o argumento historiográfico for ralo abaixo, apelará para a
semiótica, dizendo que Noel representa a fraternidade, a solidariedade, a
caridade cristã e... presentes, é claro!! Agora é a vez dos adultos engolirem a
isca. E, às compras!!!
texto publicado no Jornal da Cidade em 25 de dezembro de 2016, pág. 26
http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=246339