O xadrez é um jogo antiquíssimo,
todos sabem. Diz uma das
lendas que foi inventado há milênios na Índia, na época de um tal rei Cheram... quem sabe?
Um de seus aspectos mais fascinantes está na grande quantidade de símbolos
e metáforas que podemos extrair, a partir de uma dada visão de mundo e de uma reflexão.
O que podem simbolizar as peças ou o próprio jogo de xadrez em si mesmo?
Xadrez: a profunda eloquência de um jogo
Uma das metáforas mais conhecidas é a famosa analogia com o 'Jogo da Vida': a vida seria aquilo que acontece no "tabuleiro", sendo cada
uma de nossas atitudes, uma "jogada", um "lance". Assim, nossas jogadas inteligentes e
oportunas, tem como resultado o sucesso, a saúde e a felicidade. Se as jogadas forem mal pensadas ou inoportunas, o resultado será o
fracasso, a enfermidade e o sofrimento.
Mas, o que garante a vitória no jogo da vida? Basta conhecer as "regras do jogo"?
"Sabemos" o que devemos ou podemos fazer... até decoramos as regras, estudamos manuais, anotamos e colecionamos conselhos, lemos livros, não poucos... pronto! agora estamos prontos prá começar! Certo?
Parece que não. No xadrez ocorre o mesmo: estudamos, ensaiamos na cabeça, imaginando possíveis melhores lances, tentando antever movimentos dos demais jogadores...
Mas na hora do jogo de verdade, na vida prática do dia a dia, conforme peças brancas e negras se movem, vamos nos perdendo e nos confundindo, esquecendo tantos conselhos e, mesmo sabendo as regras, lá estamos ansiosos, tensos, agitados...
É possível reorganizar as posições de suas peças, reforçar defesas, repensar ataques, revisar estratégias etc...
mas qual é mesmo o objetivo do jogo?
Você já pensou a respeito?
No xadrez é fácil saber... mas qual o objetivo de sua vida?
Qual o sentido de viver? Por que é mesmo que estamos "jogando" o jogo da vida?
Seria o objetivo principal do jogo, simplesmente acumular/capturar o maior número de peças que aparecerem pelo caminho?
Parece que não... "acumular" nem sempre é uma boa jogada... há muita ilusão de ótica, armadilhas. Jogadores medianos já sabem que quase nunca isso funciona bem. Não basta acumular peças para vencer o jogo. Aquilo que parece um ganho fácil, pode mostrar-se a causa da derrota, mais rápido do que se supunha.
Então, o jogador maduro geralmente é mais prudente e sábio... não está primariamente ocupado em ganhos imediatos... ele sabe que o principal não é 'acumular', pois cada movimento tem seu preço, sua consequência. Principalmente, ele não desperdiça movimentos!
O iniciante tende a pensar que suas peças sempre estão ali para lhe ajudar e, por outro lado, que as peças da cor oposta estão ali para lhe atrapalhar. Mas o jogador sábio sabe que tudo é relativo. Uma peça, independente da sua cor, pode tanto ajudar como atrapalhar... peças que pensávamos nos travar o avanço, algumas vezes se revelam excelentes escudos contra problemas maiores.
Então, o sábio não pensa em termos simplistas e meramente dualistas: "peças boas" e "peças más"... Na verdade, lances muito bons em certo contexto, podem ser desastrosos em outros, e vice-versa.
No xadrez, como na vida, bem e mal, bom e ruim, não são absolutos. Não é bom prejulgar nenhuma peça ou situação de jogo...
Tudo pode mudar, e tudo muda, rápido ou não. No jogo, como na vida, nenhuma condição é permanente. Ora você trabalha, ora colhe frutos, ora frutos doces, ora amargos... isso não tem fim!
No jogo de xadrez, como no jogo na vida, demorar demais para aprender o básico, trará sofrimento extra e talvez desnecessário. Há regras e são suas aliadas, quando você as compreende e as respeita na medida certa, mas se tornam suas inimigas, quando são ignoradas, subestimadas ou superestimadas. Todo extremo é problemático. Só o equilíbrio é saudável.
Mas o verdadeiro sábio não é aquele que só vê a vitória como opção. No jogo, como na vida, o importante é desfrutar da partida! Viver (ou jogar) como se estivesse numa luta trágica para "vencer a morte, custe o que custar" não lhe trará conforto nem felicidade alguma! Ao contrário! Tal jogador será consumido pela ansiedade, pela irritação e pelo desapontamento, até resultar enfermo, do corpo e da mente! A morte ou o fracasso vai chegar, mais cedo ou mais tarde... e para todos. Mesmo para os "vencedores".
Sobretudo, o sábio se lembra que, no final de tudo, terminada a partida, "todas as peças voltam para a sua caixa".
E tudo aquilo que se acumulou, todas as peças e posições conquistadas... tudo, tudo, volta a zero... o jogo terminou e o tabuleiro é guardado. Fim de jogo!
Então, não faça drama! Prá quê? Não converta um erro seu ou do seu oponente, em motivo de vanglória ou de vergonha ... Estamos todos jogando e aprendendo. Então desfrute!
...Mas sempre ciente de que tudo irá se desvanecer, mais lenta ou rapidamente do que você esperava! Não tente "congelar" o jogo, paralisar a posição das peças! O jogo é, por natureza, dinâmico, repleto de movimento e fluidez... só o sofrimento aguarda aos que ignoram essa tão simples e notória verdade da vida, essa verdade do jogo.
Não perca o prazer do jogo! não perca o prazer da vida, por causa de eventuais erros e acertos!
Mas há, por fim, uma metáfora ainda muito mais profunda, mais esotérica e mais desafiadora para refletirmos com imparcialidade e sem paixão:
No "tabuleiro do jogo da vida", finalmente nos damos conta de que nós somos as peças... não somos o "brilhante jogador", nem o "dono do tabuleiro"!
O que se constata durante o jogo? O "jogador", o "dono do tabuleiro e das peças", joga como quer... ele não precisa consultar "suas peças" sobre suas escolhas de movimento... mas não se ofenda, ok?! não leve para o lado pessoal... não há nada "pessoal" no modo como o jogador lida com as peças no tabuleiro.
Veja e entenda: Nenhuma peça, seja o "rei", seja o "peão", compreende a "mente" ou a estratégia do jogador, nem tampouco tem qualquer visão ampla do cenário total do tabuleiro... ela (cada peça) ignora profundamente, não faz a mais vaga ideia do que aconteceu antes do jogo começar, do que está acontecendo durante o jogo ou do que vai acontecer depois que a partida terminar...As peças (que somos cada um de nós), definitivamente, não compreendem a inteligência dos movimentos que vislumbra sempre e tão somente a partir de seu limitado ponto de vista...
Por que fingir que sabemos alguma coisa sobre alguma coisa da vida?
Decididamente, num jogo de xadrez, não são as peças que decidem seu próprio destino! Isso não impede que, em uma fábula imaginada por algum bom escritor, algumas peças se achem "donas de si mesmas", pensando que controlam os acontecimentos a sua volta, imaginando que decidem quando vão se mover para lá ou para cá, ou quando vão sair do tabuleiro... quanta ilusão!
A verdade é que não decidimos nada!
Nossas escolhas não são "nossas" escolhas. Temos, isso sim, a impressão de que decidimos e escolhemos. O nosso pensamento, dentro de um paradigma, nos convence disso! E nós acreditamos.
Veja só: Surgimos neste mundo e, tal logo nascemos, somos programados pelo próprio DNA, desde a ponta do pé até o último fio de cabelo... e se já isso não bastasse, temos ainda os condicionamentos promovidos pelo meio que nos cerca (ambiente geográfico, cultura, época, contexto social...).
Então, se a vida e o corpo que temos é resultado de uma programação e de um condicionamento que nos foi dado seja pela natureza, seja pela cultura, então de qual liberdade de escolha estamos falando?
Então "não devo mais fazer escolhas"? Claro que pode!
Escolha! Mas escolha consciente... escolha consciente de qual é o seu papel no "jogo da vida". Não escolha iludido, sobre qualquer controle que você suponha ter sobre os outros, sobre o destino do mundo. Não se iluda e não sofra desnecessariamente.
Perceber essa questão pode lhe parecer muito limitador e frustrante no início, mas espere um pouco e reflita melhor:
No início, achamos que sabemos tantas coisas...
Depois, notamos que não é o caso: de quê nos adianta tantos saberes na cabeça, tanta "riqueza espiritual", se não
sabemos quem somos ou de onde viemos objetivamente?
Objetivamente, nada sabemos sobre a "caixa das peças" de onde saímos, ou
sobre "quem" ou sobre porquê fomos moldados como "peões", ou como "torres", ou "cavalos"
ou "bispos"... nossa origem, tal como o destino, é completo mistério... Só o que temos, convenhamos, são punhados de teorias aqui e crenças acolá, especulações contraditórias sem fim...
Note
bem: mesmo com tanta ciência e tecnologia, nada sabemos sobre os movimentos da vida... e quase nada sobre tudo
que acontece ao nosso redor agora mesmo... nossos sentidos, limitados, pouco nos
dizem sobre o que nos cerca verdadeiramente, ou sobre tudo que está
acontecendo neste exato momento, aqui e agora...
Menos ainda sabemos sobre o que aconteceu
remotamente ou sobre o que acontecerá daqui a três horas ou três dias...
Enfim, sobre a origem de pensamentos ou dos mundos... só sonhamos que sabemos... o fato é qualquer micróbio ou fenômeno atmosférico tem mais poder sobre nós e sobre o destino do planeta do que todas as nossas ciências atuando juntas.
Que surpresa quando nos deparamos com essa realidade! Que benção percebê-la! que libertação!
Quando descobrimos que não controlamos a vida (ou a morte), que não controlamos os outros, que não controlamos nossos próprios pensamentos ou emoções (frutos de cérebros complexos e, por vezes, confusos)... quando nos damos conta disso tudo, finalmente podemos relaxar e viver, deixando toda a ansiedade e temor de lado!
A partir de então, começamos a nos aperceber daquilo que é a realidade que permeia tudo, o imutável por trás de todas as mutações... por trás do destino e dos cenários de todas as coisas aparentes...
A partir dessa compreensão, nenhum "peão" ou "cavalo" precisa mais provar nada para ninguém, não precisa mais se debater para tornar-se o que não é, mas finalmente pode se concentrar em ser aquilo que em essência já é... ninguém mais precisa se comparar ou competir alucinadamente, achando que está "fazendo" isto ou aquilo...podemos todos, peões, cavalos, bispos, torres, damas e reis... finalmente aquietar e descansar naquilo que somos verdadeiramente!
Não é mais necessário sofrer e se debater inutilmente ante o inevitável! Você descansa, e respira e simplesmente desfruta.
Compreenda o que é "ser uma peça", peão ou torre, rei ou dama...
Qual peça realmente vale mais ou vale menos?
Qual peça se aborrece mais ou menos durante sua existência?
Qual peça é mais afortunada, mais rica ou mais sábia?
Dê-se conta do sonho, e do sonhador!!
Observe o pensamento... e o pensador do pensamento. Veja como vem e vai... como surge e desaparece...
Dê-se conta como, assim que o sonhador acorda de manhã em sua cama, "o jogo acaba"... o sonho se desvanece e, só mais um pouco, sequer como lembrança ele resta... desaparece o sonho, assim que desaparece o sonhador... desaparece o sonhador assim que ele acorda, simples assim. E com o sonho, assim também se vão o sonhador com suas posses imaginadas, seus cargos e encargos, suas alegrias e suas aflições oníricas... todas.
Tudo real sim, para o sonhador, e para ninguém mais... tudo real para os sonhadores que compartilham o mesmo sonho ou pesadelo.
Nossos títulos, nossas posses, nosso nome, nossos saberes, nossa identidade, nosso ego tão orgulhoso ou tão vergonhoso de si mesmo (tanto faz) e até nosso corpo com sua história: nada além de formas mentais que surgem e desvanecem como nuvens do céu. Nada mais, nada menos!
Só o que resta no fim das contas, é o que sempre esteve aí: Aquele que é, que sempre foi e sempre será!