sexta-feira, 25 de outubro de 2013

TEXTOS PARA ANÁLISE SEMIÓTICA



Análise Semiótica: alguns exemplos*


Texto I - O galo que logrou a raposa


            Um velho galo matreiro, percebendo a aproximação da raposa, empoleirou-se numa árvore. A raposa, desapontada, pensou consigo: “Deixe estar, seu malandro, que já te curo!”. E em voz alta:
            - Amigo, venho contar uma grande novidade: acabou-se a guerra entre os animais. Lobo, cordeiro, gavião e pinto, onça e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos beijos, como namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu abraço de paz e amor.
            - Muito bem! - exclama o galo. Não imagina como tal notícia me alegra! Que beleza vai ficar o mundo, limpo de guerras, crueldades e traições! Vou já descer para abraçar a amiga raposa, mas... como já vêm vindo três cachorros, acho bom esperá-los, para que também eles tomem parte na confraternização.
            Ao ouvir falar em cachorro, Dona Raposa não quis saber de papo, e tratou de cair fora, dizendo:
            - Infelizmente, amigo Có-ri-có-có, tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa, sim? Até logo.
            E raspou-se.   
Contra esperteza, esperteza e meia.

(Lobato, Monteiro. Fábulas. 19 ed. São Paulo: Brasiliense. s.d. p. 47)


Análise do texto

Segundo Greimas, um texto admite três planos ou níveis distintos na sua leitura:

1º nível: estrutura discursiva

o nível da estrutura superficial,  dos significados mais concretos e diversificados: é o nível onde aparecem o narrador, os personagens, os cenários, o tempo e as ações concretas:

    - o galo, sabendo que a raposa é inimiga, trata de proteger-se ao vê-la aproximar-se;

    - a raposa tenta convencer o galo de que não há mais guerra entre os animais tradicionalmente inimigos e que a paz reina entre eles;

   - o galo finge acreditar, mostra-se feliz com a novidade e convida a raposa para esperar três cães que se aproximam, para que eles participem da confraternização

    - a raposa, mais do que depressa, trata de ir embora.

2o nível: estrutura narrativa 

nível mais abstrato: a relação entre o sujeito (S) e o objeto (O) - onde se definem os valores com que os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo.
 Nesse nível uma estrutura narrativa pode constituir-se em
1) enunciados de estado: No qual se estabelece uma relação de posse ou de privação entre um sujeito e um objeto qualquer – o sujeito em conjunção ou em disjunção como um objeto de valor
2) enunciados de ação: aqueles que, em razão da participação de um agente qualquer, indicam a passagem de um enunciado de estado para outro.
Nos enunciados de ação a narrativa é construída a partir da articulação de quatro fases:
. MANIPULAÇÃO: um personagem induz outro a fazer alguma coisa pela (1) tentação (Se você comer tudo te levo ao cinema); (2) intimidação (Coma tudo, senão você apanha); (3) provocação (Duvido que você seja capaz de comer todo esse quiabo. Só as pessoas bem sucedidas usam sabonete Cheira Bem);  (4) sedução (Você, um menino tão bonito, vai comer tudo, não vai?.  Toda mulher moderna usa...):
            . COMPETÊNCIA: o sujeito do fazer adquire um saber e um poder fazer
            . PERFORMANCE: o sujeito do fazer executa sua ação
            . SANÇÃO: o sujeito do fazer recebe castigo ou recompensa
Como ocorre no texto acima: o galo tenta manipular a raposa pela sedução, mas o galo não acredita e não faz o que a raposa quer e por isso sua sanção é positiva: ele não perde a vida.
           

 3o nível: estrutura profunda ou fundamental

nível mais abstrato e mais simples. Nesse nível ocorrem os significados mais abstratos e mais simples. É nesse nível que se podem postular dois significados abstratos que se opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro: guerra x paz

No texto o significado do texto, no nível fundamental ou profundo, se constrói em três etapas:

a) Primeiro temos a afirmação do conflito (da guerra):  “os animais viviam em guerra”

b) Em seguida temos a negação do conflito  - “agora os animais não estão mais em guerra”

c) Finalmente temos a afirmação da paz: “os animais vivem aos beijos e abraços, como namorados”.




Texto 2  - História de uma gata



            Me alimentaram                                                        Senhor, senhora, senhorio.
            me acariciaram                                                         Felino, não reconhecerás
            me aliciaram                                                             De manhã eu voltei pra casa
            me acostumaram.                                                     fui barrada na portaria,
            O meu mundo era o apartamento.                           sem filé e sem almofada
            Detefon, almofada e trato                                         por causa da cantoria.
            todo dia filé-mignon                                                   Mas agora o meu dia-a-dia
            ou mesmo um bom filé... de gato                             é no meio da gataria
            me diziam, todo momento:                                       pela rua virando lata
            Fique em casa, não tome vento.                              eu sou mais eu, mais gata
Mas é duro ficar na sua                                           numa louca serenata
            quando à luz da lua                                                   que de noite sai cantando assim:
            tantos gatos pela rua                                                 Nós, gatos, já nascemos pobres
            toda a noite vão cantando assim:                             porém, já nascemos livres.
            Nós, gatos, já nascemos pobres                              Senhor, senhora ou senhorio.
            porém, já nascemos livres.                                       Felino, não reconhecerás.
                                                                     (L.Henriquez, S. Bardotti e Ch. Buarque, 1980, p. 40)

Análise dos Níveis de Leitura:

            Nível Discursivo: os recursos discursivos do texto para fabricar a ilusão de verdade: projeta-se um narrador eu e obtém-se um efeito de verdade
            Neste nível, as oposições fundamentais, assumidas como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas e, em muitos textos, concretizam-se por meio de figuras. No texto, em exame, desenrolam-se várias leituras temáticas, como por exemplo:
a) tema da dominação e exploração do animal doméstico pelo homem;
b) tema da exploração da mulher comprada para o prazer;
c) tema da passagem da adolescência à idade adulta ou da opressão da família sobre a criança e o jovem (“Fique em casa, não tome vento”)
                        d) tema sócio-econômico da marginalização da boemia

            Nível das estruturas narrativas: os elementos das oposições semânticas fundamentais (acima) são assumidos como valores por um sujeito. História de uma gata é a história de um sujeito (gata) manipulado por outro sujeito (dono) por tentação - boa casa, proteção, carinho, comida - para que “fique em casa”, “não se misture com os gatos de rua”, “seja fiel”. O sujeito gata quer cumprir o acordo, para receber os valores que o tentam. É reconhecido como “bom gato’ e recompensado com “filé-mignon, detefon e bons tratos”. Surgem, porém, os gatos de rua, com outros valores, os da liberdade (sem filé e sem almofada), que também tentam o sujeito gata e fazem que ele vá à rua. A gata esforça-se para esconder o rompimento do primeiro contrato (sai à noite) e volta para casa; ela procura não parecer uma “gata de rua”, ainda que o fosse, tenta parecer fiel, embora tivesse praticado a infidelidade. O segredo ou a mentira são desmascarados e ela perde o reconhecimento de “bom gato” e as recompensas. Assume, a partir daí, os valores da liberdade.

            Nível das estruturas fundamentais: No texto aparecem as categorias semânticas da liberdade X dominação (exploração, opressão). Estas categorias podem ser eufóricas (positivas), no caso a liberdade na rua, ou disfóricas (negativas), ou seja, a dominação no aconchego do lar. O texto tem um conteúdo mínimo fundamental: a negação da dominação ou da exploração, sentido como disfórica (negativa), e a afirmação da liberdade, sentida como eufórica (positiva).



Atividade prévia

Texto para Análise: 

O homem e a galinha



Era uma vez um homem que tinha uma galinha.
Era uma galinha como as outras.
Um dia a galinha botou um ovo de ouro.
O homem ficou contente. Chamou a mulher: - Olha o ovo que a galinha botou.
A mulher ficou contente: - Vamos ficar ricos!
E a mulher começou a tratar bem a galinha.
Todos os dias a mulher dava mingau para a galinha.
Dava pão-de-ló, dava até sorvete.
E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse: -Pra que este luxo com a galinha? Nunca vi galinha comer pão-de-ló...
Muito menos sorvete!
Então a mulher falou: - É, mas esta é diferente. Ela bota ovos de ouro!
O marido não quis conversa: - Acaba com isso mulher. Galinha come é farelo.
Aí a mulher disse: - E se ela não botar mais ovos de ouro?
- Bota sim! – o marido respondeu.
A mulher todos os dias dava farelo à galinha.
E a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse: - Farelo está muito caro, mulher, um dinheirão! A galinha pode muito bem comer milho.
Aí a mulher começou a dar milho pra galinha.
E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse: - Pra que este luxo de dar milho pra galinha? Ela que cate o de-comer no quintal!
- E se ela não botar mais ovos de ouro? – a mulher perguntou.
- Bota sim! – o marido falou.
E a mulher soltou a galinha no quintal.
Ela catava sozinha a comida dela.
Todos os dias a galinha botava um ovo de ouro.
Um dia a galinha encontrou o portão aberto.
Foi embora e não voltou mais.
Dizem, eu não sei, que ela agora está numa boa casa onde tratam dela a pão-de-ló.
                                              
(Ruth Rocha. Enquanto o mundo pega fogo).


QUESTÕES:

  1. Analise os níveis de leitura do texto.
  2. Que temas podem estar relacionados a este texto?
  3. Este texto pode ser considerado dialógico e polifônico? Por quê?
4. Comente o conceito de intertextualidade. Exemplifique sua resposta com o texto



* Atividades propostas pela professora Dra. Gesiane Monteiro Branco Folkis, no curso de Filosofia da Linguagem, na USC - Bauru.

2 comentários: