Análise Semiótica: alguns exemplos*
Texto I - O galo que logrou a raposa
Um velho galo
matreiro, percebendo a aproximação da raposa, empoleirou-se numa árvore. A
raposa, desapontada, pensou consigo: “Deixe estar, seu malandro, que já te
curo!”. E em voz alta:
- Amigo, venho contar uma grande
novidade: acabou-se a guerra entre os animais. Lobo, cordeiro, gavião e pinto,
onça e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos beijos, como
namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu abraço de paz e amor.
- Muito bem! - exclama o galo. Não
imagina como tal notícia me alegra! Que beleza vai ficar o mundo, limpo de
guerras, crueldades e traições! Vou já descer para abraçar a amiga raposa,
mas... como já vêm vindo três cachorros, acho bom esperá-los, para que também
eles tomem parte na confraternização.
Ao ouvir falar em cachorro, Dona
Raposa não quis saber de papo, e tratou de cair fora, dizendo:
- Infelizmente, amigo Có-ri-có-có,
tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa,
sim? Até logo.
E raspou-se.
Contra esperteza, esperteza e meia.
(Lobato,
Monteiro. Fábulas. 19 ed. São Paulo: Brasiliense. s.d. p. 47)
Análise do texto
Segundo Greimas, um texto admite três planos ou níveis distintos na sua leitura:
1º nível: estrutura discursiva
o nível da
estrutura superficial, dos significados
mais concretos e diversificados: é o nível onde aparecem o narrador, os
personagens, os cenários, o tempo e as ações concretas:
- o galo, sabendo que a raposa é
inimiga, trata de proteger-se ao vê-la aproximar-se;
- a raposa tenta convencer o galo de
que não há mais guerra entre os animais tradicionalmente inimigos e que a paz
reina entre eles;
- o galo finge acreditar, mostra-se
feliz com a novidade e convida a raposa para esperar três cães que se
aproximam, para que eles participem da confraternização
- a raposa, mais do que depressa,
trata de ir embora.
2o nível: estrutura narrativa
nível mais
abstrato: a relação entre o sujeito (S) e o objeto (O) - onde se definem os valores
com que os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo.
Nesse nível uma estrutura narrativa pode
constituir-se em
1) enunciados de
estado: No qual se estabelece uma relação de posse ou de privação entre um
sujeito e um objeto qualquer – o sujeito em conjunção ou em disjunção como um
objeto de valor
2) enunciados de
ação: aqueles que, em razão da participação de um agente qualquer, indicam
a passagem de um enunciado de estado para outro.
Nos
enunciados de ação a narrativa é construída a partir da articulação de quatro
fases:
. MANIPULAÇÃO: um
personagem induz outro a fazer alguma coisa pela (1) tentação (Se você
comer tudo te levo ao cinema); (2) intimidação (Coma tudo, senão
você apanha); (3) provocação (Duvido que você seja capaz de comer todo esse
quiabo. Só as pessoas bem sucedidas usam sabonete Cheira Bem); (4) sedução (Você, um menino tão
bonito, vai comer tudo, não vai?. Toda
mulher moderna usa...):
. COMPETÊNCIA: o sujeito do
fazer adquire um saber e um poder fazer
. PERFORMANCE: o sujeito do
fazer executa sua ação
. SANÇÃO: o sujeito do fazer
recebe castigo ou recompensa
Como ocorre no
texto acima: o galo tenta manipular a raposa pela sedução, mas o galo não
acredita e não faz o que a raposa quer e por isso sua sanção é positiva: ele
não perde a vida.
3o nível: estrutura profunda ou fundamental
nível mais abstrato
e mais simples. Nesse nível ocorrem os significados mais abstratos e mais
simples. É nesse nível que se podem
postular dois significados abstratos que se opõem entre si e garantem a unidade
do texto inteiro: guerra x paz
No texto o significado do texto, no
nível fundamental ou profundo, se constrói em três etapas:
a) Primeiro temos a
afirmação do conflito (da guerra): “os
animais viviam em guerra”
b) Em seguida temos
a negação do conflito - “agora os
animais não estão mais em guerra”
c)
Finalmente temos a afirmação da paz: “os animais vivem aos beijos e abraços,
como namorados”.
Texto 2
- História de uma gata
Me alimentaram Senhor,
senhora, senhorio.
me acariciaram Felino,
não reconhecerás
me aliciaram De manhã
eu voltei pra casa
me acostumaram. fui
barrada na portaria,
O meu mundo era o apartamento. sem filé e sem
almofada
Detefon, almofada e trato por
causa da cantoria.
todo dia filé-mignon Mas
agora o meu dia-a-dia
ou mesmo um bom filé... de gato é no meio da gataria
me diziam, todo momento: pela rua
virando lata
Fique em casa, não tome vento. eu sou mais eu,
mais gata
Mas
é duro ficar na sua numa louca serenata
quando à luz da lua que
de noite sai cantando assim:
tantos gatos pela rua Nós,
gatos, já nascemos pobres
toda a noite vão cantando assim: porém,
já nascemos livres.
Nós, gatos, já nascemos pobres Senhor,
senhora ou senhorio.
porém, já nascemos livres. Felino,
não reconhecerás.
(L.Henriquez, S. Bardotti e Ch.
Buarque, 1980, p. 40)
Análise
dos Níveis de Leitura:
Nível Discursivo: os recursos discursivos do
texto para fabricar a ilusão de verdade: projeta-se um narrador eu e
obtém-se um efeito de verdade
Neste nível, as oposições
fundamentais, assumidas como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas e, em muitos textos,
concretizam-se por meio de figuras.
No texto, em exame, desenrolam-se várias leituras temáticas, como por exemplo:
a) tema da dominação e exploração do animal doméstico
pelo homem;
b) tema da exploração da mulher comprada para o prazer;
c) tema da passagem da adolescência à idade adulta ou da
opressão da família sobre a criança e o jovem (“Fique em casa, não tome vento”)
d) tema sócio-econômico
da marginalização da boemia
Nível das estruturas narrativas: os elementos das
oposições semânticas fundamentais (acima) são assumidos como valores
por um sujeito. História de uma gata
é a história de um sujeito (gata) manipulado por outro sujeito (dono) por
tentação - boa casa, proteção, carinho, comida - para que “fique em casa”, “não
se misture com os gatos de rua”, “seja fiel”. O sujeito gata quer cumprir o
acordo, para receber os valores que o tentam. É reconhecido como “bom gato’ e
recompensado com “filé-mignon, detefon e bons tratos”. Surgem, porém, os gatos
de rua, com outros valores, os da liberdade (sem filé e sem almofada), que
também tentam o sujeito gata e fazem que ele vá à rua. A gata esforça-se para
esconder o rompimento do primeiro contrato (sai à noite) e volta para casa; ela
procura não parecer uma “gata de rua”, ainda que o fosse, tenta parecer fiel,
embora tivesse praticado a infidelidade. O segredo ou a mentira são desmascarados
e ela perde o reconhecimento de “bom gato” e as recompensas. Assume, a partir
daí, os valores da liberdade.
Nível das estruturas fundamentais: No texto aparecem as categorias semânticas da liberdade X dominação (exploração,
opressão). Estas categorias podem ser eufóricas (positivas), no caso
a liberdade na rua, ou disfóricas (negativas), ou seja, a dominação no
aconchego do lar. O texto tem um conteúdo mínimo fundamental: a negação
da dominação ou da exploração, sentido como disfórica (negativa), e a afirmação
da liberdade, sentida como eufórica (positiva).
Atividade prévia
Texto para Análise:
O homem e a galinha
Era uma vez um
homem que tinha uma galinha.
Era uma galinha
como as outras.
Um dia a galinha
botou um ovo de ouro.
O homem ficou contente.
Chamou a mulher: - Olha o ovo que a galinha botou.
A mulher ficou
contente: - Vamos ficar ricos!
E a mulher começou
a tratar bem a galinha.
Todos os dias a
mulher dava mingau para a galinha.
Dava pão-de-ló,
dava até sorvete.
E todos os dias a
galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido
disse: -Pra que este luxo com a galinha? Nunca vi galinha comer pão-de-ló...
Muito
menos sorvete!
Então a mulher
falou: - É, mas esta é diferente. Ela bota ovos de ouro!
O marido não quis
conversa: - Acaba com isso mulher. Galinha come é farelo.
Aí a mulher disse:
- E se ela não botar mais ovos de ouro?
- Bota sim! – o
marido respondeu.
A mulher todos os
dias dava farelo à galinha.
E a galinha botava
um ovo de ouro.
Vai que o marido
disse: - Farelo está muito caro, mulher, um dinheirão! A galinha pode muito bem
comer milho.
Aí a mulher começou
a dar milho pra galinha.
E todos os dias a
galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido
disse: - Pra que este luxo de dar milho pra galinha? Ela que cate o de-comer no
quintal!
- E se ela não
botar mais ovos de ouro? – a mulher perguntou.
- Bota sim! – o
marido falou.
E a mulher soltou a
galinha no quintal.
Ela catava sozinha
a comida dela.
Todos os dias a
galinha botava um ovo de ouro.
Um dia a galinha
encontrou o portão aberto.
Foi embora e não
voltou mais.
Dizem, eu não sei,
que ela agora está numa boa casa onde tratam dela a pão-de-ló.
(Ruth Rocha. Enquanto o mundo pega fogo).
QUESTÕES:
- Analise os níveis de leitura do texto.
- Que temas podem estar relacionados a este texto?
- Este texto pode ser considerado dialógico e polifônico? Por quê?
4.
Comente o conceito de intertextualidade. Exemplifique sua resposta com o texto
* Atividades propostas pela professora Dra. Gesiane Monteiro Branco Folkis, no curso de Filosofia da Linguagem, na USC - Bauru.
* Atividades propostas pela professora Dra. Gesiane Monteiro Branco Folkis, no curso de Filosofia da Linguagem, na USC - Bauru.
Excelente exemplos.
ResponderExcluirGrato, Júlio.
ExcluirEsse trabalho foi elaborado pela profª Dra. Gesiane Monteiro Branco Folkis.