domingo, 28 de agosto de 2016

Feeling Good - Nina Simone





Eunice Kathleen Waymon, conhecida pelo nome artístico Nina Simone (1933 –2003) foi pianista, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis norte-americanos. Bastante conhecida como referência no jazz, interpretou contudo, canções de diversos estilos, indo do gospel ao soul, passando pela música clássica, blues, folk, gospel e pop. Foi uma das primeiras artistas negras a ingressar na renomada Escola de Música de Juilliard, em Nova Iorque.
Segue a belíssima letra da música (com tradução ao final):  



Feeling Good


Birds flying high you know how I feel
Sun in the sky you know how I feel
Breeze driftin' on by you know how I feel


It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Já ouviu falar do "país dos chapéus"?

O país dos chapéus

Ou a arte de educar por mágicas





Vivia num país de céu cor de anil um rei que muito amava o seu povo e queria que ele fosse inteligente. A prova de que não era inteligente estava no fato de que aquele povo não sabia e não gostava de ler.  O rei passava dias e noites pensando: "Que fazer para que meu povo seja inteligente?" E, como não sabia o que fazer para isso, ficou triste.
Viviam naquele país dois espertalhões, chapeleiros por profissão. Ficaram sabendo da tristeza do rei. E maquinaram um plano para ganhar dinheiro às custas dela. Dirigiram-se ao palácio e anunciaram:
- Fizemos doutoramentos no exterior sobre a arte de tornar o povo inteligente.
O rei ficou felicíssimo: Por favor, expliquem essa ciência - disse.
- Majestade, o que torna uma pessoa inteligente?  Com essa pergunta, abriram um álbum de fotografias.
- Veja. Estão aqui as pessoas mais inteligentes da história. Em primeiro lugar, Merlin, o maior dos magos. Note que tem um chapéu de feiticeiro na cabeça.
Viraram a página e lá estavam as fotos dos doutores de Oxford e Harvard. Todos eles de chapéu na cabeça.
- Veja agora o maior general de todos os tempos, Napoleão Bo­na­parte. Sabe Vossa Excelência a razão por que ele perdeu a batalha de Waterloo? Um espião inglês infiltrado lhe roubou o chapéu. Sem chapéu, não pôde competir com Wellington, que usava chapéu.
E veja agora os grandes gênios da humanidade: Sigmund Freud, Winston Chur­chill, Santos Dummont, todos com chapéus na cabeça. Os chapéus dão inteligência.
Propomos, então, um programa nacional: "Chapéus para todos".
Por pura coincidência, somos chapeleiros e teremos prazer em ajudá-lo na sua cruzada contra a burrice. Montaremos muitas fábricas e lojas de chapéus...
O rei ficou entusiasmadíssimo e lançou a campanha: "Chapéus para todos".
Os outdoors se encheram de slogans: "Prepare-se para o mercado de trabalho: use um chapéu"; "Garanta um futuro para o seu filho: dê-lhe um chapéu!".
A indústria chapeleira progrediu. Até as cidades mais pobres anunciavam com orgulho: "Também temos uma fábrica de chapéus...".
Agências internacionais, sabedoras da campanha "cha­péus para todos", mediram os resultados dessa técnica pedagógica. Fizeram pesquisas para avaliar o efeito dos chapéus sobre os hábitos de leitura do povo. Mas o resultado foi desapontador. O número de chapéus na cabeça não era proporcional ao número de livros lidos. O rei ficou bravo. Mandou chamar os chapeleiros e pediu explicações.
- Senhores, o povo continua burro. O povo não lê...
Os espertalhões não se apertaram.
- Majestade, é que ainda não entramos na segunda fase do programa. Um chapéu não basta. Sobre o primeiro chapéu as pessoas terão de usar um pós-chapéu amarelo.
O rei acreditou. Tomou as providências para que todos pudessem ter pós-chapéus amarelos.
Daí para frente quem só usava o primeiro não valia nada. Para conseguir um emprego, era necessário usar os dois chapéus.
Mas nem assim o povo aprendeu a ler.
Aí os espertalhões explicaram ao rei que faltava o chapéu que realmente importava: o vermelho. 
O país ficou conhecido como o país dos chapéus. Todo mundo tinha chapéu. 
O resultado da última pesquisa internacional sobre os hábitos de leitura do povo do país dos enchapelados ainda não foi anunciado.
Assim, ainda não se sabe sobre o efeito do chapéu pós-vermelho sobre os hábitos alimentares da inteligência do povo. Mas uma coisa já é sabida: de todos, os mais inteligentes são os chapeleiros...
Rubem Alves
Educador e escritor

sábado, 20 de agosto de 2016

Qual a sua sintonia?



Sobre sombra, luz e sintonias
Quando não me sinto bem, geralmente é porque não estou vendo as coisas claras o suficiente para que eu me sinta bem...
o "que" ou "quem" determina o meu “sentir”? 
seria algo alheio a mim, que não posso influenciar?
Será que não me sinto bem por que as coisas não tinham ocorrido como eu gostaria?
Depois vi que não...  no fundo tudo acontecia não só como tinha que acontecer (do melhor modo possível), mas tudo acontecia comigo conforme (inconscientemente) eu mesmo havia escolhido. Caminhos que cada ser escolhe...
Depois pensei...Se não é o que está “fora de mim” que determina se sou feliz ou infeliz, como me sinto, então seria o que está dentro de mim?
alternativa radical, e até perigosa se não se aprofundar a compreensão do que isso significa...
no final das contas, entender que sou absolutamente responsável, não me fez tampouco mais “poderoso” a respeito de tudo aquilo que continuava "acontecendo" ao meu aparente redor...
há um “inconsciente coletivo”, como uma nuvem que perpassa todo o “ambiente psíquico” planetário, que atinge a todos o tempo todo, porque somos humanos e estamos conectados a tudo (e a todos, inconscientemente), sem exceção. Não é possível não fazer parte do “todo”.
Então, embora eu esteja de algum modo 'conectado' a toda essa massa de energia sutil emanada por todos os demais humanos simultaneamente, ainda tenho a opção de “sintonizar” estações diferentes, com diferentes "programações", "espetáculos", "comédias, dramas ou tragédias", como faria se tivesse um aparelho receptor de rádio ou TV.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

O Vendedor de Palavras



O Vendedor de Palavras   
 Fábio Reynol

Um comerciante decidiu ajudar a combater a "indigência lexical" do país, ao melhor preço do mercado, pois  ouviu  dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical".

 Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma ideia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico - apenas R$ 0,50".

Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinquenta curiosos parasse e perguntasse:

- O que o senhor está vendendo?

- Palavras, meu senhor. A promoção do dia é "histriônico" a cinquenta centavos, como diz a placa.

- O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.

- O senhor sabe o significado de "histriônico" ?

- Não.

- Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já tem ou coisas de que elas não precisam.

- Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.

- O senhor tem dicionário em casa?

- Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.

- O senhor estava indo à biblioteca?

- Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.

- Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinquenta centavos de real!

- Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?

- Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.

- O que pretende com  isto? Vai ficar rico vendendo palavras?

- O senhor conhece Nélida Piñon?

- Não.

- É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o país sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.

- E por que o senhor não vende livros?

- Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.

- E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem a barriga.

- A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento.

Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado.

Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa, ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga.

Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.

- O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...


- Jactância.

- ... pegar um livro velho...

- Alfarrábio.

- O senhor me interrompe!

- Profaço.

- Está me enrolando, não é?

- Tergiversando.

- Quanta lenga-lenga ...

- Ambages.

- Ambages?

- Pode ser também "evasivas".

- Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!

- Pusilânime.

- O senhor é engraçadinho, não?

- Finalmente chegamos: histriônico!

- Adeus.

- Ei! Vai embora sem pagar?

- Tome seus cinquenta centavos.

- São três reais e cinquenta.

- Como é?

- Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só "histriônico" estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.

- Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?

- É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?

- Tem troco para cinco?
Fábio Reynol - jornalista especializado em ciências e escritor.

E-Mail: freynol@gmail.com
Blog: http://diariodatribo.blogspot.com