sábado, 30 de março de 2013

muçulmanos são incultos?

20/02/13 01:00 - Opinião1 - Jornal da Cidade - Bauru

Os muçulmanos são “incultos”?

Ney Vilela
A consideração de que muçulmanos são “menos cultos” que os “ocidentais” tem se repetido, com uma frequência assustadora, na chamada grande imprensa brasileira. Esse erro está vinculado a uma compreensão estreita do que é cultura. Para evitar confusão, observo que concepção estreita não significa que a palavra cultura seja usada, na grande imprensa, de maneira errada: apenas incompleta. Cultura é mais do que ler algumas centenas de livros ou saber usar convenientemente a norma culta da língua. 
Não é apenas se sentar corretamente ou usar os talheres certos em um banquete. Cultura é o aparato comportamental, tecnológico, emocional e organizacional que permite a uma coletividade interagir convenientemente com o meio, garantindo sua sobrevivência e perpetuação.

Nesse sentido de cultura, não há povos “mais cultos” que outros, uma vez que se estes povos, tribos, nações existem, suas culturas passaram no teste fundamental: adequaram-se convenientemente ao ambiente em que vivem. Dizer que a religião islâmica é “mais atrasada” ou “radical” também é um erro. Comparem o islamismo do século XI com o cristianismo do mesmo período: são quase idênticos. Se o islamismo tem o Jihad, o cristianismo tem as Cruzadas. A condição feminina, tanto no mundo islâmico quanto no mundo feudal, era deplorável para os nossos padrões ocidentais atuais. No que se refere às atividades econômicas e financeiras, teríamos que reconhecer que a visão islâmica era mais “progressista” que a visão cristã, pois os muçulmanos admitiam os juros e o lucro comercial.

O islamismo, com o passar dos séculos, mostrou-se mais ortodoxo, mais conservador que o cristianismo. O cristianismo, em virtude da cisão protestante, ocorrida no século XVI, mudou muito, adequando-se ao capitalismo que nascia no mundo europeu. A Reforma Protestante trouxe a visão calvinista. Calvino dizia que o trabalho é uma forma válida de devoção a Deus. Quem produz, gera riquezas, cria empregos, reverencia Deus pois zela pela obra que Ele criou. A visão de mundo construída por Calvino impulsionou o capitalismo na produção, na tecnologia, no acúmulo de riquezas. E assim o mundo cristão expandiu-se economicamente, tornando-se hegemônico.

A hegemonia econômica não é uma demonstração de que somos mais cultos, mais espertos ou mais civilizados que os muçulmanos. Significa, apenas, que somos mais eficientes em acumular capitais. Mas se nós olharmos para os índices de criminalidade de nossas coletividades, devemos nos considerar mais ou menos “civilizados” que a maioria das nações indígenas? Será que nosso mundo espiritual e o nosso autoconhecimento são mais completos do que o dos hindus? Nosso sentimento de honra é mais refinado que o dos muçulmanos? Nossas famílias são mais coesas que as famílias xintoístas? Nossos velhos recebem mais carinho e reverência que os das tribos africanas. Responder essas perguntas é uma atividade incômoda. Mas nos obriga a reconhecer, humildemente, que nossa civilização ainda tem muito a aprender e evoluir.

O autor, Ney Vilela, é membro do Grupo Letras e Sons

http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=227475

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