Postado por Francine Lima -
Fevereiro de 2014
E se pudéssemos entrar como uma mosca dentro das salas de reunião em
que os executivos das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo
decidem como vão conquistar o paladar dos consumidores no próximo ano? É
mais ou menos essa a oportunidade que o jornalista Michael Moss nos
oferece com o livro Salt Sugar Fat: How the food giants hooked us (ou Sal Açúcar Gordura: Como os gigantes dos alimentos nos fisgaram, em tradução literal).
São cerca de 400 páginas de informações extraídas de documentos e
entrevistas com gente que participou diretamente da criação de alguns
dos produtos mais bem-sucedidos dessa indústria nos Estados Unidos. Como
os cientistas que pesquisam qual a quantidade ideal de açúcar em cada
produto para causar a sensação máxima de prazer, apelidada de bliss point.
Ou o criador de uma refeição empacotada para crianças feita de
bolachas, queijo barato, carne processada e nenhum alimento fresco,
recheada de sódio e gordura. Ou o precursor da tendência de fabricar
alimentos cada vez mais práticos – e cheios de aditivos – para liberar
as mulheres da demorada tarefa de cozinhar.
Tudo isso em meio à epidemia de obesidade e às evidências,
internamente reconhecidas pelos executivos dessa indústria, de que o
modo como essas invenções têm sido promovidas é um grande responsável
pelo sobrepeso e outros problemas de saúde.
Seu livro fala sobre a fissura que os alimentos doces,
salgados e gordurosos criados pela indústria nos causam. E a indústria
de alimentos geralmente diz que seu trabalho é entregar às pessoas o que
elas querem. Essa lógica está errada? A indústria deveria oferecer algo
diferente daquilo que as pessoas desejam e, talvez, vender menos?
Nós ficamos habituados a alimentos com altos níveis de sal, açúcar e
gordura, muito práticos, que não precisam de muito preparo e que são
mais baratos do que frutas e verduras. A questão é como passaremos do
ponto em que estamos para aquele em que as nutricionistas dizem que
deveríamos estar, o que inclui comer o dobro de frutas e verduras que
comemos hoje. É difícil.
Parte da resposta virá da indústria de alimentos, porque ela é, em
grande medida, responsável por estarmos nessa situação. Quando eles
dizem que já nos oferecem produtos com baixos teores de açúcar ou
gordura, o problema é que esses produtos estão tipicamente posicionados
na prateleira ao lado dos cheios de açúcar e gordura, que são os que
ganham prioridade na própria prateleira e nos investimentos em
publicidade. São esses os produtos que estamos habituados a comprar. As
vendas dos produtos mais saudáveis nem se comparam.
Essas empresas competem muito pelo espaço na gôndola, e o fato é que
elas estão tão fortemente atraídas pelo lucro quanto nós estamos pelos
produtos delas. Wall Street é um grande norteador das decisões da
indústria. Quando a indústria tentou fazer a coisa certa pela saúde do
consumidor, ela se deu mal. Ficou evidente o quanto as empresas dependem
de sal, açúcar e gordura. Mal as vendas começam a se estabilizar – nem
mesmo precisam cair –, ou o espaço na prateleira passa a ser ocupado por
marcas concorrentes, os acionistas já começam a gritar. E aí, em muitos
casos, os fabricantes acabam colocando de volta o sal, o açúcar e a
gordura que haviam tentado eliminar (leia mais sobre o excesso de açúcar e a responsabilidade das empresas).
Então, não só os consumidores, mas o lucro da indústria está viciado em sal, açúcar e gordura?
Sim. Uma das maiores surpresas para mim durante a pesquisa para este
livro, que foi quase como um trabalho de detetive, foi descobrir que a
indústria está ainda mais fisgada por altas quantidades de sal, açúcar e
gordura do que as pessoas. Se você está atrás de uma solução, talvez
deva pensar na hipótese de uma intervenção estatal. Gostei quando
Geoffrey Bible, ex-CEO da Philip Morris, me disse: “Olha, Michael, eu
não sou fã das regulações, mas me parece que a indústria de alimentos
poderia receber a regulação em benefício próprio. Com novas regras, com
limites para o açúcar e o sal, ela poderia reformular seus produtos e
nos dar tempo para nos adaptar às novas formulações, sem ter de ouvir
Wall Street gritando que ela está louca”.
Segundo o que o senhor conta no livro, nosso corpo parece ter
sido feito para gostar desses ingredientes. Como deveríamos lidar com
isso?
Pois é, existe essa grande desconexão. Nossas papilas gustativas se
desenvolveram enquanto nossa espécie evoluía na África. Como
precisávamos de energia para sobreviver, as papilas tinham a função de
detectar os alimentos mais energéticos e o cérebro tinha de enviar mais
sinais de prazer quando comíamos alimentos doces e gordurosos. De um
século para cá, e mais intensamente há 30 anos, esse tipo de comida
deixou de ser escasso; ao contrário, está em todos os lugares, muito
barato e promovido com um marketing fortíssimo. Então, antes, o acesso a
esses alimentos era algo que exigia um esforço, o que por si só nos
impunha limites. Agora, para muitas pessoas, se não para a maioria, é
muito fácil de obter. Mas nosso corpo continua funcionando da mesma
forma, não está equipado para lidar com essa sobrecarga de comida barata
e irresistível.
Existe outra forma de agradar ao nosso paladar na mesma intensidade? Ou a saída é não nos agradarmos tanto?
Qualquer um que vá ao médico com problemas de pressão alta,
especialmente idosos, sabe que, depois de seis semanas sem comer
alimentos salgados, ir ao supermercado fica difícil, diante da
quantidade de alimentos ricos em sal nos corredores. Em apenas seis
semanas, o prazer que essas pessoas tinham ao comer alimentos salgados
vai embora. Nós nem sequer nascemos gostando de sal; isso só acontece lá
pelo sexto mês de idade. Estudos recentes mostram que alimentos
processados influenciam muito na nossa vontade de comer sal. Crianças
acostumadas a comer alimentos industrializados têm maior tendência a
lamber o saleiro de casa na fase pré-escolar.
Com o açúcar é mais complicado. Agora que temos essa expectativa de
sentir o sabor doce em quase tudo que comemos, é mais difícil nos
dirigirmos até a seção de hortifrúti para comprar brócolis, que tem
notas amargas. Mas é possível. Muita gente me conta que parou de comer
comida processada e passou a gostar bem mais de alimentos frescos e
integrais. Eu não estou defendendo que eliminemos a comida processada de
nossas vidas; eu mesmo não sou capaz de fazer isso. Eu e minha mulher
trabalhamos fora de casa, temos dois filhos e nossas manhãs são aquela
loucura. Nós não podemos cozinhar comida do zero o tempo todo. Acho que é
mais o caso de assumir maior controle sobre o consumo de processados,
em vez de deixar que esses produtos nos controlem. E nos dar tempo para
readaptar o paladar à comida de verdade. Meus filhos antes só comiam pão
“branco-alvejante” e hoje comem pão integral numa boa, gostando.
Parece o alerta que nos fazem sobre as drogas: “O efeito inicial é agradável, mas, uma vez dentro, pode ser difícil sair”.
É pior. Foi o que me disse Nora Volkow, neurocientista, diretora do
National Institute on Drug Abuse e tataraneta de Leon Trotski. Tendo
estudado como o cérebro responde a narcóticos e a alimentos, ela está
convencida de que os alimentos mais doces e gordurosos podem fazer muita
gente comer demais, assim como o uso de narcóticos pode induzir ao
abuso de drogas. No caso da comida, sair do vício é mais difícil,
segundo ela, porque ninguém pode viver sem comer. Então não adianta
tentar largar o vício comendo só um ou dois biscoitos recheados. Não dá
para se controlar desse jeito. O que ela propõe é evitar de vez os
produtos mais irresistíveis.
O doutor Kelly Brownell, especialista em obesidade de Yale,
chama as grandes corporações de alimentos de Big Food, em uma comparação
ao Big Tobacco, como ficaram conhecidas as empresas de cigarros com
seus planos para viciar os clientes com nicotina. O senhor acredita que,
no caso dos alimentos, existe uma conspiração para nos viciar?
Eu escrevi sobre a indústria do tabaco no livro, mas não uso muito a
palavra “vício”. Nem é necessário. Quando a indústria de alimentos fala
sobre maximizar a atratividade, a sedução de seus produtos, ela usa
termos como snack-ability, crave-ability ou more-ishness, uma das minhas preferidas (neologismos
que ao pé da letra poderiam ser traduzidos como
“petiscabilidade”,“fissurabilidade” e “maisice” – a capacidade de
“querer mais”). Sendo isso inglês ou não, são termos oficiais dos
químicos e CEOs do marketing para o que todas as empresas do setor
fazem, que é ganhar o máximo possível de dinheiro vendendo o máximo
possível de seus produtos.
Eu não os vejo como um império do mal que intencionalmente tratou de
nos tornar obesos. A questão é se eles ficaram tão bons nisso, ainda que
subconscientemente, que os produtos que eles criam nos forçam a comer
demais. Mas isso é muito difícil de atribuir a eles. Afinal, como eles
mesmos dizem, ninguém baseia sua dieta em biscoito recheado. O que conta
é todo o universo de alimentos processados a nossa volta, e isso os
torna muito diferentes da indústria do tabaco. Diante de um júri, um
caso envolvendo tabaco diz respeito a pessoas que fumam. Mas, se você
apresenta um processo contra a Kraft por causa do biscoito Oreo, a
primeira defesa será a pergunta: “Como você sabe que foi o Oreo que
causou a obesidade e não todo o resto de produtos que essas pessoas
estão comendo?”
A conexão com o tabaco que acho interessante é a que descrevo no
livro: a maior empresa de tabaco, a Philip Morris, tornou-se a maior
fabricante de alimentos dos Estados Unidos nos anos 1980, quando comprou
a General Foods, e depois a Kraft. Por duas décadas, os executivos do
tabaco fizeram o que se esperava deles, que era cobrar do pessoal dos
alimentos um jeito de vender mais. Mas, no fim dos anos 1990, a Philip
Morris foi a primeira empresa de tabaco a apoiar a regulação do setor
pelo governo, cedendo à pressão dos consumidores, dos advogados e do
próprio governo. Então eles alertaram o pessoal de alimentos de que, por
conta do sal, do açúcar, da gordura e da obesidade, uma pressão muito
maior estava por recair sobre eles do que a movida por conta da
nicotina. Para mim, esse foi um momento incrível.
Olhando para 50 anos atrás, e considerando todas as inovações
que a ciência dos alimentos trouxe para a realidade, o senhor considera
nosso ambiente alimentar hoje menos saudável?
Nossa dependência de alimentos processados aumentou incrivelmente. As
pessoas hoje preparam a própria comida com menos frequência e muitas
vezes beliscam em vez de fazer uma refeição completa, criando o que os
cientistas da nutrição chamam de um “comer desatento”. Podemos comer com
uma só mão, sem prestar atenção, deixando o cérebro fora da equação, e
isso facilita que a gente coma além da conta. Essas mudanças, sem
dúvida, contribuíram muito para a epidemia de obesidade.
Seu livro relata o esforço da indústria, a partir dos anos
1940, para criar alimentos práticos, de conveniência, o que teria
facilitado a vida das pessoas, especialmente das mulheres que entraram
no mercado de trabalho. Afinal, a conveniência na alimentação atrapalha
mais do que ajuda?
O custo da conveniência é esse comer desatento. Para cozinhar, é
preciso envolver o cérebro na atividade, desacelerar. Os alimentos mais
práticos são os que duram mais na prateleira, e são esses que contêm
maiores teores de sal e açúcar, que são conservantes naturais. Mas a
indústria supervaloriza essa praticidade.
Dá para quebrar essa nossa dependência dos alimentos processados, dá
para cozinhar sem gastar muito tempo. Molhos para massas, por exemplo. É
prático comprar um vidro de molho pronto e apenas abrir a tampa e jogar
dentro da panela, mas é muito provável que esse molho tenha boas doses
de sal e açúcar adicionadas. Por outro lado, você pode comprar uma lata
de tomates pelados, refogar com azeite, alho e cebola e adicionar apenas
a quantidade de sal e açúcar que você julgar necessária. A diferença é
que neste caso você está no controle, e o gasto de tempo não será assim
tão maior. Há diversos preparos na cozinha quase tão rápidos quanto usar
o produto pronto.
Hoje temos informações nutricionais nos rótulos e os meios de
comunicação falam de nutrição o tempo todo. Na sua opinião, os
consumidores estão suficientemente informados para escolher alimentos
mais saudáveis?
Sim e não. Ainda falta uma informação importante nos rótulos, que é a
indicação do limite de açúcar que deveríamos consumir em um dia. E é
complicado porque parte do açúcar já pertence aos alimentos, como o
açúcar das frutas, e parte é adicionada.
E a ciência diz que o máximo recomendado varia para cada pessoa. De
todo modo, acredito que seja possível estabelecer um limite. E ainda que
tenhamos a mídia e as inscrições minúsculas nos rótulos nos informando
sobre nutrição, essa informação disputa atenção com a enorme quantidade
de publicidade a que estamos expostos na TV e com as inscrições gigantes
na frente das embalagens, que estão direcionadas a nos fazer consumir
um monte de produtos não muito saudáveis. É difícil driblar todo esse
marketing. Muitos produtos agora destacam na frente da embalagem a
presença de fruta, mas a tal fruta não passa de mais açúcar na forma de
suco. Embora pareça que temos mais informação, ela acaba soterrada pelo
marketing.
O senhor tem alguma sugestão para resolver isso?
O governo americano pediu que as empresas limitassem sua publicidade,
especialmente a direcionada às crianças, mas não impôs um limite. E
isso teve um efeito mínimo. Acho que foi Michelle Obama quem disse que
86% da publicidade de alimentos ainda envolve produtos com muito sal,
açúcar e gordura (confira aqui).
Quer dizer, a menos que a indústria decida limitar a si própria, não
vejo outra solução senão uma medida imposta pelo governo. Outro cenário é
que o público passe a exigir alimentos mais saudáveis e pare de comprar
os não saudáveis.
Aí eu acredito que as empresas reagirão. Até porque nesse cenário
Wall Street gritará com as empresas para que elas não mais adicionem
tanto sal, açúcar e gordura aos seus produtos e criem opções mais
saudáveis. E, já que os cientistas contratados pela indústria são gênios
que criam qualquer coisa, as empresas pedirão a eles que reformulem
seus produtos, e então o marketing pesado passará a promover as novas
formulações. Eu realmente acredito que a demanda tem de ser o motor
dessa mudança. Agora… como conseguir que as pessoas exijam alimentos
mais saudáveis?
Quem o senhor acha que deveria se responsabilizar por educar o público a comer melhor?
Eu diria que, já que os gigantes dos alimentos nos tornaram tão
presos aos seus produtos, já que eles gastam tanto dinheiro fazendo
marketing para seus itens menos saudáveis, eles deveriam começar a
bancar essa educação para mudar a situação. Eles dirão que não têm
dinheiro para isso, então deveríamos nos perguntar qual porção do lucro
dessas empresas deveria ser redirecionada para criar essa nova educação
do público. E é claro que devemos nos perguntar também que tipo de
educação deverá ser essa. Acho que todo mundo já sabe que não adianta
sair pregando que frutas e verduras são saudáveis. As pessoas não
respondem a esse tipo de mensagem comprando mais frutas e verduras. O
governo tenta isso há anos. Não funciona. Também não podemos pregar para
as crianças na escola do jeito que os cursos de economia doméstica
faziam nos anos 1950.
Mas podemos trazer a questão da comida para as crianças em uma
abordagem mais política. Por exemplo, nos Estados Unidos há
universidades adotando meu livro como leitura obrigatória para todos os
alunos ingressantes. Inicialmente até tive dó dos alunos por terem de
ler o livro no verão, mas me disseram que ele gostam, porque não é um
livro sobre comida, mas sobre poder e corporações multinacionais
tentando influenciar seus hábitos. É sobre a habilidade deles de
enfrentar isso, e os jovens adoram ver o mundo dessa forma. Acho que os
adultos também.
Recentemente, o senhor publicou um artigo na revista do New York Times
contando que pediu à indústria para criar uma campanha voltada para
promover o brócolis. A solução estaria em uma comunicação mais criativa
para os alimentos saudáveis?
A história começa assim: o que os gigantes dos alimentos fariam se,
de uma hora para outra, tivessem de vender frutas e hortaliças frescas?
Eles provavelmente pediriam às suas agências de propaganda que
encontrassem um jeito de acionar o “botão emocional” dos consumidores em
relação a esses alimentos, da mesma forma que eles acionam o botão
emocional em relação a guloseimas. Esse ótimo slogan do chocolate Snickers, da Mars, “não deixe a fome te pegar” (no Brasil, simplificado para “Mata sua fome”), é tão poderoso e típico da indústria de alimentos.
Eles nos fazem comer não porque estamos com fome realmente, mas por
razões emocionais. Então perguntei a uma empresa o que ela faria para
vender brócolis, e ela criou uma campanha fictícia. Mas, para saber se
funcionaria, ela teria de ser testada em algumas cidades, com um gasto
de alguns milhões de dólares. Eu não podia pagar a agência para testar
isso, então ficamos sem saber se daria certo.
O senhor conta no livro que um ex-executivo da Coca-Cola mudou de ramo e transformou o marketing de uma marca de cenouras baby ao colocá-las dentro de embalagens brilhantes, ao lado dos salgadinhos, com o slogan “Coma como se fosse junk food”. Há outros casos de sucesso no setor de hortifrúti?
Também houve uma grande publicidade para o abacate e para amêndoas,
que resultou em um aumento nas vendas. Mas nenhum foi tão criativo
quanto o das cenouras. A campanha das cenouras funcionou bem nos dois
mercados em que foi testada. Eu escolhi o brócolis porque ele era um dos
vegetais mais difíceis de promover. Ninguém é apaixonado por brócolis.
As pessoas mais importantes que o senhor entrevistou para o
livro são cientistas e executivos de dentro da indústria de alimentos.
Como conseguiu que eles falassem?
Os documentos que eu tinha em mãos foram fundamentais…
Documentos relacionados às ações contra a indústria do tabaco?
Em grande parte. Além disso, a indústria de alimentos adora ganhar
prêmios e, para concorrer a eles, tem de contar em detalhes por que
merece o prêmio. Esses relatos incluem informações que jamais abririam
em outras circunstâncias. Eu tive acesso a esses relatórios. Foram esses
documentos que me revelaram como a indústria estava criando e
promovendo seus produtos e quem eram os principais tomadores de decisão
nessas empresas. Não são nomes que costumam aparecer nos jornais. Tendo
os nomes, pude procurar essas pessoas e pedir que me contassem a
história completa. Como eu iria escrever sobre o assunto de qualquer
forma, eles acharam que valia a pena falar. Quer dizer, eles poderiam
preferir que eu não existisse, mas me parece que eles entenderam que fui
justo na minha abordagem. Depois, até recebi convites. Uma das coisas
mais interessantes foi a Kellogg’s me chamar para mostrar por que não
podia abrir mão do sal em seus cereais matinais: eles ficariam
intragáveis.
Além de relatar segredos, eles se abriram sobre como se
sentem em relação a suas criações. Houve quem se arrependesse. Eles não
pensaram antes nas consequência de seu trabalho?
Houve quem me dissesse mais ou menos o seguinte. “Quando criamos
esses produtos, não pretendíamos que fossem consumidos de hora em hora
ou todos os dias. Era para ser um consumo ocasional, mas a dependência
desses alimentos aumentou de forma dramática.” Jeffrey Dunn, o
ex-presidente da Coca-Cola, me disse que, naquela posição, ele estava em
uma tal guerra contra a concorrência que não dava tempo para refletir
sobre as consequências. Somente depois de sair da empresa é que ele veio
a pensar sobre o que havia feito, e hoje, com as cenouras, diz que está
pagando seu carma. Isso faz sentido para mim. De novo, não vejo essas
pessoas como “do mal”. Eu as vejo absorvidas pelo sistema da indústria
de processados, que é um grande poder ganhando espaço. Meu propósito com
o livro não foi culpar ninguém, mas explicar como as coisas acontecem.
E como fica sua relação com as fontes depois da publicação do livro?
Algumas empresas não querem falar comigo. Mas o livro parece ter funcionado como um alerta para a própria indústria.
Acontece, no fim de palestras que dou, de alguém vir conversar comigo
e dizer coisas do tipo: “Eu trabalho para a empresa XYZ e não podemos
dizer isso em público, mas estamos torcendo por você. Queremos tentar
fazer a coisa certa”.
Para terminar, uma pergunta mais pessoal. Quais alimentos processados o senhor compra sem preocupação?
Batata frita de pacote. Adoro. Também compramos pizza congelada de
vez em quando, naquelas noites de correria, quando não dá tempo de
cozinhar. Compramos feijão em lata, tortilhas prontas, queijos, algumas
carnes pouco processadas. Eu não evito tudo que é processado, nem mesmo o
que é altamente processado. Mas devo dizer que, depois de escrever o
livro, eu me sinto mais empoderado a não comer demais. Quando abro o
saco de batatas fritas, eu me lembro dos cientistas que ajudaram a
inventá-las, e então posso comer só um pouco.
É como se o senhor decidisse não deixar esses caras decidirem por você…
Exatamente.
fonte: http://www.pagina22.com.br/index.php/2013/12/mercado-viciado-em-junk-food/
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