Professor e pesquisador? Ao mesmo tempo?
Wellington Anselmo
Martins*
Essas são atividades que,
facilmente, se mostram diferentes. Ensinar e pesquisar. Mas, muitas vezes por
imposição, elas caminham juntas.
Ser professor depende de
muitos fatores, depende muito de saber se relacionar bem com os alunos, depende
de ter uma inteligência interpessoal bem desenvolvida.
Professores carismáticos,
abertos e extrovertidos tendem a ter grande êxito na carreira. Costumam ser
bons oradores e, além disso, costumam também ser bons “dialogadores” (conseguem
mediar debates em sala de aula e valorizar, sem esmorecer, as opiniões mais
simples que os alunos costumam sugerir).
Por outro lado, ser
pesquisador demanda um conjunto de habilidades e competências diferente. O
pesquisador, necessariamente, precisa amar a solidão. Pois grande parte da
reflexão e escrita das pesquisas se dá de modo individual, sozinho. O
pesquisador, por isso, precisa que sua inteligência intrapessoal esteja mais
afiada do que nunca.
Bons pesquisadores
costumam ser também bons escritores. São autores de muitos textos, artigos
científicos, teses, livros etc. E a maior parte dessa produção é fruto de uma
grande introspecção, de um mergulhar em si mesmo.
Ou seja, o professor é um
especialista em lidar com pessoas. O pesquisador, um especialista em lidar com
ideias.
No entanto, apesar de
perfis tão diferentes, a universidade de modo geral impõe um programa de
trabalho dinâmico, que exige que os seus pesquisadores sejam também
professores, e vice-versa.
Tais universidades pedem
(pedem não, obrigam) por vezes que o profissional seja, por exemplo, um
pesquisador durante o período da manhã, corrigindo TCCs de alunos, teses de
doutorando e, às vezes, escrevendo seus próprios artigos científicos, e já à
tarde ou à noite pedem que esse mesmo profissional atue então como professor,
lecionando para salas de aula cheias, palestrando para plateias
diversisifcadas, mediando debates e conflitos entre os alunos etc.
Isto é, às vezes em um
único dia, esse profissional precisa lidar com competências tão opostas como a
introspecção e a alteridade. O mergulhar em si mesmo, a individualidade, e o
entregar-se ao grupo, a sociabilidade.
Mas a situação se agrava
ainda mais quando esse profissional faz parte de uma universidade que defende o
paradigma de que o bom professor é, na verdade, um bom animador de auditório,
que não só dá aula, mas ainda entretém os seus alunos com dinâmicas de grupo,
informações inusitadas e um jeito descontraído de se comunicar.
E, de outro lado, crê no
paradigma de que o bom pesquisador é, na verdade, aquele que produz textos em
grande quantidade, que consegue ao mesmo tempo corrigir uma dissertação de
mestrado que trate do conceito de “indústria cultural” enquanto produz um texto
próprio, para um novo livro, tratando da “semiótica peirciana”...
O jargão empresarial
costuma chamar de job rotation a alternância de funções pela qual se faz
um empregado passar dentro de uma mesma empresa para que, assim, ele possa
amadurecer e ter um conhecimento mais completo sobre todo o processo no qual
está inserido.
No entanto, nas
universidades não se trata de job rotation o que é feito com os
professores e pesquisadores. Não se trata de um treinamento. Atuar nessas duas
frentes diferentes é, na verdade, o dia a dia comum desses profissionais. Ou
seja, cotidianamente eles ocupam funções diversas, que exigem perfis diversos
mesmo.
E tudo isso, claro, tem
efeitos sobre a qualidade do trabalho desses profissionais. Alguns
profissionais do ensino superior optam por priorizar a pesquisa e, por isso,
publicam excelentes produções, mas, ao mesmo tempo, quando estão em sala de
aula, se mostram professores medianos, visivelmente inseguros ou indiferentes no
relacionamento com os alunos.
Outros profissionais,
porém, parecem optar por priorizar o ensino. São esses os que podem se tornar
grandes palestrantes, conceder entrevistas memoráveis e, não poucas vezes,
envolverem-se com a política, dada a sua facilidade de comunicação e
relacionamento humano.
Enfim, com certeza há
exceções, de grandes professores que, ao mesmo tempo, são cientistas
inovadores. Mas são exceções. Pois via de regra o que é fácil enxergar nas
universidades são profissionais sobrecarregados, que raramente conseguem
equilibrar bem a introspecção da pesquisa de vanguarda com a alteridade
necessária para a dinâmica de sala de aula.
Não seria o caso, então,
de repensar esse modelo? E criticar mais abertamente esse acúmulo de funções
tão distintas? E, quem sabe, valorizar e aprimorar os profissionais que têm um
perfil maior para o ensino e, igualmente, dar mais espaço e meios para que se
desenvolvam até o seu melhor os profissionais que têm um perfil mais
diretamente voltado para a produção científica?
* Graduado em Filosofia (USC), mestrando em Comunicação
(UNESP).
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