Interessante análise de Cassiano Zeferino de Carvalho Neto e Maria Taís de Melo a respeito do papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito. Leitura complementar para quem está estudando Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente:
Os modelos da psicologia cognitiva que abordam o conhecimento humano, como um sistema de processamento de informações, incluem um processador central que é capaz de planejar, inicialmente, o desenvolvimento da atividade intelectual e controlar, posteriormente, sua execução. O comportamento inteligente caracterizar-se-ia pela habilidade de organizar, inicialmente, o plano de ação e colocá-lo em prática de forma progressivamente mais automática e flexível.
Os
progressos na aprendizagem caracterizam-se, dentro desta ótica, por
avançar, a partir da utilização de regras e estratégias em experiências
bastante concretas e específicas, chegando à elaboração de regras mais
gerais, que possam ser aplicadas a uma série de situações.
Os
processos de aprendizagem permitem passar do emprego de esquemas
ligados a contextos muito específicos, à sua utilização em situações
mais gerais. Ou seja, podemos dizer que a aprendizagem significativa só
acontece quando o sujeito entra em contato com o objeto de conhecimento,
se apropria dele e faz uso do mesmo no seu contexto.
Nesse
sentido, podemos exemplificar: ao se colocar, por exemplo,
simbolicamente um vidro transparente e límpido entre o sujeito e o
objeto de conhecimento, o sujeito continuará visualizando este objeto.
Entretanto, não conseguirá apropriar-se do mesmo (trazer para si). Este
vidro representa, simbolicamente, um obstáculo para a aprendizagem, o
qual é classificado de diversas formas: transtornos de aprendizagem,
distúrbios de aprendizagem ou dificuldades de aprendizagem. Estes
obstáculos podem ser de fácil, média ou difícil remoção. Entretanto,
todo este processo deverá ser mediado. Dependendo do grau de dificuldade
de remoção destes obstáculos, diferentes estratégias devem ser
utilizadas, partindo-se sempre de um diagnóstico do contexto onde esse
sujeito está inserido.
É comum atribuirmos ao
sujeito a responsabilidade pela presença dos transtornos de aprendizagem
e acabamos por negligenciar o papel do outro e do contexto neste
processo. Muitas vezes quem colocou este vidro, foi o próprio meio, ou o
método pedagógico escolhido.
Para pesquisar o
processo de aprendizagem significativa, de modo integral, é preciso
empenharmo-nos na conquista do estado de expansão da consciência (que,
aliás, somos nós mesmos), através da ampliação do nosso olhar.
Diante
desta ótica, temos que considerar que o homem é um ser que se realiza
na relação com o contexto social, pois ao mesmo tempo em que altera seu
meio, modifica-se a si mesmo. O homem é fruto de um processo histórico.
Ele é produto do contexto em que está inserido, se apropriando das
objetivações resultantes das atividades de outros homens, de gerações
passadas, e, ao mesmo tempo, produzindo histórias, criando novas
objetivações.
Neste contexto, a apropriação da significação
social de uma objetivação é um processo de inserção na continuidade da
história das gerações. E, o estudo do contexto cultural, é fundamental,
pois, as mensagens que veiculam na cultura podem vir a ser partes
constituintes deste sujeito.
O conceito de
cultura na literatura antropológica tem sido usado de diferentes
maneiras e está ligado a diferentes pressupostos e métodos. John B.
Thompson (1988), distingue dois usos básicos da palavra cultura, aos
quais ele define de “concepção descritiva” e “concepção simbólica”.
Na
concepção descritiva a cultura é vista como o conjunto
inter-relacionado de crenças, costumes, formas de conhecimentos, arte,
etc., que são adquiridos pelos sujeitos enquanto membros de uma
sociedade particular e que podem ser estudadas cientificamente. Essas
crenças e costumes formam um “todo complexo” que é característico de uma
determinada sociedade, diferenciando esta sociedade de outros lugares e
épocas.
Na concepção simbólica o caráter
simbólico da vida humana tem sido um tema constante de reflexão entre os
filósofos, e entre os envolvidos no desenvolvimento das ciências
sociais e humanas. Esta concepção, segundo Thompson (1995), foi esboçada
na década de 1940 por L. A. White na obra: A Ciência e a Cultura,
começando pela premissa de que o uso de símbolos é o traço distintivo do
ser humano; White argumentou que a cultura é o nome de uma ordem ou
classe distinta de fenômenos que dependem do exercício de uma habilidade
mental, peculiar à espécie humana, que se denomina de simbolização.
Thompson
defende a necessidade do desenvolvimento de uma concepção diferenciada
de cultura que dê ênfase à constituição significativa e à
contextualização social das formas simbólicas. Para entender a
constituição significativa das formas simbólicas, o autor ressalta que
se deve examinar seus aspectos intencional, convencional, estrutural e
referencial.
A contextualização social de tais
formas requer que se preste atenção a certos aspectos sociais dos
contextos (aspectos espaço-temporais, a distribuição de recursos dentro
de campos de interação, etc.), bem como a certos processos de
valorização e ao que o autor denomina de “modalidades de transmissão
cultural”.
Concluindo, as formas simbólicas são
produtos de interação histórica do homem no mundo. Ou seja, os
processos simbólicos se modificam de acordo com os contextos: político,
social , econômico, etc., onde os sujeitos estão inseridos. O
posicionamento do sujeito nestes contextos sociais é que irá determinar
as formas valorativas das expressões culturais.
Em
cada meio social, as palavras e os gestos dos sujeitos são dotados de
significados simbólicos. Desta forma se estabelece uma relação dinâmica
entre o sujeito e a cultura.
Os fenômenos
sociais são complexos e dinâmicos e a compreensão dos mesmos sempre é
parcial, depende do ângulo de apreciação do observador e o mesmo não é
um sujeito estático, pois ele também está inserido na dinâmica social
deste contexto. Em outras palavras, a compreensão que se tem dos
fenômenos sociais sempre é relativa. Este é um ponto fundamental que
deve ser considerado quando se decide pela atividade didática nas
ciências sociais e humanas. Segundo Morin (1998, p.31) para se produzir
conhecimento no campo das ciências sociais é necessário “[...] um
pensamento capaz de enfrentar a complexidade do real, permitindo ao
mesmo tempo à ciência refletir sobre ela mesma”.
Neste
caminho, que busca desvendar significados, o diálogo tem um papel
fundamental. Para Bakhtin (1990, p.123), o diálogo é entendido no
sentido mais amplo do termo “[...] não apenas a comunicação em voz alta
de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal de
qualquer tipo, que seja”.
Dois enunciados
distantes um do outro no tempo e no espaço, quando confrontados em
relação ao seu sentido, podem revelar relações dialógicas.
Bakhtin
(1990) afirma que o domínio do signo coincide com o domínio da
ideologia, que estes são mutuamente correspondentes e que tudo o que é
ideológico possui um significado e remete a algo fora de si mesmo, pois
tudo o que é ideológico é um signo. É importante ressaltar que um signo
(ou representamen) é aquilo que, sob certo aspecto, representa alguma
coisa para alguém. Ou seja, “[..] qualquer coisa que se produz na
consciência tem o caráter de signo.”(SANTAELLA apud DUARTE.1992). Já o
símbolo é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de uma
associação de idéias produzida por uma convenção. Ex: a palavra cor
verde como símbolo de esperança.
Pierce
apresenta o símbolo como um representamen cuja significância em especial
reside no fato de existir um hábito, disposição ou qualquer outra norma
a fazer com que este signo seja sempre interpretado como símbolo. (apud
DUARTE.1992, p. 60). Em outras palavras ainda, nada seria responsável
pelo fato de um signo ser um símbolo a não ser a disposição das pessoas
de interpretá-lo como tal.
Dentro desta
exposição, cabe ainda clarear os conceitos de ícone e de índice. Ícone é
um signo que tem alguma semelhança com o objeto representado
(analogia). Ex. escultura, fotografia, diagrama, esquema. Índice é um
signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser diretamente
afetado por este objeto. Ex. fumaça, campo molhado (choveu), seta
indicando caminho a seguir, pronome demonstrativo, impressão digital.
Este
encontro entre signo e ideologia permite dizer que “[...] tudo que é
ideológico possui um valor semiótico” (BAKHTIN, 1990, p.32). Neste
percurso podemos afirmar que tudo que é semiótico aparece, surge, nas
interações verbais e nas interações sociais, através do diálogo.
Diante
destas reflexões entendemos que na produção de conhecimento na área da
educação, em particular, há necessidade de se seguir um referencial que
contemple o contexto histórico-cultural, pois os sujeitos se constituem
nas e pelas relações sociais, através da apropriação das significações
de suas ações e inter-relações nos contextos onde estão inseridos. Estes
conteúdos apropriados são resultantes de um processo de produção
cultural.
Neste processo a linguagem tem um papel fundamental como instrumento de comunicação e transmissão de significações.
Para
Bakhtin (1990, p.66) “a palavra revela-se, no momento de sua expressão,
como o produto da interação viva das relações sociais. Ë assim que o
psiquismo e a ideologia se impregnam mutuamente no processo único e
objetivo das relações sociais”.
Para o autor a
língua é inseparável do fluxo de comunicação verbal e, portanto, não é
transmitida como um produto acabado, mas como algo que se constitui
continuamente na corrente da comunicação verbal. Os sujeitos não recebem
a língua pronta para ser usada; “[...] eles penetram na corrente da
comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é
que sua consciência desperta e começa a operar [...] os sujeitos não
adquirem a língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o despertar
da consciência”.(BAKTHIN, 1990, p.108).
A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. A
língua nunca está completa, ela é uma tarefa, um projeto sempre
caminhando e sempre inacabado.
Para o autor, a
língua e a palavra são quase tudo na vida humana e, portanto, uma
realidade abrangente e com tantas facetas não pode ser compreendida
unicamente por meio da metodologia da lingüística tradicional, pois,
embora as relações lógicas na língua sejam evidentes e necessárias, elas
não esgotam toda a complexidade presente nas relações dialógicas.
Quanto a este aspecto, Bakhtin chama a atenção para a variabilidade de
sentidos de uma mesma palavra. Ou seja, uma palavra pode ter sentidos
diferentes para diferentes sujeitos de acordo com o contexto em que ela
ocorre. Essa dimensão está ao mesmo tempo oculta e evidente no jogo do
diálogo, já que o discurso verbal é diretamente ligado à vida em si e
não pode ser divorciado dela sem perder sua significação.
Cada
ato da fala não é só o produto do que é dado, sempre cria algo que
nunca existiu antes, algo absolutamente novo e não repetitivo que se
revela na entoação. Ao se destacar as conversas cotidianas que ocorrem
entre as crianças, é possível compreender como a entoação é
especialmente sensível a todas as vibrações sociais e afetivas que
envolvem o falante e, principalmente, observar como ela atua
constituindo e se integrando ao enunciado como parte essencial da
estrutura de sua significação.
Para Bakhtin
(1990), a fala, as condições de comunicação e as estruturas sociais
estão indissoluvelmente ligadas. Tanto o conteúdo a exprimir quanto sua
objetivação externa são criados a partir de um único e mesmo material - a
expressão semiótica. Não existe, portanto, atividade mental sem
expressão semiótica. Isso significa admitir que o centro organizador da
atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na
própria interação verbal. O mundo interior se adapta às possibilidades
de expressão, aos novos caminhos e às orientações possíveis.
Cada
época e cada grupo social têm seu próprio repertório de formas de
discurso que funciona como um espelho que reflete o cotidiano. A palavra
é a revelação de um espaço no qual os valores fundamentais de uma dada
sociedade se exprimem e se confrontam.
A grande
contribuição de Bakthin para a discussão de como desencadear um
processo de aprendizagem significativa está no fato deste autor chamar a
atenção para a importância da linguagem na constituição social do
sujeito. Pois, para ele, o conhecimento é socialmente construído, com a
mediação de outros sujeitos, através de diferentes formas de interação
verbal.
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Entendemos por comunicação verbal todas as formas de expressão que desencadeiam processos de comunicação entre os sujeitos, não se reduzindo, unicamente, à comunicação oral. A comunicação verbal expressa a ação da comunicação em si, em toda sua complexidade.
Entendemos por comunicação verbal todas as formas de expressão que desencadeiam processos de comunicação entre os sujeitos, não se reduzindo, unicamente, à comunicação oral. A comunicação verbal expressa a ação da comunicação em si, em toda sua complexidade.
FONTE:
http://www.direcionaleducador.com.br/capitulo-5-por-uma-pedagogia-vivencial/o-papel-da-cultura-e-da-linguagem-na-constituicao-do-sujeito
O papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito
O papel da cultura e da linguagem na constituição do sujeito
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