“Quem disse? Cadê as evidências?”: o confronto de paradigmas num discurso de Alan Watts
"Por quê devemos parar de pensar? Por que é errado não gostar de ficar sozinho? Por que ter uma mente cheia de pensamentos é como uma droga? Será que realmente tem algum vício ou efeito maligno envolvido? Quem disse? Cadê as evidências????"— ltrafael, em comentário ao vídeo "A Mente", com Alan Watts
Essas indagações publicadas num
comentário ao vídeo "A Mente" (mais abaixo), um discurso do
filósofo inglês Alan Watts (1915-1973) sobre as preocupações e
o pensamento compulsivo, chamam a atenção de uma maneira bem simples e
interessante para o choque de paradigmas na busca de respostas
sobre a vida.
Apesar do discurso de Watts ser bem claro e
auto-explicativo, está se referindo a um processo interior e subjetivo de
investigar a realidade, enquanto a pessoa que fez o comentário
espera evidências ou provas "científicas e sérias"
externas a ele mesmo ("Quem disse? Cadê as evidências??"),
provenientes de alguma autoridade na pesquisa objetiva da realidade.
Watts
talvez tenha evidências científicas e sérias, mas no seu paradigma,
que precisa da percepção interior e das próprias experiências
pessoais para serem verificadas como, de fato, evidências. Mas sem uma ponte
entre esses dois paradigmas, o espectador não percebe isso, e o diálogo não
acontece.
Muitos grandes autores já
trataram desse encontro (ou desencontro) de paradigmas, que
muito genericamente poderíamos incluir nas diferenças
entre "Ocidente" e "Oriente", aqui talvez mais
especificamente entre o método científico "ocidental" e as ciências
contemplativas "orientais", mas neste caso está expresso e
atualizado num debate cotidiano simples de um vídeo do
YouTube.
Para alguns esse problema está superado, e os
paradigmas convivem entre si, mas para muitos ainda há um vão. Sem uma ponte, o
que há do outro lado do paradigma permanece inacessível.
Assista ao vídeo de Alan Watts,
de 3min, legendado, abaixo (com agradecimentos ao canal Charles Darwin, e ao
site AlanWatts.org, que cedeu o áudio
original ao vídeo em inglês):
De uma certa forma, quem já
conseguiu algum tipo de esclarecimento a partir
das fontes contemplativas orientais (como Ioga ou Budismo, por
exemplo), já fez algum tipo de conexão entre esses paradigmas, e
talvez não tenha sido fácil.
Imagino que se meus primeiros questionamentos
existenciais fossem respondidos com a recomendação de parar de pensar,
quando eu não fazia a menor ideia de como a ciência oriental tratava esse
assunto, eu ficaria igualmente inconformado.
Não conseguiria ver a
conexão entre as duas coisas, e questionaria.
Talvez eu pensasse: o que tem a ver parar de pensar com buscar
provas sobre a existência? Seria como se eu tivesse um plug de três
pinos tentando encaixar numa tomada de dois furos.
SOBRE PENSAR DEMAIS
Se formos perceber bem, nesse
discurso Alan Watts não diz para pararmos de pensar, ele fala que pensamos
demais e que estamos presos nesse ininterrupto movimento
compulsivo mental, mas não é raro entendermos que isso significa uma
recomendação para pararmos de pensar.
Se a mente pudesse relaxar mais
profundamente, aquietar-se naturalmente, e se pudéssemos fazer algum tipo de
prática onde pudéssemos ganhar perspectiva sobre ela, sobre o próprio pensar,
então uma outra resposta poderia vir, uma que poderia fazer ver que pensar
demais é de fato uma compulsão, que escraviza o homem e ofusca profundamente sua
visão da realidade... Que distorce o que ele entende por realidade, e que
isso obviamente se parece bastante com uma droga.
O efeito maligno
envolvido é justamente o próprio bloqueio a uma outra compreensão da
realidade, mas que só se torna evidente (ou seja, que só se torna uma evidência)
para aquele cuja mente foi dada a chance de relaxar e ser vista em seu
movimento obsessivo.
Se isso não acontecer, pensar compulsivamente vai ser a
única realidade que existe. E não vamos entender que problema há nisso.
"Uma pessoa que pensa todo o tempo não tem nada a pensar exceto pensamentos. Por isso perde contato com a realidade, e vive num mundo de ilusão".
— Alan Watts, em "Alan Watts Teaches Meditation" (1992)
SOBRE NÃO GOSTAR DE FICAR SOZINHO
Watts também não falou em "não
gostar de ficar sozinho", ele falou em "fugir de si mesmo",
que traz uma ênfase muito maior num tipo de medo íntimo que deveria ser no
mínimo intrigante ao questionador sério.
A pergunta poderia ser substituída por
"Porque tenho essa reação de fugir da minha própria presença? O que
pode haver de tão ruim no meu simples silêncio natural de ser? Será que
faz sentido virmos a existir para termos tal desconforto de ficar conosco
mesmos, ao ponto de querermos fugir dessa situação? Será que isso não mostra
que talvez exista algo de errado justamente nisso?"
Enfim, os questionamentos fazem
sentido, dentro de um paradigma. As respostas de Alan Watts idem. Talvez não
tenham sido suficientes para o questionador, talvez demonstrem a limitação
dos paradigmas, talvez precisemos de mais pontes entre paradigmas,
ou adaptadores de pinos iguais entre perguntas a respostas.
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