Analfabetismo Político e Voto de Protesto
O momento de uma eleição é mesmo ímpar... mas para alguns, a democracia se resume no uso da urna eletrônica no dia da votação. Eles se sentem sinceramente indignados com a corrupção, mas, além de reclamar, nada mais se sentem capazes de fazer. Nitidamente desinformados, insistem em enxergar a urna como algum tipo de latrina eletrônica, onde com ar solene, ele vomitará sua raiva, despejará sua frustração, ou apenas purgará sua torpeza, na forma de algum protesto patético, o qual seria simplesmente inútil, se não fosse de fato bastante danoso aos interesses da coletividade da qual ele mesmo faz parte.
Muito
além daquele “analfabeto político”, tão brilhantemente tipificado na famosa
obra de Bertolt Brecht, eis que surge no horizonte de nossa “sociedade da
informação”, uma nova e mais sutil versão: aquele cidadão que se dá ao trabalho
de disseminar publicamente equívocos absurdos de interpretação da legislação
eleitoral, induzindo a erro e causando danos incalculáveis ao exercício da
cidadania. Presta, este elemento, um autêntico desserviço à sua Nação e ao seu povo.
Todos os anos, principalmente próximo das eleições, nas redes sociais e no correio eletrônico, somos surpreendidos com a tal solução mágica do voto de protesto: alegam que, se mais de 50% dos eleitores votassem nulo... então, "voilà"!! As eleições seriam anuladas! E assim, a “corrente do bem” vai ganhando força entre os já bem desinformados cidadãos. Os mais empolgados, mas não menos equivocados, asseguram, mesmo sem qualquer base técnica ou jurídica, que a hipotética anulação do pleito impediria os antigos candidatos de concorrerem em novo pleito.
Embora
a maioria dessas campanhas sequer se dê ao trabalho de citar qualquer
embasamento legal, acredita-se que se escoram no artigo 224, caput, do
Código Eleitoral. Com efeito, em apressada análise pode-se chegar a essa
precipitada conclusão. Mas, de que “nulidade”, a lei eleitoral está tratando
neste dispositivo legal? Neste ponto, a fim de nortear a interpretação do eleitor,
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já se posicionou há muito: “(...) Para
fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, não se somam aos votos
anulados em decorrência da prática de captação ilícita de sufrágio, os votos
nulos por manifestação apolítica de eleitores. Levam-se em consideração somente
os votos atribuídos ao candidato eleito e condenado em razão de ofensa ao art.
41-A da Lei nº 9.504/97”.
O
TSE, portanto, explicitou duas categorias de voto nulo que não se confundem: Há
os votos anulados pela Justiça
Eleitoral, em virtude de comprovada captação ilícita de
manifestação eleitoral (compra de votos), de corrupção ou de fraude; e há o voto
anulado espontaneamente pelo eleitor, durante um pleito regular. Portanto, ainda que o voto nulo tenha alguma
relevância sob o aspecto sociológico, não possui qualquer força jurídica para
anular uma eleição.
Outra
pergunta crucial se impõe: a quem poderia interessar uma campanha pelo voto
nulo? Tal contexto só pode interessar a um tipo de político: àquele que precisa
comprar votos, ou que depende de seu restrito “curral eleitoral” para se
eleger. O cidadão desinformado não percebe que, com o seu formidável voto de protesto,
“dá um tiro no próprio pé”. Ele acaba ajudando decisivamente a eleger o
político corrupto que ele tanto detesta, pois quanto maior o número de votos
nulos e brancos, menor será o número de votos válidos, e consequentemente,
menor o quociente
eleitoral necessário para se eleger um candidato. Traduzindo: aquele que compra
votos, agora precisará comprá-los em menor número.
Mas
o eleitor iludido (mais uma vez), em geral ignora o efeito de sua conduta desastrosa.
Porém, pior do que aquele que anula seu voto por ignorância, é aquele que, ao
invés de se informar antes de falar/escrever, se dedica a disseminar informação
inverídica ou distorcida, gerando nefastos efeitos sobre inumeráveis outros cidadãos.
O prejuízo para a democracia é incalculável e de difícil reparação.
Devemos lembrar que uma
democracia plena se constrói à base de um tripé: informação de qualidade, participação
consciente e monitoramento da atuação dos representantes eleitos. Não basta
protestar ingenuamente no dia da votação. Nossa cidadania precisa finalmente
amadurecer, sair do mero protesto vazio e pueril para tornar-se instrumento ativo
de transformação de nossa sociedade.
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