quarta-feira, 16 de abril de 2014

Analfabetismo Político e Voto de Protesto



Analfabetismo Político e Voto de Protesto


O momento de uma eleição é mesmo ímpar... mas para alguns, a democracia se resume no uso da urna eletrônica no dia da votação. Eles se sentem sinceramente indignados com a corrupção, mas, além de reclamar, nada mais se sentem capazes de fazer. Nitidamente desinformados, insistem em enxergar a urna como algum tipo de latrina eletrônica, onde com ar solene, ele vomitará sua raiva, despejará sua frustração, ou apenas purgará sua torpeza, na forma de algum protesto patético, o qual seria simplesmente inútil, se não fosse de fato bastante danoso aos interesses da coletividade da qual ele mesmo faz parte.
Muito além daquele “analfabeto político”, tão brilhantemente tipificado na famosa obra de Bertolt Brecht, eis que surge no horizonte de nossa “sociedade da informação”, uma nova e mais sutil versão: aquele cidadão que se dá ao trabalho de disseminar publicamente equívocos absurdos de interpretação da legislação eleitoral, induzindo a erro e causando danos incalculáveis ao exercício da cidadania. Presta, este elemento, um autêntico desserviço à sua Nação e ao seu povo.

Todos os anos, principalmente próximo das eleições, nas redes sociais e no correio eletrônico, somos surpreendidos com a tal solução mágica do voto de protesto: alegam que, se mais de 50% dos eleitores votassem nulo... então, "voilà"!! As eleições seriam anuladas! E assim, a “corrente do bem” vai ganhando força entre os já bem desinformados cidadãos. Os mais empolgados, mas não menos equivocados, asseguram, mesmo sem qualquer base técnica ou jurídica, que a hipotética anulação do pleito impediria os antigos candidatos de concorrerem em novo pleito.
Embora a maioria dessas campanhas sequer se dê ao trabalho de citar qualquer embasamento legal, acredita-se que se escoram no artigo 224, caput, do Código Eleitoral. Com efeito, em apressada análise pode-se chegar a essa precipitada conclusão. Mas, de que “nulidade”, a lei eleitoral está tratando neste dispositivo legal? Neste ponto, a fim de nortear a interpretação do eleitor, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já se posicionou há muito: “(...) Para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, não se somam aos votos anulados em decorrência da prática de captação ilícita de sufrágio, os votos nulos por manifestação apolítica de eleitores. Levam-se em consideração somente os votos atribuídos ao candidato eleito e condenado em razão de ofensa ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97”.
O TSE, portanto, explicitou duas categorias de voto nulo que não se confundem: Há os votos anulados pela Justiça Eleitoral, em virtude de comprovada captação ilícita de manifestação eleitoral (compra de votos), de corrupção ou de fraude; e há o voto anulado espontaneamente pelo eleitor, durante um pleito regular.  Portanto, ainda que o voto nulo tenha alguma relevância sob o aspecto sociológico, não possui qualquer força jurídica para anular uma eleição.
Outra pergunta crucial se impõe: a quem poderia interessar uma campanha pelo voto nulo? Tal contexto só pode interessar a um tipo de político: àquele que precisa comprar votos, ou que depende de seu restrito “curral eleitoral” para se eleger. O cidadão desinformado não percebe que, com o seu formidável voto de protesto, “dá um tiro no próprio pé”. Ele acaba ajudando decisivamente a eleger o político corrupto que ele tanto detesta, pois quanto maior o número de votos nulos e brancos, menor será o número de votos válidos, e consequentemente, menor o quociente eleitoral necessário para se eleger um candidato. Traduzindo: aquele que compra votos, agora precisará comprá-los em menor número.
Mas o eleitor iludido (mais uma vez), em geral ignora o efeito de sua conduta desastrosa. Porém, pior do que aquele que anula seu voto por ignorância, é aquele que, ao invés de se informar antes de falar/escrever, se dedica a disseminar informação inverídica ou distorcida, gerando nefastos efeitos sobre inumeráveis outros cidadãos. O prejuízo para a democracia é incalculável e de difícil reparação.
Devemos lembrar que uma democracia plena se constrói à base de um tripé: informação de qualidade, participação consciente e monitoramento da atuação dos representantes eleitos. Não basta protestar ingenuamente no dia da votação. Nossa cidadania precisa finalmente amadurecer, sair do mero protesto vazio e pueril para tornar-se instrumento ativo de transformação de nossa sociedade.

Silvio Motta Maximino 

publicado no Jornal da Cidade - pág. 22 - 17/04/2014 

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