Pelo texto abaixo, é possível inferir algumas conclusões sobre como as relações míticas e aspectos ambientais naturais se mesclam e afetam a identidade étnica de um dado grupo.
Recomendo a leitura!
'Guaraná' de origem
Descubra como os índios Sateré-Mawé se tornaram exportadores do fruto que revelaram para o mundo. E como, por meio dele, estão se reinventando como povo
por
Xavier Bartaburu
Os índios
Sateré-Mawé se consideram “filhos do guaraná”, cuja palavra é de origem Sateré:
waraná, eles o chamam Guaraná em tempo de colheita é como um
olho que se abre. Ou muitos olhos, tantos quantos forem os frutos a madurar no
pé.
Começa por volta de novembro, quando o céu descarrega as primeiras chuvas do inverno amazônico e os cachos, metidos nas florestas do Médio Amazonas, revelam a semente preta que a casca do fruto até então escondeu. “Quando abre, é que tá no ponto de colher”, explica Idelcides Bastos, tuxaua (ou cacique) substituto da aldeia de Guaranatuba, uma das principais produtoras de guaraná na terra dos índios Sateré-Mawé. Então, por cerca de dois meses, ele e a família navegarão o igarapé que conduz aos guaranazais, onde gastarão um par de horas arrancando os olhos que já se abriram. Depois, com os cestos carregados, voltarão à aldeia para dar início ao longo processo de transformação dos frutos em pó. Será assim todos os dias durante a safra, tal como tem sido na aldeia de Guaranatuba há pelo menos 350 anos. Só que agora o guaraná de Idelcides vai quase todo para a Europa.
Começa por volta de novembro, quando o céu descarrega as primeiras chuvas do inverno amazônico e os cachos, metidos nas florestas do Médio Amazonas, revelam a semente preta que a casca do fruto até então escondeu. “Quando abre, é que tá no ponto de colher”, explica Idelcides Bastos, tuxaua (ou cacique) substituto da aldeia de Guaranatuba, uma das principais produtoras de guaraná na terra dos índios Sateré-Mawé. Então, por cerca de dois meses, ele e a família navegarão o igarapé que conduz aos guaranazais, onde gastarão um par de horas arrancando os olhos que já se abriram. Depois, com os cestos carregados, voltarão à aldeia para dar início ao longo processo de transformação dos frutos em pó. Será assim todos os dias durante a safra, tal como tem sido na aldeia de Guaranatuba há pelo menos 350 anos. Só que agora o guaraná de Idelcides vai quase todo para a Europa.
O dele e
de outros milhares de índios, moradores das mais de cem aldeias abancadas à
beira dos rios Andirá e Marau, numa área entre os municípios amazonenses de Parintins,
Maués e Barreirinha. Oito toneladas de guaraná, para ser exato, saem hoje das
terras Sateré-Mawé com destino aos mercados europeus. No rótulo, o selo de
“guaraná nativo”.
Justo: a região onde vivem os Sateré coincide com a zona onde o guaraná cresce em estado selvagem, na forma de um cipó. Coube a esses índios, no caso, o feito inédito de domesticar a planta (no chão, ela vira um arbusto) e transformá-la em alimento – uma descoberta que remonta a muitíssimas gerações, num ponto remoto do tempo em que a história dos Sateré-Mawé se confunde com sua própria mitologia.
Justo: a região onde vivem os Sateré coincide com a zona onde o guaraná cresce em estado selvagem, na forma de um cipó. Coube a esses índios, no caso, o feito inédito de domesticar a planta (no chão, ela vira um arbusto) e transformá-la em alimento – uma descoberta que remonta a muitíssimas gerações, num ponto remoto do tempo em que a história dos Sateré-Mawé se confunde com sua própria mitologia.
Corre uma
lenda entre eles de que o guaraná teria brotado a partir do olho enterrado de
uma criança morta – daí a forma do fruto. Dessa mesma criança, ressuscitada,
teria nascido também o primeiro Sateré-Mawé. Consideram-se, portanto, “filhos
do guaraná”. Ou seja, descendentes diretos da planta que revelaram para o
mundo. Guaraná, por sinal, é palavra de origem Sateré: waraná, eles o chamam. E
registros de seu uso já constam no primeiro relato que se tem desses índios, um
documento de 1669 escrito pelo missionário luxemburguês João Filipe
Bettendorff: “Têm os Andirazes em seus matos uma frutinha a qual secam e depois
pisam, fazendo delas umas bolas que estimam como os brancos o seu ouro. (...)
Desfeitas com uma pedrinha em cuia d´água, dão tanta força como bebida que,
indo à caça um dia até outro, não sentem fome, além do que tiram febres,
cãibras e dores de cabeça”.
Ou seja,
no momento do primeiro contato com o homem branco, os Sateré-Mawé não só já
cultivavam o guaraná como tinham pleno conhecimento de seus efeitos
estimulantes – convém registrar que a semente pode concentrar até cinco vezes
mais cafeína que o grão de café. Em pouco tempo, o fruto do guaranazeiro
tornou-se a mais valiosa mercadoria das terras Sateré. Relatos de viajantes no
século 19 já falam de um intenso comércio que descia o rio Madeira, levando
guaraná para lugares tão distantes quanto à Bolívia. Diante disso, não tardou
para que os caboclos de Maués seguissem o exemplo dos índios, plantando eles
mesmos seus próprios guaranazais. Depois que se descobriu a fórmula do
refrigerante, no começo do século 20, a produção aumentou de tal forma que
Maués foi, durante décadas, o lugar de origem de praticamente todo o guaraná
consumido no país. Isso só mudou nos anos 1990, quando lavouras mais produtivas
e resistentes na Bahia tomaram a dianteira.
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