interessantíssimo artigo tratando das características mais relevantes do método específico da Antropologia (enquanto ciência positiva), em especial do complexo e polêmico conceito de 'etnografia', partindo de uma cronologia desta ciência, desde o século XIX até o séc. XX. Ótima introdução à questão do método, para alunos e pesquisadores iniciantes na Antropologia.
Eu recomendo a leitura!
Silvio mmax.
Urpi Montoya Uriarte[2]
Resumo: Este artigo é uma tentativa de esclarecer a complexidade do método etnográfico e a sua relação intrínseca com a disciplina antropológica. É escrito num momento particular dentro das ciências humanas e sociais, no qual cada uma delas procura renovar ou enriquecer suas tradicionais formas de apreensão da realidade. O objetivo é mostrar a um público amplo que a adoção de um método surgido no interior de uma disciplina e com a qual há uma relação tão visceral, não é tarefa simples.
Malinowski com nativos das ilhas Trobriand (Nova Guiné) |
Publicado na Revues.org, um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França)
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É louvável o entusiasmo que a etnografia vem suscitando, nos últimos anos, em diversas áreas de conhecimento: se fala muito em “fazer etnografia”, adotar a “perspectiva etnográfica”, “etnografar” isto ou aquilo. Parece que todo mundo pode fazer etnografia. Até uma antropóloga, Barbara Tedlock, afirma isso ao dizer que “no mundo multicultural e rapidamente mutante de hoje, todos temos nos tornado etnógrafos” (apud Clifford, 1995). Em artigo recente, Mariza Correia conta como se surpreendeu ao, num congresso reunindo geógrafos, educadores, filósofos, sociólogos, perceber o quanto a etnografia estava na moda e quão difundida estava a ideia segundo a qual “todos podem ‘fazer etnografia’, e a todos é desejável uma ‘perspectiva etnográfica’” (Peirano, 2008, p. 3).
Com efeito, entendida apenas como método, ela estaria acessível a qualquer pesquisador em busca de algum. Mas, precisamente o que Peirano defende é que ela não é apenas uma metodologia ou uma prática de pesquisa, “mas a própria teoria vivida /.../ No fazer etnográfico, a teoria está, assim, de maneira óbvia, em ação, emaranhada nas evidências empíricas e nos nossos dados.” (2008: 3). A teoria e a prática são inseparáveis: o fazer etnográfico é perpassado o tempo todo pela teoria. Antes de ir a campo, para nos informarmos de todo o conhecimento produzido sobre a temática e o grupo a ser pesquisado; no campo, ao ser o nosso olhar e nosso escutar guiado, moldado e disciplinado pela teoria; ao voltar e escrever, pondo em ordem os fatos, isto é, traduzindo os fatos e emoldurando-os numa teoria interpretativa.
Mas afirmar que o campo é perpassado pela teoria não significa dizer que ele está submetido a ela. Por definição, a realidade superará sempre a teoria. Em outras palavras, o campo irá sempre surpreender o pesquisador. Sem cair em contradição, podemos afirmar que se um campo não nos surpreender, é porque não fomos o suficientemente bem formados! Justamente porque a formação antropológica consiste em nos abrirmos para a desestabilização:
“os discursos e práticas nativos devem servir,
fundamentalmente, para desestabilizar nosso pensamento (e,
eventualmente, também nossos sentimentos). Desestabilização que incide
sobre nossas formas dominantes de pensar, permitindo, ao mesmo tempo,
novas conexões com as forças minoritárias que pululam em nós mesmos.”
(Goldman, 2008, p.7).
Ou, em palavras de Favret-Saada (1990, apud Goldman, 2008), o que caracterizaria o antropólogo é essa formação para “ser afetado” por outras experiências. Por isso é que vamos a campo munidos de teorias e voltamos retroalimentando-as, transformando-as: “Agitar, fazer pulsar as teorias reconhecidas por meio de dados novos, essa é a tradição da antropologia” (Peirano, 2008: p. 4).
Então, nem todos podem ser etnógrafos. Há de haver uma formação teórica em antropologia, essa ciência que se dedica a “testemunhar outras humanidades” (Da Matta, 1992, p. 58) e “apregoar o anômalo”:
“Examinar dragões ; não domesticá-los ou abominá-los,
nem afogá-los em barris de teoria, é tudo em que consiste a
antropologia /.../ Temos procurado, com sucesso nada desprezível, manter
o mundo em desequilíbrio, puxando tapetes, virando mesas e soltando
rojões. Tranquilizar é tarefa de outros; a nossa é inquietar.
Australopitecus, Malandros, Cliques Fonéticos, Megalitos: apregoamos o
anômalo, mascateamos o que é estranho, mercadores que somos do espanto.”
(Geertz, 2001, p. 65)
C. Levi-Strauss, em pesquisa antropológica no Brasil |
Com efeito, no capítulo “Olhando para trás” do livro Tristes Trópicos, Lévi-Strauss conta como a sua aproximação da etnografia não foi por meio de um curso, mas pela vocação: “tal como acontece com as matemáticas ou com a música, a etnografia é uma das raras vocações autênticas. Podemos descobri-la dentro de nós mesmos sem nunca a termos aprendido.” (1979, p. 49). Assim, em palavras de Peirano, “a personalidade do investigador e sua experiência pessoal não podem ser eliminadas do trabalho etnográfico. Na verdade, elas estão engastadas, plantadas nos fatos etnográficos que são selecionados e interpretados.” (2008, p. 3,4).
O prestígio da etnografia é tal que, até entre os antropólogos, ela se tornou a forma mais simples de definir a nossa disciplina. Ou seja, o método se tornou mais conhecido do que a própria disciplina que o engendrou! Esse método marcou tanto a disciplina que até para os próprios antropólogos é mais fácil se definir por ele. Quando perguntados que diferencia há entre a Antropologia e outras ciências como a sociologia, a resposta imediata é o método. Como bem disse Geertz (2001), nos definimos em termos de um estilo de pesquisa, não em termos daquilo que estudamos[3].
Mas eu acredito, por definição, que temos de desconfiar de tudo, principalmente das modas. Enquanto fora da Antropologia, a etnografia está na moda, dentro da disciplina que a engendrou – a Antropologia – ela passa, há um certo tempo, por uma série de revisões críticas, reflexões epistemológicas e hermenêuticas.
A etnografia é o método da Antropologia e é conhecendo o que é esta disciplina e pelo que tem passado que podemos efetivamente entender em que ela consiste. O que estou dizendo é que as propostas metodológicas estão sempre inseridas numa disciplina (por mais indisciplinados que possamos ser), isto é, na forma como uma disciplina se desenvolveu. O método etnográfico – suas virtudes e vicissitudes – se entende apenas conhecendo como ele se desenvolveu dentro da Antropologia. O método cartográfico, dentro da Geografia. Assim como a proposta do “urbanista errante” só se entende dentro das limitações das formas tradicionais de enxergar a cidade por parte do Urbanismo[4].
Então, para entender como a etnografia tem apreendido e narrado a cidade – que são coisas bem diferentes –, vou começar falando sobre o que é a etnografia, como nasce, quando, o que tem postulado inicialmente, o que se postula hoje. Vou fazer um exercício extremo de síntese porque o que há a se dizer sobre ela corresponde, na matriz curricular da grande maioria dos departamentos de Antropologia, ao conteúdo inteiro de uma disciplina obrigatória de 68h.
A etnografia é um método próprio da Antropologia do século XX
A Antropologia do século XX é uma resposta crítica à Antropologia do século XIX: uma ciência que se pretendia histórica, que queria reconstituir a história dos povos humanos para explicar como alguns deles tinham chegado ao “estado de civilização” e muitos outros não, ficando em “estágios” anteriores de “selvageria” ou “barbárie”. Para reconstituir os diversos estágios, a Antropologia do século XIX se tornou a especialista em “povos primitivos”, que imaginava e analisava mediante a leitura de relatos de viajantes, expedições científicas, missionários ou informes das oficinas coloniais, material que, no século XIX, se tornou bastante volumoso se comparado ao existente nos séculos anteriores. Esses antropólogos trabalhavam em seus gabinetes, lendo esse material, deduzindo e especulando, que eram os dois procedimentos cognitivos próprios dessa fase da Antropologia.
Falavam, assim, dos hotentotes da África do sul, do “índio americano”, dos “índios canadenses”, sem nunca ter visto um “índio” de “carne e osso”. Perguntando certa vez se ela tinha visto um, James Frazer, o especialista em religião e magia nos ditos povos primitivos, respondeu: “Deus que me livre!”. Nessas condições, não era de se estranhar que os textos antropológicos fossem um acúmulo de afirmações e teorias etnocêntricas.
O panorama começa a mudar quando, no final do século XIX, os antropólogos passam a integrar as expedições científicas que se tornaram frequentes na segunda metade desse século. Pela primeira vez, veem os “índios”, nem que seja por pouco tempo, nas paradas rápidas das expedições, e nem que seja sem poder falar com eles, devido ao desconhecimento das línguas nativas. Foi numa dessas expedições, em 1914, que Bronislaw Malinowski, um jovem polonês, fazendo o seu doutorado em Antropologia na London School of Economics, foi parar nas ilhas Trobriand, onde ficou mais de três anos, aprendeu a língua nativa, colocou sua tenda no meio da aldeia deles e conviveu dia após dia entre os trobriandeses.
Dessa experiência nasceu, em 1922, o livro os Argonautas do Pacífico ocidental, e, com ele, a primeira formulação do que é o método etnográfico (que apresenta em sua Introdução)[5]. O que o levou a romper com a forma de conhecer própria da Antropologia anterior a ele? Na verdade, um acaso, para nós, um feliz acaso: enquanto súdito austríaco, na primeira guerra mundial, ele não poderia integrar a tripulação de um navio inglês, vendo-se obrigado a ficar quatro anos, até 1918, entre os territórios das ilhas Tulon, Trobriand e Austrália.
Essa longa estadia fez Malinowski refletir sobre o método que vinha sendo usado pela Antropologia. Tratava-se agora, ele propunha, do antropólogo conviver um longo período entre os “primitivos” que queria entender até passar despercebido por entre eles (ele acreditava que isso fosse possível). Somente essa experiência de trabalho de campo lhe permitiria captar o que ele chamou de “o ponto de vista do nativo”, essencial para conseguir uma visão completa do universo nativo. Com efeito, ele propôs que este universo poderia ser compreendido captando três tipos de informação: a numérica e genealógica, o cotidiano e as interpretações nativas. A estes três tipos de informação denominou o esqueleto o corpo e a alma, sendo as três fontes igualmente fundamentais.
Podemos deduzir facilmente que, ao conviver com os nativos e lhes conceder a palavra sobre si mesmos, a Antropologia do século XX foi se tornando cada vez menos etnocêntrica, ou seja, o discurso sobre o Outro – que é a Antropologia – deixou de ser centrado na sociedade do pesquisador e passou a ser relativizado com a vivência entre os nativos e sua visão deles mesmos. A Antropologia do século XX é, pois, o fruto de seu método, um método que surgiu de forma não planejada, que não foi o resultado de uma crítica teórica, mas de um descobrimento fortuito da importância de conviver e ouvir aqueles que pretendemos entender. Com o novo método, o seu objeto mudou: de “tribos”, “índios”, “aborígenes”, “bosquímanos”, “silvícolas”, “esquimós”, “primitivos” passamos a nos interessar nas sociedades humanas, todas e qualquer uma delas (“atrasada” ou “adiantada”, ocidental ou oriental, “moderna” ou “tradicional”, o bairro vizinho, a comunidade tal, a favela tal, as torres tal).
O quê nos interessa dessas sociedades? Sua Alteridade, sua singularidade, a sua outredade, o que faz essas sociedades serem o que são. A Antropologia é o lugar, dentro do espaço das ciências ocidentais, para pensar a diferença e o antropólogo é aquele que se interessa pelo Outro: um sujeito bastante raro, é verdade, porque em lugar de querer defender uma identidade, queremos ser atingidos pelo Outro, em vez que nos enraizarmos num território de certezas, buscamos o desenraizamento crônico que nos leva à busca pelo Outro. Somos como os Tupinambás descritos por Eduardo Viveiros de Castro (2002b): de uma “radical incompletude” que nos deixa absolutamente atraídos pela alteridade, com um “impulso centrífugo” que nos faz enxergar a alteridade não como problema, mas como solução.
O método etnográfico, assim, se torna inseparável da própria Antropologia, definida por Márcio Goldman como “o estudo das experiências humanas a partir de uma experiência pessoal” (2006, p. 167).
O método etnográfico
Mas o que é exatamente um método? É uma forma de nos aproximarmos da realidade que nos propomos estudar e entender. Se quisermos entender a vida urbana na cidade de Salvador, por exemplo, as possibilidades metodológicas são várias: podemos selecionar um grupo particular de nativos urbanos e estudá-los; estaremos usando o método de estudo de caso. Podemos escolher a trajetória de uma família e contar a sua história na cidade; estaremos usando o método biográfico. Podemos trabalhar com vários estudos de caso e estaremos usando o método comparativo. Podemos percorrer a cidade de forma lenta, corporificada e à deriva, estaremos usando o método do urbanismo errante. Ou podemos nos “jogar de cabeça” na vida de uma rua e estaremos usando o método etnográfico. O método etnográfico consiste num mergulho profundo e prolongado na vida cotidiana desses Outros que queremos apreender e compreender.
“o método etnográfico não se confunde nem se reduz a
uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as
circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e
apreensão do que um conjunto de procedimentos.” (Magnani, 2002, p.17).
Esse “modo de acercamento” ou “mergulho” tem suas fases. A primeira delas é um mergulho na teoria, informações e interpretações já feitas sobre a temática e a população específica que queremos estudar. A segunda fase consiste num longo tempo vivendo entre os “nativos” (rurais, urbanos, modernos ou tradicionais); esta fase se conhece como “trabalho de campo”. A terceira fase consiste na escrita, que se faz de volta para a casa. Nas linhas seguintes, falaremos sobre cada uma destas três fases.
Na linguagem corriqueira, confunde-se “trabalho de campo” com etnografia. Na verdade, o trabalho de campo não é invenção da Antropologia nem muito menos monopólio dela. Os geógrafos fazem trabalho de campo, assim como os geólogos e os psicólogos. Vão “a campo” muitos pesquisadores, desde finais do século XIX, para testar as teorias com materiais empíricos. Mas o “campo” antropológico supõe não apenas ir e ver ou ir e pegar amostras, mas algo mais complexo: uma co-residência extensa, uma observação sistemática, uma interlocução efetiva (língua nativa), uma mistura de aliança, cumplicidade, amizade, respeito, coerção e tolerância irônica (Clifford, 1999, p. 94). Em uma palavra, o trabalho de campo antropológico consiste em estabelecer relações com pessoas. Então, o quesito pessoas se torna central. O nativo do antropólogo são pessoas e não indivíduos abstratos, gente concreta, sujeitos nada genéricos:
“o que costumamos denominar ‘ponto de vista do
nativo’, não deve jamais ser pensado como atributo de um nativo genérico
qualquer, negro, de classe popular, ilheense, baiano, brasileiro ou uma
mistura judiciosa de tudo isso. Trata-se sempre de pessoas muito
concretas , cada uma dotada de suas particularidades, e sobretudo,
agência e criatividade.” (Goldman, 2003, p. 456).
A essas pessoas, damos voz, não por caridade, mas por convicção de que têm coisas a dizer. E essa voz não é monológica, é dialógica. O pesquisador e o nativo conversam, falam, dialogam. É nisso que consiste o cerne do método etnográfico: em trabalhar com pessoas, dialogando pacientemente com elas.
“Entendo a etnografia antes de tudo como maneira
específica de conhecer a vida social. Sua peculiaridade: sua
fundamentação existencial numa impregnação profunda, no pesquisador (em
seu corpo e sua alma, em sua inteligência e sensibilidade), da
imprescindibilidade da busca por aquilo que Eduardo Viveiros de Castro
denominou ‘diálogo para valer’ com o Outro sendo o conhecimento forjado
justamente a partir dos resultados desse diálogo.” (Frehse, 2011, p. 35)
As fases do trabalho de campo.
Para o antropólogo, o campo é, durante um bom tempo, uma incógnita, pelo simples fato de os “fatos” não existirem.
“o trabalho de campo é sobretudo uma atividade
construtiva ou criativa, pois os fatos etnográficos ‘não existem’ e é
preciso um ‘método para a descoberta de fatos invisíveis por meio da
inferência construtiva’ (Malinowski, 1935, vol.1, p.317)”. (Goldman,
2003, p. 456).
Como os fatos não existem para serem colhidos, fazer etnografia é uma tarefa difícil, densa, pois tudo aparece aos nossos olhos como confuso, sem sentido:
“a etnografia é uma descrição densa. O que o
etnógrafo enfrenta, de fato – a não ser quando (como deve fazer,
naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar
dados – é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas
delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente
estranhas, irregulares, inexplícitas, e que ele tem que, de alguma
forma, primeiro apreender e depois apresentar /.../ Fazer etnografia é
como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito
estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos...” (Geertz, 1989, p.20)
O campo não fornece dados, mas informações que costumamos chamar de dados. As informações se transformam em dados no processo reflexivo, posterior à sua coleta (Guber, 2005). Então, estamos falando de dois momentos em campo. No primeiro, o antropólogo registra informações mediante o ver e o ouvir, tão bem apontados por Cardoso de Oliveira como as “duas muletas que lhe permitem trafegar” (1998: 21). Porém, não se trata de um ouvir qualquer. É um ouvir que dá a palavra, não para ouvir o que queremos, mas para ouvir o que os nossos interlocutores têm a dizer. E falamos aqui em interlocutores – não informantes ou entrevistados – porque a palavra cedida se dá num contexto de diálogo, numa relação dialógica, e é nesse diálogo que os dados se fazem para o pesquisador.
A relação dialógica só é possível de ser estabelecida no meio de uma posição do antropólogo entre os nativos: a de observador-participante, que cria familiaridade e possibilita a “fusão de horizontes” da qual falam os hermenêutas, condição indispensável para um verdadeiro diálogo.
Assim, no primeiro momento, o que fazemos é coletar em forma de descrições. Descrevemos tudo, em detalhes. Transcrevemos longos depoimentos. Ficamos “perseguindo pessoas sutis com perguntas obtusas”, anotando tudo porque não sabemos o quê vai ser importante mesmo. Se os arqueólogos estão sempre com uma corda e o urbanista sempre desenhando croquis, o antropólogo está sempre com um caderno de campo, tomando nota de tudo.
Após um longo período de confusão e muitas anotações, vem a segunda fase do trabalho de campo, o da “sacada”, isto é, quando começamos a enxergar certa ordem nas coisas, quando certas informações se transformam em material significativo para a pesquisa.
“Também, a ‘sacada’ na pesquisa etnográfica, quando
ocorre – em virtude de algum acontecimento trivial ou não – só se produz
porque precedida e preparada por uma presença continuada em campo e uma
atitude de atenção viva. Não é a obsessão pelo acúmulo de detalhes que
caracteriza a etnografia, mas a atenção que se lhes dá: em algum momento
os fragmentos podem arranjar-se num todo que oferece a pista para um
novo entendimento, voltando à citação de Lévi-Strauss.” (Magnani, 2009,
p.136).
Conforme bem salientado na citação acima, a “sacada” só pode advir depois de um “certo” tempo. O trabalho de campo antropológico não pode ser de umas horas, alguns dias, umas semanas ou finais de semana, quando sobra tempo dos compromissos da universidade. A “sacada” advém do tempo em campo, pois só o tempo é capaz de provocar um duplo processo no pesquisador: por um lado, conseguir relativizar sua sociedade e, por outro, conseguir perceber a coerência da cultura do Outro.
Em palavras de Roberto Da Matta, o tempo possibilita que o antropólogo torne exótico (distante, estranho) o que é familiar e familiar (conhecido, próximo) o que é exótico (Da Matta, 1981, p. 144)
É conveniente admitir que este tempo – este contato direto e prolongado com o Outro – é um processo bastante sofrido. Por um lado, porque o pesquisador, longe de casa, no meio de um outro mundo, sente na pele a marginalidade, a solidão, a saudade. Mas, principalmente, porque não se estranha apenas o Outro: o processo de estranhamento afeta o próprio Eu. Nos tornamos seres desenraizados – é isso, afinal, que faz um antropólogo, segundo Lévi-Strauss – e que acaba se expressando no que Roberto Da Matta chamou de anthropological blues: uma mistura de sofrimento e paixão.
A formação teórica
Dissemos que a etnografia tem três momentos: a formação, o trabalho de campo e a escrita. A formação teórica é a bagagem indispensável para ir a campo. Não adianta se apressar para ir a campo sem ela, pois a capacidade de levantar problemas em campo advém da familiaridade com a bibliografia do tema. A “sacada” etnográfica só virá do tempo em campo e de nossa formação.
A nossa formação nos familiariza com as “sacadas” que tiveram todas as outras gerações de antropólogos prévias à nossa, com o qual aprendemos a ver. Ao cabo da formação do antropólogo o nosso olhar se torna um “olhar devidamente sensibilizado pela teoria disponível” e o nosso ouvido um “preparado para eliminar todos os ruídos” (Cardoso, 1998, p. 19, 21).
A nossa formação também consiste em, mediante a leitura de textos etnográficos múltiplos, aprender a ver pessoas, não indivíduos, pessoas com nomes, com posições, detentores de palavra, de saber. Somos igualmente ensinados a diferenciar a coisa do significado, o feito do dito, o emic (categorias do pesquisador) do etic (categorias do nativo). Enfim, aprendemos que
“o mundo não se divide em devotos e supersticiosos; que há esculturas nas selvas e pinturas nos desertos; que a ordem política é possível sem o poder centralizado /.../ que vemos a vida dos outros através das lentes que nós próprios polimos e que os outros nos vêem através das deles” (Geertz, 2001, p. 66).
A escrita
A terceira fase do fazer etnográfico advém após ter encontrado uma ordem das coisas (em diálogo com o nativo) e consiste em pormos as coisas em ordem para possibilitar a leitura por parte de um público que não esteve lá [6] e que nos lerá esperando que façamos um correto casamento entre teoria e prática.
Se tivermos de dizer qual das três fases etnográficas
é a mais difícil, diríamos certamente que é a da escrita, pois como
converter tantos dados num texto? Em quantos capítulos? De quê será cada
um? A teoria irá em um capítulo e os dados em outro? Por onde começar?
São perguntas que ansiosamente todos nos perguntamos quando nos vemos
diante de uma escrivaninha abarrotada de depoimentos, transcrições,
fitas, cadernos de campo, fotos, diário de campo, lembranças, sensações,
etc. A dificuldade advém da etnografia e a escrita serem duas coisas
radicalmente diferentes: a etnografia é uma experiência, uma experiência
do Outro para captar e compreender, depois interpretar, a sua
alteridade; a narrativa etnográfica é a transformação dessas
experiências totais em escrita, o que, necessariamente exige um mínimo
de coerência e linearidade que não são próprias da vivência. É essa
diferença ou distancia entre experiência e texto que nos ajuda a
entender o fundo da pergunta que Renato Rosaldo reproduz em seu texto Cultura y verdad: “como pessoas tão interessantes, que fazem coisas tão interessantes podem escrever coisas tão chatas?” (Rosaldo, 2000: 61)
Assim como a etnografia está ligada ao nome de Malinowski, a reflexão sobre diferença/distância entre experiência e texto está igualmente ligada a este nome. Por iniciativa da viúva e com uma introdução do antigo discípulo Raymond Firth, em 1967, se publica o Diário no sentido estrito do termo (1997), diário de Malinowski nas ilhas Trobriand, no qual ele fala de seu sofrimento, mal-humor, sua vontade de “dar o fora dali”, em que revela seu hipocondrismo, seu ódio dos mosquito e pulgas, seu desconforto de conviver com porcos e crianças barulhentas, as chantagens dos nativos para falar, seus desejos sexuais, o descompromisso dos informantes (chamados de estúpidos, insolentes, atrevidos), a saudade da Europa, das duas mulheres que amava, etc.
No mesmo ano, Clifford Geertz escreve uma resenha devastadora deste diário chamada “Under the mosquito net” em que vai se perguntar como é que Malinowski conseguiu convencer todo mundo sobre o ponto de vista do nativo sem nem sequer ter conseguido empatia alguma com os nativos? A resposta seria: pela forma de narrar, o que importa é o modo como se narra a experiência etnográfica, isto é, a narrativa, a escrita, o estilo. Na década de 1980, alguns discípulos de Geertz retomam a reflexão inicial do mestre e se reúnem num seminário em Santa Fé, cujas apresentações se publicam em 1984 no livro Writing Culture (editado por James Clifford e George Marcus). Este movimento – chamado de pós-moderno em Antropologia – vai refletir seriamente sobre como temos escrito sobre os Outros desde os tempos de Malinowski até agora.
Além da distância entre experiência e escrita, outra dificuldade do terceiro momento do fazer etnográfico radica no fato de não sermos apenas registradores de falas, tradutores da palavra nativa, transcritores do Outro. Somos autores, pois pôr as coisas em ordem – montar o quebra-cabeça – é um exercício criativo autoral. A criação faz dos textos antropológicos, ficções:
“os textos antropológicos são eles mesmos
interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. Trata-se,
portanto, de ficções; ficções no sentido de que são ‘algo construído’,
‘algo modelado’ – o sentido original de fictio – não que sejam falsas, não-factuais ou apenas experimentos de pensamento.” (Geertz, 1989, p. 25, 26).
Entretanto, o quebra-cabeça montado pelo antropólogo (a ordem proposta) tem de ser o suficientemente honesto para apresentar tanto as peças soltas quanto as peças montadas. Em palavras de Sahlins (2003), a realidade etnográfica não pode ser substituída pela compreensão dela. As peças soltas são a descrição densa, as peças montadas a interpretação proposta. Muitas vezes, o que resta destes trabalhos é muito mais a capacidade de apreender e descrever os dados, do que a ordem que construímos.
Darcy Ribeiro -trabalho de campo com indígenas brasileiros |
“Quem realmente estudou a obra de Nimuendajú sabe
como a monografia, The Apinayé (publicada em 1939) apresenta uma
narrativa com severos problemas descritivos, onde se observa uma
evidente ausência de ‘ordem’, sinal de que Nimuendajú escreveu esse
texto sem nenhuma teoria da sociedade a guiar seu trabalho de campo. Que
contraste, porém, quando cotejamos esse livro com o volume sobre a
sociedade Canela, publicado dez anos depois, sob a égide de Lowie que
editou o texto original de Nimuendajú (cf. Nimuendajú, 1946). Nele,
temos uma narrativa – um texto no melhor sentido de Ricoeur (1971) –
onde, em que pese os inúmeros problemas etnográficos que o especialista é
capaz de descobrir, o conjunto tem uma certa consição e unidade, a meu
ver, dois dos elementos críticos das modernas etnografias.” (Da Matta,
1992: 61)
A escrita é perpassada também pela questão do lugar desde onde fala o antropólogo. Há um certo tempo existe um consenso: a fala do antropólogo não se confunde com a do nativo porque ele, por mais perto que tenha chegado deste, simplesmente, não é um nativo. O Eu não é o Outro. Mas o Eu do antropólogo, sua voz, o posição desde a qual ele fala, não é tampouco daquele pesquisador que iniciou o trabalho de campo
“a natureza da explicação pela via etnográfica tem como base um insigth
que permite reorganizar dados percebidos como fragmentários,
informações ainda dispersas, indícios soltos, num novo arranjo que não é
mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi
suscitado por ele) nem aquele com o qual o pesquisador iniciou a
pesquisa.” (Magnani, 2002: 17).
Esse novo lugar é, diríamos, um entre-lugar, nem cá nem lá:
“É preciso pensar em que espaço se move o etnólogo
que está engajado numa pesquisa de campo e refletir sobre as
ambivalências de um estado existencial onde não se está nem numa
sociedade nem na outra, e no entanto está-se enfiado até o pescoço em
uma e outra.” (Da Matta, 1981, p. 153,4)
Viveiros de Castro deu uma brilhante resposta à pergunta que aqui nos ocupa: a voz do antropólogo não é a voz do nativo porque uma coisa é o que o nativo pensa e outra, o que o antropólogo pensa que o nativo pensa. O ponto de vista do antropólogo é, pois, o da sua relação com o ponto de vista do nativo (Viveiros de Castro, 2002). O seu é um discurso que advém de uma relação: mais uma vez, a experiência de diálogo “para valer” é o que marca a narrativa etnográfica.
Então, é o antropólogo que fala, mas esta fala advém de uma relação, o que significa dizer que há autoridade, mas esta convive com a fragilidade, e seria esta combinação, precisamente, a característica do discurso antropológico:
antropólogo Roberto da Matta |
Finalmente, o estilo. A narrativa etnográfica tem se caracterizado, segundo Marcus e Cushman (1998), pelo realismo etnográfico, isto é, pelo “modo de escrita que busca representar a realidade de todo um mundo ou de uma forma de vida” (Marcus, Cushman, 1998, p. 175). É o realismo etnográfico que explica essa importância da descrição nos textos etnográficos, dos detalhes, do cotidiano e, principalmente, das alusões ao “eu estive lá”: é a forma que temos de fazer aparecer, de certa forma, a totalidade, uma totalidade experimentada e partilhada pelo pesquisador. O resultado desta estratégia narrativa é a criação de um mundo, “que parece total e real para o leitor” (1998: 176). Contudo, estes autores distinguem entre o realismo etnográfico “clássico” e o “experimental”. Dentre outras características, no primeiro, encontra-se um abuso da terceira pessoa (“eles fazem, eles pensam”), uma ausência de pessoas concretas e um tratamento marginal das condições do trabalho de campo; já no segundo, mais recente, o personagem do etnógrafo é introduzido no texto, é dada uma voz direta aos nativos, é diferenciado o ponto de vista nativo e o ponto de vista do pesquisador, as condições do trabalho de campo são amplamente informadas e as descrições são contextualizadas, e não generalizadas como dentro do realismo “clássico”.
Conclusão
A conclusão é simples: a rigor, fazer etnografia não consiste apenas em “ir a campo”, ou “ceder a palavra aos nativos” ou ter um “espírito etnográfico”. Fazer etnografia supõe uma vocação de desenraizamento, uma formação para ver o mundo de maneira descentrada, uma preparação teórica para entender o “campo” que queremos pesquisar, um “se jogar de cabeça” no mundo que pretendemos desvendar, um tempo prolongado dialogando com as pessoas que pretendemos entender, um “levar a sério” a sua palavra, um encontrar uma ordem nas coisas e, depois, um colocar as coisas em ordem mediante uma escrita realista, polifônica e inter-subjetiva.
Finalizando, gostaria de frisar que dizer o que é a etnografia para um antropólogo não significa dizer que ela é “propriedade” nossa; significa, apenas, afirmar o quanto ela é complexa para nós. Como outras disciplinas podem se apropriar dela é uma outra questão, que ultrapassa o objetivo deste artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever. In: O trabalho do antropólogo. São Paulo: Unesp, Paralelo 15, 1998.
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[1] Estas páginas conformam a primeira parte de um artigo preparado por ocasião da participação da Profª Urpi Montoya Uriarte na disciplina “Apreensão da cidade contemporânea”, ministrada pela Profª Paola Jacques no PPGAU/UFBA, em abril de 2012.
[2] Antropóloga, professora adjunta do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, This e-mail address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it
[3] “O que fazemos que os outros não fazem, ou só fazem ocasionalmente, e não tão bem feito, é (segundo essa visão) conversar com o homem do arrozal ou a mulher do bazar, quase sempre em termos não convencionais, no estilo ‘uma coisa leva a outra e tudo leva a tudo o mais’ em língua vernáculo e por longos períodos de tempo, sempre observando muito de perto como eles se comportam.” (Geertz, 2001, p. 89,90). “A antropologia não se define por um objeto determinado: mais do que uma disciplina voltada para o estudo dos povos primitivos ela é, como afirma Merleau-Ponty, ‘a maneira de pensar quando o objeto é outro e que exige nossa própria transformação.” (Magnani, 2002, p. 16).
[4] O “urbanista errante” constitui uma proposta crítica que responde ao método – planejado e de cima – predominante no Urbanismo. O que Jacques (2006) propõe é uma postura de apreensão da cidade menos distante da experiência urbana, uma que retome as formas de apreender própria dos diversos errantes que existiram ao longo da história (andarilhos, flâneurs, surrealistas, situacionistas, artistas como João do Rio e Oitica, entre outros). Três seriam as características deste urbanista errante: se perder, ser lento e corporizar. Após ser ensinado a se orientar, o urbanista deveria aprender a se desorientar, se perder, para se reintegrar de uma outra forma, não-ensinada previamente; após viver mergulhado na velocidade do mundo moderno, ele teria de aprender o ritmo da lentidão; finalmente, no mundo da virtualidade o num mundo asseptizado, onde tudo se descorporiza, ele teria de aprender a corporizar novamente as coisas e as pessoas, isto é, usar, percorrer, experimentar, tocar, sentir, cheirar.
[5] Antes dele, nos Estados Unidos, o antropólogo Lewis Morgan visitou os iroqueses nos anos de 1844 e 1846, e o antropólogo Franz Boas, entre 1883 e 1884, conviveu entre os nativos da Terra de Baffin, e, logo depois, entre os Kwakiutl da ilha de Vancouver. Entretanto, o primeiro a formular a etnografia como método foi Bronislaw Malinowski, bem mais tarde, na referida introdução dos Argonautas (1922).
[6] Retomo aqui expressões de Sahlins para se referir às antropologias de Malinowski e Boas. Segundo Sahlins, o empirismo de Boas, em contraposição à teoria funcionalista de Malinowski, o levava a “um compromisso em encontrar ordem nos fatos, e não em colocar os fatos em ordem.” (Sahlins, 2003, p. 80).
Referência eletrônica:
Urpi Montoya Uriarte, « O que é fazer etnografia para os antropólogos », Ponto Urbe [Online], 11 | 2012, posto online no dia 14 Março 2014, consultado o 23 Fevereiro 2015. URL: http://pontourbe.revues.org/300 ; DOI:10.4000/pontourbe.300
Editor: Núcleo de Antropologia Urbana
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Documento acessível online em: http://pontourbe.revues.org/300
Documento gerado automaticamente no dia 23 Fevereiro 2015.
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