Crianças indígenas morrem mais de gripe e desnutrição
RUBENS VALENTE
em ATALAIA DO NORTE (AM)
Infecção e fome explicam quase um quinto das mortes de crianças com menos de um ano entre 2000 e 2012.
Taxa de mortalidade infantil entre índios em 2012 foi mais do que o dobro da média nacional no mesmo ano
A pequena Ingrid, filha do cacique da etnia mayoruna Antônio Flores, líder de uma aldeia com seu sobrenome no Vale do Javari (AM), teve apenas quatro dias de vida.
Na manhã do último domingo de março, dia 29, após o velório com parentes que vieram de aldeias a muitas horas de viagem pelo rio Solimões, o corpo do bebê foi enterrado em Atalaia do Norte (AM). A laje do túmulo foi improvisada com tijolos retirados do muro do cemitério.
A Folha presenciou a cena quando o cacique, falando em sua língua e traduzido por um primo, interpelou o enfermeiro no velório. Para Flores, a culpa pela morte foi o excesso de soro dado à criança no hospital de Tabatinga (AM). A causa oficial da morte foi infecção generalizada decorrente de problemas na gravidez.
A perda que atingiu a família se repetiu tragicamente em todo o território nacional entre 2000 e 2012. Dados do Ministério da Saúde obtidos pela Folha com a Lei de Acesso à Informação revelam que gripe e fome mataram 1.156 crianças indígenas de até um ano de idade no país, do total de 7.149 mortes no período.
Combinadas, as duas causas responderam por 16% de todos os óbitos, quase um quinto. As mortes por gripe representaram 13% do total, mais do que o dobro da média nacional para infecções respiratórias no período 2000-2011 na população brasileira de zero a cinco anos.
Entre os guaranis-caiuás, no Mato Grosso do Sul, 40 morreram de desnutrição, respondendo por 17% de todos as mortes do gênero entre os bebês indígenas no país, embora a etnia corresponda a 5% da população de índios brasileira. Outras 107 crianças xavantes morreram de gripe, ou quase 12% do total nacional.
SEM CAUSA
Os números indicam a persistência de alto número de mortes entre os ianomâmis. A taxa de mortalidade infantil saltou de 76 em 2000 para 150 em 2005, oscilou para 146 em 2011 e chegou a 133 em 2012.
A taxa de mortalidade infantil entre os índios em 2012, de 38 mortes para mil nascidos vivos, foi mais do que o dobro da taxa nacional observada nesse mesmo ano (15).
O levantamento expõe ainda a ausência de explicação para 1.001 mortes no período, cuja causa foi "mal definida ou desconhecida". Em 242 casos, o campo destinado à anotação da causa ficou vazio.
Além da fome, os pequenos guaranis-caiuás sofrem com a gripe. Setenta e três perderam a vida por causa da doença, o que correspondeu a quase 8% dos óbitos do gênero no país entre os índios.
Em Japorã (MS), onde vivem 5,2 mil guaranis-caiuás, o prefeito Vanderlei Bispo (PT) estimou que dez bebês indígenas morreram de desnutrição entre 2013 e 2015. "O atendimento de saúde não evolui. A estrutura é um paquiderme", disse o prefeito.
A prefeitura mantém com recursos próprios um centro de recuperação de índios desnutridos. O Ministério da Saúde colabora com transporte dos doentes e dois profissionais de saúde. Segundo Bispo, a situação seria pior se três médicos cubanos do programa Mais Médicos não tivessem passado a atender os indígenas.
Cobertura de vacinas crescerá, diz ministério
DE BRASÍLIA
O secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, Antônio Alves, disse que o órgão intensificou o trabalho de ampliação da cobertura vacinal na população indígena para reduzir as mortes por gripe e pneumonia.
Alves disse que a desnutrição é um problema grave e o órgão tem enfrentado isso com uso de "equipes de vigilância nutricional-alimentar" que identificam as crianças de baixo peso e alertam outros setores do governo para que forneçam cestas básicas.
Segundo Alves, no ano passado a campanha de vacinação atingiu 91,6% dos índios, índice superior à média nacional. Mas ele reconheceu que a vacinação não é suficiente para conter as mortes.
Para o secretário do ministério, não é adequado comparar a taxa de mortalidade infantil nas aldeias indígenas com a do resto do país. "Não dá para comparar alguém que mora na cidade, com acesso a água e condições ambientais totalmente diferentes", afirmou Alves. "A realidade é outra." (RV)
Falta de estrutura da rede de saúde prejudica comunidades
EM ATALAIA DO NORTE (AM)
No Vale do Javari, região de 8,5 milhões de hectares no coração da Amazônia de tamanho equivalente ao território da Áustria, a Secretaria Especial de Saúde Indígena enfrenta desafios para tentar conter a mortalidade infantil.
Algumas aldeias são tão distantes que os barcos gastam até 2 mil litros de gasolina para ir e voltar em 15 dias, segundo o coordenador da secretaria em Atalaia do Norte (AM), Heródoto Jean de Sales, 49. Uma simples viagem pode custar até R$ 15 mil.
Sales passou a alugar helicópteros em Tabatinga (AM) para casos de urgência, como vítimas de picada de cobra. Ele explicou que os índios também sofrem com os problemas estruturais da rede de saúde a que outros estão expostos em cidades da região.
Depois que o índio é socorrido pela Sesai, vai para os hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde). "Em Atalaia não se tem especialidade nenhuma", disse Sales. Casos complexos só são resolvidos em Manaus (AM), a 1.100 km.
"Na terra ianomâmi está ruim, mas onde não tem garimpeiro, nem Exército, está tudo contente, a criança com saúde", disse à Folha um dos líderes dos ianomâmi, Davi Kopenawa. "A comunidade está ruim onde tem garimpo."
FSP, 17/05/2015, Poder, p. A9
http://www1.folha.uol.com.br/
http://www1.folha.uol.com.br/
http://www1.folha.uol.com.br/
Crianças ianomâmis foram as que mais morreram, proporcionalmente e em termos absolutos, com 1.217 óbitos no período, ou 17% do total nacional, embora a etnia represente 2,5% dos índios no país.
http://pib.socioambiental.org/
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