O país dos chapéus
Ou a arte de educar por mágicas
Vivia
num país de céu cor de anil um rei que muito amava o seu povo e queria que ele
fosse inteligente. A prova de que não era inteligente estava no fato de que
aquele povo não sabia e não gostava de ler. O rei passava dias e noites
pensando: "Que fazer para que meu povo seja inteligente?" E, como não
sabia o que fazer para isso, ficou triste.
Viviam
naquele país dois espertalhões, chapeleiros por profissão. Ficaram sabendo da
tristeza do rei. E maquinaram um plano para ganhar dinheiro às custas dela.
Dirigiram-se ao palácio e anunciaram:
- Fizemos doutoramentos no exterior sobre a arte de tornar o povo inteligente.
- Fizemos doutoramentos no exterior sobre a arte de tornar o povo inteligente.
O rei
ficou felicíssimo: Por favor, expliquem essa ciência - disse.
-
Majestade, o que torna uma pessoa inteligente? Com essa pergunta, abriram
um álbum de fotografias.
- Veja.
Estão aqui as pessoas mais inteligentes da história. Em primeiro lugar, Merlin,
o maior dos magos. Note que tem um chapéu de feiticeiro na cabeça.
Viraram a página e lá estavam as fotos dos doutores de Oxford e Harvard. Todos eles de chapéu na cabeça.
Viraram a página e lá estavam as fotos dos doutores de Oxford e Harvard. Todos eles de chapéu na cabeça.
- Veja
agora o maior general de todos os tempos, Napoleão Bonaparte. Sabe Vossa
Excelência a razão por que ele perdeu a batalha de Waterloo? Um espião inglês
infiltrado lhe roubou o chapéu. Sem chapéu, não pôde competir com Wellington,
que usava chapéu.
E veja
agora os grandes gênios da humanidade: Sigmund Freud, Winston Churchill,
Santos Dummont, todos com chapéus na cabeça. Os chapéus dão inteligência.
Propomos,
então, um programa nacional: "Chapéus para todos".
Por pura
coincidência, somos chapeleiros e teremos prazer em ajudá-lo na sua cruzada
contra a burrice. Montaremos muitas fábricas e lojas de chapéus...
O rei
ficou entusiasmadíssimo e lançou a campanha: "Chapéus para todos".
Os
outdoors se encheram de slogans: "Prepare-se para o mercado de trabalho:
use um chapéu"; "Garanta um futuro para o seu filho: dê-lhe um
chapéu!".
A
indústria chapeleira progrediu. Até as cidades mais pobres anunciavam com
orgulho: "Também temos uma fábrica de chapéus...".
Agências
internacionais, sabedoras da campanha "chapéus para todos", mediram
os resultados dessa técnica pedagógica. Fizeram pesquisas para avaliar o efeito
dos chapéus sobre os hábitos de leitura do povo. Mas o resultado foi
desapontador. O número de chapéus na cabeça não era proporcional ao número de
livros lidos. O rei ficou bravo. Mandou chamar os chapeleiros e pediu
explicações.
-
Senhores, o povo continua burro. O povo não lê...
Os espertalhões não se apertaram.
Os espertalhões não se apertaram.
-
Majestade, é que ainda não entramos na segunda fase do programa. Um chapéu não
basta. Sobre o primeiro chapéu as pessoas terão de usar um pós-chapéu amarelo.
O rei acreditou. Tomou as providências para que todos pudessem ter pós-chapéus amarelos.
O rei acreditou. Tomou as providências para que todos pudessem ter pós-chapéus amarelos.
Daí para
frente quem só usava o primeiro não valia nada. Para conseguir um emprego, era
necessário usar os dois chapéus.
Mas nem
assim o povo aprendeu a ler.
Aí os espertalhões explicaram ao rei que faltava o chapéu que realmente importava: o vermelho.
Aí os espertalhões explicaram ao rei que faltava o chapéu que realmente importava: o vermelho.
O país
ficou conhecido como o país dos chapéus. Todo mundo tinha chapéu.
O
resultado da última pesquisa internacional sobre os hábitos de leitura do povo
do país dos enchapelados ainda não foi anunciado.
Assim,
ainda não se sabe sobre o efeito do chapéu pós-vermelho sobre os hábitos
alimentares da inteligência do povo. Mas uma coisa já é sabida: de todos, os
mais inteligentes são os chapeleiros...
Rubem Alves
Educador e escritor
Educador e escritor
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