As políticas educacionais têm se mostrado paupérrimas e obsoletas, nem
adaptadas aos propósitos neoliberais, muito menos ainda comprometidas com algum
projeto de transformação social.
Ao contrário, apesar dos discursos politicamente corretos e de dados
estatísticos questionáveis, o que se vê é uma prática sistemática de
desvalorização do profissional da educação, que já vem de muitos ontens. A
ordem é desmoralizar... iniciando pela filosofia e terminando com o educador.
Mudanças pontuais aqui e ali, aliadas a uma remuneração ridícula e a
péssimas condições de trabalho são a receita certa para o desastre. Estamos em
rota de colisão com o caos... Assim, não importa que filosofia ou pedagogia
seja adotada: todas fracassarão. E todos sabem disso, o que nos leva à questão
seguinte: a quem e por que interessa o caos na educação?
Cada um pode tirar suas próprias conclusões, considerando a
necessidade de se manter a imensa massa mergulhada na 'inapetência ética' que caracteriza
nossa época. O cidadão de segunda categoria não pode receber uma instrução
escolar tão ruim que ele seja incapaz de obedecer a instruções relativamente
complexas num ambiente cada vez mais 'tecnológico', nem tão qualificada a ponto
de torná-lo um sujeito crítico, apto a refletir e a exercer plenamente a
cidadania.
Filosoficamente falando, o pano de fundo é uma crise muito mais ampla
que costumamos chamar de “crise de paradigma”. Há uma crise visível em todos os
âmbitos: na religião, na ética, na política, no sistema financeiro e... na
educação, é claro.
O que não é facilmente visível é a sua causa. É aí que entra a
filosofia! Enquanto uns se ocupam com o visível, com o diagnóstico de sintomas
(papel das ciências), a filosofia vai em busca da causa oculta, da raiz do
fenômeno, busca pelos porquês. Se fracassamos na compreensão dos porquês,
fracassamos no resto.
Todo bom educador tem que ser um pouco filósofo às vezes. Só assim ele
continua vivo como professor, e escapa de tornar-se um funcionário burocrático.
A transdisciplinaridade, apontada como solução para a crise, só representa
solução quando se liga a uma ampla reforma do pensamento.
A inteligência que só é capaz de ver o mundo fragmentado é míope e,
minando as possibilidades de reflexão, torna-se irresponsável, amoral e
incapacitada de compreender o contexto em que vivemos hoje.
Mas, quem educará os educadores?
O filósofo francês Edgar Morin defende que “é necessário que se
auto-eduquem”. Ninguém vai nos presentear a autonomia da alma, nem
tampouco a capacidade de questionar e de mudar nossa própria
realidade. Esqueçam!
Ora, o poder está diluído e circula por toda a rede de relações
humanas, já alertou M. Foucault. Não está apenas na esfera política ou na
esfera econômica. Pelo professor também circula um poder: o poder de educar é
formidável, tem potencial para transformar mentes. Querem desacreditar o
professor de sua alquimia, de seu poder magnífico.
Quem somos nós, professores?
Qual nosso papel?
Afinal, a quê viemos??
Vamos preferir passar o nosso tempo destilando nosso ódio e mágoa pelo
sistema? Temos um projeto de mudança do nosso entorno? O que temos produzido? O
que temos oferecido ao mundo?
Educação e Cidadania
O treinamento puramente técnico não é suficiente. O cidadão tem o
direito de saber como funciona sua sociedade, a razão do procedimento técnico
no qual ele está sendo instruído, de refletir sobre as implicações positivas e
negativas da tecnologia, de conhecer seus direitos e deveres, conhecer sua
história.
Todos merecemos uma compreensão de nós mesmos enquanto seres
políticos, sociais, culturais. Como lembrou Morin, este é um dos papéis da
transdisciplinaridade: “formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de
seu tempo”.
O educando é um ser que está construindo sua identidade... e isto
pressupõe liberdade, autonomia. Por isso, não é possível voltar à escola de 40
anos atrás.
Quem ainda nutre este sonho, precisa acordar logo. Não adianta dizer:
ah! No meu tempo a escola era boa... Não era! E também não adianta dizer que
melhorou: mentira! Piorou, e muito!
A auto-educação docente é a chave.
É necessário e fundamental que a filosofia volte a dialogar com as
ciências particulares e estas, com a filosofia.
Por fim, é indispensável pensar que o educador precisa ser
"possuído" por eros: deve transpirar amor à ciência que ensina e amor
à pessoa para quem ensina!
O amor ainda é a única forma de escaparmos da armadilha de sempre pensarmos
"o outro como mero objeto para atingirmos um fim", ou ainda, apenas
como fonte de conflito, como gostava de ressaltar Sartre.
Urge que nos auto-superemos, transcendendo nossa própria condição
atual de mera engrenagem de um sistema que mostra todos os sinais de fadiga e
corrosão.
Silvio Motta Maximino -
Professor de Filosofia da Educação e
Antropologia
Texto publicado no dia 04/01/2009 no caderno JC Cultura, do Jornal da Cidade (Bauru)
(revisado em
julho/2011)
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