Excelente
reflexão de Osho sobre o problema do autocontrole, da vitimização, da
liberdade, do carma... uma sábia análise sobre a origem dos nossos problemas de
relacionamento.
A
questão da responsabilidade pessoal sobre tudo que nos acontece também é
abordada aqui. Não somos sujeitos passivos que sofrem a ação do inferno
e do céu, externos a nós mesmos...
Tanto um, quanto o outro, não estavam aqui aqui no mundo antes de nós
chegarmos. Eles acontecem porque estamos aqui!
Vale a pena ler:
Os hábitos obrigam você a fazer certas coisas; você é uma vítima. Os hindus dão a isso o nome de karma.
Cada ato que você repete, ou cada pensamento — porque os pensamentos
também são ações mentais sutis — fica cada vez mais forte. E então você
fica sob o domínio dele. Fica preso ao hábito. Você passa a viver a vida de um prisioneiro, de um escravo.
E esse aprisionamento é muito sutil; a prisão é feita de hábitos, de
condicionamentos e de ações que você praticou. Tudo isso está em torno
do seu corpo e você fica todo emaranhado, mas continua se fazendo de tolo, achando que é você quem está decidindo.
Quando fica zangado, você acha que é você quem decide ficar.
Você racionaliza e
diz que a situação exigiu esse comportamento: “Eu tive de ficar
zangado, senão a criança ficaria malcriada. Se eu não ficasse zangado,
as coisas dariam errado, o escritório ficaria um caos. Os empregados não
ouviriam; tive de ficar zangado para pôr as coisas em ordem. Para
colocar minha mulher em seu devido lugar, tive de ficar zangado.” Essas
são as racionalizações — é assim que seu ego continua a pensar que você ainda está no comando. Mas você não está.
A
raiva é fruto de velhos padrões, do passado. E, quando ela irrompe,
você tenta achar uma desculpa para ela. Os psicólogos têm feito
experiências e chegaram às mesmas conclusões que a psicologia esotérica
oriental: o ser humano é uma vítima, não é senhor de si mesmo.
Os
psicólogos deixaram as pessoas em isolamento, com todo conforto
possível. Tudo o que lhes fosse necessário era proporcionado, mas elas
não tinham contato nenhum com outros seres humanos. Viveram em
isolamento numa cela com ar-condicionado — sem ter de trabalhar, sem ter
nenhum problema, mas continuaram com os mesmos hábitos. Numa manhã, sem
nenhuma razão — porque elas tinham todo conforto, não havia com que se
preocuparem, nenhuma desculpa para ficarem zangadas —, um homem descobriu de repente que começava a sentir raiva.
Ela
está dentro de você. As vezes, surge uma tristeza sem nenhuma razão
aparente. E, às vezes, aflora um sentimento de felicidade, euforia ou
êxtase. Um homem destituído de todos os relacionamentos sociais, isolado
num ambiente com todo conforto, em que todas as suas necessidades são
satisfeitas, passa por todos os estados de ânimo pelos quais você passa
num relacionamento. Isso significa que alguma coisa vem de dentro e você a associa a outra pessoa. Isso é só uma racionalização.
Você se sente bem, você se sente mal e esses sentimentos borbulham da sua própria inconsciência, do seu próprio passado. Ninguém é responsável, exceto você.
Ninguém pode deixar você zangado ou feliz. Você fica feliz por sua
própria conta, fica zangado por sua própria conta e fica triste por sua
própria conta. A menos que perceba isso, você continuará para sempre um escravo.
O domínio do seu próprio eu você conquista quando percebe: “Sou absolutamente responsável por tudo o que me acontece. Seja o que for que acontecer, incondicionalmente — sou inteiramente responsável.”
A
princípio, isso o deixará extremamente triste e deprimido, porque,
quando pode jogar a culpa nos outros, você fica tranquilo e certo de que
não é você quem está errando. O que você pode fazer se a sua mulher
está se comportando dessa forma tão desagradável? Você tem de ficar com
raiva. Mas, veja bem, a sua mulher está se comportando dessa forma por
causa dos seus próprios mecanismos interiores. Ela não está sendo
desagradável com você. Se você não estivesse ali, ela seria desagradável
com o filho. Se o filho não estivesse ali, ela seria desagradável com a
pia cheia de louça; ela jogaria toda a louça no chão. Quebraria o
rádio. Ela teria de fazer alguma coisa; esse sentimento afloraria nela.
Foi pura 'coincidência' o fato de você estar ali, lendo seu jornal, e ela ter sido desagradável com você. Foi pura 'coincidência' o fato de você estar ali, à disposição, no momento 'errado'.
Você
está com raiva não porque sua mulher foi desagradável — ela pode ter
criado toda a situação, mas isso é tudo. Ela pode ter lhe dado a
oportunidade de ficar com raiva, uma desculpa para ficar com raiva, mas a
raiva estava borbulhando. Se a sua mulher não estivesse ali, você teria
ficado com raiva do mesmo jeito — com outra coisa, com alguma ideia,
mas a raiva tinha de aflorar. Ela era algo que vinha do seu próprio inconsciente.
Todo mundo é responsável, totalmente responsável, pelo seu próprio ser e pelo próprio comportamento.
No começo, essa constatação fará com que você fique muito deprimido,
pois você sempre achou que quisesse ser feliz — então, como você pode
ser responsável pela sua infelicidade? Você sempre almejou um estado de
bem-aventurança, então como pode decidir ficar com raiva? É por causa
disso que você joga a responsabilidade nas costas dos outros.
Se
continuar a jogar a responsabilidade nas costas dos outros, lembre-se
de que você vai continuar sendo sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém.
Como é possível mudar outra pessoa? Será que, algum dia, alguém já
conseguiu mudar outra pessoa? Um dos desejos mais insatisfeitos deste
mundo é mudar o outro. Ninguém conseguiu fazer isso até hoje, é
impossível mudar o outro, pois ele é dono da própria vida — você não
pode mudá-lo.
A mudança básica precisa acontecer dentro de você.
Você
continua a jogar a responsabilidade nas costas do outro, mas não pode
mudá-lo. E como você continua a jogar a responsabilidade nele, você
nunca verá que a responsabilidade básica é sua. A mudança básica precisa acontecer dentro de você.
Você
cai numa armadilha: se começa a achar que você é responsável por todas
as suas atitudes, por todos os seus estados de ânimo, a princípio, você é
tomado por um sentimento de depressão. Mas, se conseguir vencer essa
depressão, logo você sentirá luz, pois estará livre das outras pessoas.
Agora poderá trabalhar em si mesmo. Poderá ser livre, poderá ser feliz.
Mesmo que o mundo inteiro esteja infeliz e cativo, isso não vai fazer a
mínima diferença. A primeira libertação é parar de pôr a culpa nos outros, a primeira libertação é saber que você é o responsável. Depois disso, muitas coisas passam a ser imediatamente possíveis.
Se continuar a jogar a responsabilidade nos ombros dos outros, não se esqueça de que será para sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém. Como é possível mudar outra pessoa? Alguém já conseguiu isso antes?
Independentemente
do que esteja acontecendo com você — se estiver triste, simplesmente
feche os olhos e observe sua tristeza. Procure saber aonde ela leva,mergulhe fundo dentro dela.
Logo você encontrará a causa. Pode ser que você tenha de percorrer um
longo percurso, pois toda a sua vida está envolvida nisso; e não só esta
vida, mas muitas outras que você já viveu. Você encontrará muitas
feridas em si mesmo, que machucam, e por causa dessas feridas você está
triste — elas estão tristes; essas feridas não cicatrizaram ainda; ainda
estão abertas.
O método de retroceder até a fonte, ir do efeito até a causa, curará essas feridas. Como curá-las? Por que curá-las? Qual é o fenômeno implicado nisso?
Sempre que faz uma retrospectiva, a primeira coisa que você deixa de lado é a mania de pôr a culpa nos outros,
pois se faz isso você acaba se voltando para as circunstâncias
externas. Nesse caso, todo o processo está errado: você tenta encontrar a
causa em outra pessoa: “Por que minha mulher foi tão desagradável?” Aí a
vontade de saber “por que” faz com que você continue a investigar o
comportamento da sua mulher. Você errou o primeiro passo e todo o
processo fracassará.
“Por que estou infeliz? Por que estou com raiva?” — feche os olhos e deixe que isso seja uma meditação profunda.
Deite-se no chão, feche os olhos, relaxe o corpo e sinta a razão por
que está com raiva. Simplesmente esqueça sua mulher; isso é só uma
desculpa — A, B, C, D, seja o que for, esqueça a desculpa. Basta que
mergulhe profundamente dentro de si, mergulhe na raiva.
Use a própria raiva como um rio; você flui dentro dessa raiva e ela o leva para dentro de si mesmo.
Você descobrirá feridas sutis em seu interior. A sua mulher pareceu
desagradável porque ela tocou numa ferida sutil que você tem, algo que
ainda dói. Você nunca se achou atraente, nunca achou seu rosto bonito e
existe uma ferida aí dentro. Quando sua mulher foi desagradável, ela fez
com que você ficasse consciente do seu rosto. Ela diz; — Vá e se olhe
no espelho! — isso dói. Você tem sido infiel à sua mulher e, quando quer
ser desagradável, ela toca novamente nesse assunto: — Por que você
estava rindo com essa mulher? Por que parecia tão feliz sentado ao lado
dela? — ela toca uma ferida. Você tem sido infiel, sente-se culpado; a
ferida está aberta.
Feche os olhos, sinta a raiva e deixe que ela aflore totalmente de modo que você possa ver como ela é. Então deixe que essa energia o ajude a voltar ao passado, pois a raiva vem do passado.
Não pode vir do futuro, é claro. O futuro ainda não passou a existir.
Ela também não vem do presente. É nisso que se baseia toda a teoria do karma,
ela não pode vir do futuro porque o futuro ainda não existe; não pode
vir do presente porque você nem sabe o que ele é. Só as pessoas que
despertaram sabem o que é o presente.
Você vive exclusivamente no passado, portanto, essa raiva só pode ter vindo de algum lugar do seu passado.
A ferida tem de estar em algum lugar da sua memória. Volte. Pode não
haver apenas uma ferida, pode haver várias — pequenas, grandes. Mergulhe
fundo e encontre a primeira ferida, a fonte original de toda a raiva.
Você conseguirá encontrá-la se tentar, pois ela já está ali. Está ali;
todo o seu passado está ali.
É
como um filme, rodando e aguardando interiormente. Você faz com que ele
rode, começa a assisti-lo. Esse é o processo de retroceder até a causa
original. E essa é a beleza de todo o processo. Se você conseguir
retroceder conscientemente, se conseguir sentir conscientemente uma
ferida, ela imediatamente cicatrizará.
Por que ela cicatriza? Porque a ferida é criada pela inconsciência, pela falta de percepção consciente. A ferida faz parte da ignorância, do sono.
Quando você volta ao passado com consciência e olha essa ferida, a
consciência se torna uma força de cura. No passado, quando a ferida se
abriu, isso aconteceu na inconsciência. Você ficou com raiva, foi
possuído pela raiva, e fez alguma coisa. Matou um homem e teve de
esconder esse fato do mundo. Você pode escondê-lo da polícia, pode
escondê-lo dos tribunais e da justiça, mas como pode escondê-lo de si
mesmo? — você sabe, isso dói. E, sempre que alguém lhe der a
oportunidade de ficar com raiva, você vai ficar com medo, porque pode
acontecer novamente, você pode matar sua mulher. Volte ao passado, pois
nesse momento em que você assassinou um homem ou se comportou como um
louco homicida, você estava inconsciente. Na inconsciência, essas feridas têm sido conservadas. Agora faça conscientemente uma retrospectiva.
Fazer uma retrospectiva significa voltar conscientemente às coisas que você fez na inconsciência. Volte — só a luz da consciência cura; ela é uma força de cura. Tudo o que você puder fazer conscientemente será terapêutico e não machucará mais.
O
homem que volta ao passado se liberta dele. Como o passado deixa de
interferir, ele passa a não ter mais poder sobre ele e chega a um ponto
final. O passado não tem nenhum espaço no seu ser. E, quando o passado não tem nenhum espaço no seu ser, você fica disponível para o presente; nunca antes disso.
Você precisa de espaço —
o passado está tão entranhado dentro de você — é um armário cheio de
coisas mortas — que não há espaço para o presente entrar. Esse armário
continua sonhando com o futuro, portanto, metade dele está cheia do que
não existe mais e a outra metade está cheia com o que não existe ainda. E
o presente? — está simplesmente esperando do lado de fora. É por isso que o presente nada mais é do que uma passagem, uma passagem do passado para o futuro, só uma passagem momentânea.
Liquide com o passado — a menos que liquide com ele, você vai viver uma vida-fantasma.
Sua vida não é verdadeira, não é existencial. O passado vive por seu
intermédio, os mortos continuam assombrando você. Volte ao passado —
sempre que tiver uma oportunidade, sempre que alguma coisa acontecer
dentro de você. Felicidade, infelicidade, tristeza, raiva, ciúme — feche os olhos e faça uma retrospectiva.
Logo
você vai aprender a viajar ao passado. Logo vai conseguir voltar no
tempo e, então, muitas feridas irão se abrir. Quando essas feridas se
abrirem dentro de você, não comece a fazer nada. Não é preciso fazer
nada. Simplesmente observe, olhe, vigie. A ferida está ali — você simplesmente observa, concentra sua energia de atenção na ferida, olha para ela.
Olhe
para ela sem fazer nenhum julgamento — pois, se julgar, se disser:
“Isso é ruim, não deveria estar aqui”, a ferida se fechará novamente.
Então ela terá de se esconder. Sempre que você condena, a mente tenta
esconder as coisas. É assim que o consciente e o inconsciente são
criados. Do contrário, a mente seria uma coisa só; não seria preciso
nenhuma divisão. Mas você condena — então a mente tem de dividir e
colocar as coisas no escuro, no porão, para que você não possa vê-las e
não seja preciso condená-las.
Não condene, não avalie. Seja simplesmente uma testemunha, um observador imparcial. Não negue. Não diga: “Isso não é bom”, pois isso é uma negação e você começou a reprimir.
Seja imparcial. Só observe e olhe. Olhe com compaixão e a cura se efetuará.
Não me pergunte por que isso acontece, pois é um fenômeno natural —
assim como a água evapora quando chega aos cem graus. Você nunca
pergunta: “Por que a água não evapora quando chega aos noventa graus?”
Ninguém pode responder a essa pergunta. Simplesmente acontece de a água
só evaporar aos cem graus. Não há dúvida disso, e a dúvida é
irrelevante. Se ela evaporasse aos noventa graus, você questionaria. Se
evaporasse aos oitenta, você ia querer saber por quê. É simplesmente
natural que a água evapore aos cem graus.
O mesmo vale para a natureza interior. Quando uma consciência imparcial, compassiva, toca uma ferida, essa ferida some — evapora.
Não existe explicação para isso. É simplesmente natural, é como as
coisas são, é o que acontece. Quando digo isso, falo por experiência
própria. Tente e você constatará o mesmo. É fato.
Osho, em "Consciência: A Chave Para Viver em Equilíbrio"
Imagem por Enrique Rey
Publicado no blog palavras de Osho
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