Muito além do Jardim
Antes de aprofundarmos nos aspectos mais interessantes do filme, alguns dados históricos:
O filme é uma adaptação para o cinema, da obra “Being There”, de Jerzy Kosinski (1933-1991), publicado em 1970, feita por Hal Ashby (lançado em 1979). No Brasil, o filme também recebeu o título de “O Videota”.
No filme, Peter Sellers interpreta Chance, um homem ingênuo que nunca havia saído dos limites da casa de seu patrão e que passou sua vida toda cuidando do jardim e... vendo televisão. Ele nunca conheceu outras pessoas, além dos poucos funcionários da casa. Então, o que ele conhecia do mundo advinha basicamente do seu ofício de jardineiro e do “lixo cultural” advindo dos programas e propagandas que assistia pela TV.
A situação dele de fato se complica quando seu patrão (dono da casa) morre. O protagonista é então despejado e, pela primeira vez, é forçado a interagir com pessoas desconhecidas que encontra nas ruas de Nova Iorque. Por conhecer apenas o mundo a partir da cosmovisão distorcida apresentada pela TV, sua ingenuidade o coloca em situações críticas, ao mesmo tempo engraçadas e perigosas. Como ele não possui os condicionamentos socioculturais, ele não reconhece situações de risco e tampouco tem noções de autodefesa (para se ter uma ideia, quando encontra uma gangue na rua, tira o controle remoto da TV que estava em seu bolso para tentar "desligar" os delinquentes).
Mas o jardineiro Chance, curiosamente, não se preocupa com nada disso, já que não se é consciente da sua condição. Se por um lado é ingênuo e vulnerável, por outro lado, sua apatia o leva a nada temer, nada o deixa inseguro, ansioso, amedrontado ou envergonhado.
Ele não se autodespreza, nem superestima a si próprio diante dos desafios que surgem naturalmente à frente dele. É assim que, aos poucos, de tanto se mostrar autoconfiante e destemido, acaba impressionando outras pessoas que passam a admirá-lo e, consequentemente, a superestimar suas falas, por mais simplórias que sejam, passando a interpretá-las como se fossem profundas metáforas de teor político-existencial ou filosófico.
Vê-se que o jardineiro fala do que conhece: flores, árvores, estações do ano... além, é lógico, de frases prontas que repete mecanicamente de tanto assistir TV. Contudo, por falar apenas do que conhece, fala com convicção, e assim ganha respeito.
Então, embora Chance fale objetiva e estritamente da “jardinagem e das coisas do jardim”, as pessoas insistem em buscar um significado oculto mais profundo onde simplesmente não há nada além da descrição de acontecimentos naturais. E é assim que, inusitadamente, a maioria dos que interagem com ele, acabam tomando-o como um erudito respeitável, um tipo de 'sábio contemporâneo'.
É fato que, nas sociedades humanas em geral, em todos os tempos, as pessoas se sentem carentes de bons conselheiros. Buscamos pessoas aparentemente mais inteligentes, mais cultas, mais fortes ou mais experientes que nós... esse não é o problema. O problema começa quando buscamos ansiosamente por “modelos” de conduta, anulando nosso próprio senso crítico ee de reflexão. Quando nos encantamos demasiado com os “super-homens”, passamos a superestimar suas capacidades, em detrimento do nosso próprio bom senso e capacidade de discernimento.

