“A existência precede a essência”
Existo! logo, sou. Eis o princípio radical do existencialismo de Jean-Paul Sartre. Mas para entendê-lo, é preciso antes recordar a idéia de essência: “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é, e não outra coisa”.
Assim, num objeto (como um livro, por exemplo) sua essência precede sua existência porque seu artífice o cria segundo um modelo. Já, com o homem é distinto: Como Sartre não vê sentido na idéia de um Deus/Criador, parece-lhe evidente que “o homem primeiro existe, se descobre, surge no mundo”... para só depois se definir. Ele só será algo na medida em que a si próprio se conceber e desejar... e mais: na justa medida em que se fizer. Assim, não há “natureza humana” pré-concebida, o que implicaria num criador que não há em tempo algum. O que há é a pura “condição humana”, pura possibilidade.
O fato de Sartre ter ficado preso num campo de concentração nazista certamente marca sua dramaturgia e filosofia. Seu problema fundamental é a ética, o eterno e inevitável problema da escolha. Para ele, o Homem sempre é e sempre tem diante de si possibilidades. Sendo essencialmente livre, é ele mesmo o criador de seus valores e deve ao agir, assumir plena responsabilidade pelas opções que fizer. Uma essência humana pré-existente seria a negação do livre-arbítrio. Este que é responsável por si, deve também se responsabilizar por toda a humanidade, já que seu projeto de liberdade só pode se realizar nela. Daí a necessidade do engajamento político e social, do qual o próprio Sartre foi um exemplo.
Por outro lado, essa mesma responsabilidade gera um problema novo e cruciante: a angústia existencial que trazemos. Obrigatoriamente devemos escolher. Temos aí um paradoxo: Apesar de todas as pressões, da sociedade e dos fatores hereditários, a escolha é inevitável, condenados que estamos à liberdade. Isto implica que o Homem está só e sem desculpas. Ele não tem a que se apegar: nem a Deus, nem ao destino, nem ao inconsciente freudiano...
O obstáculo à liberdade surge diante da existência do outro, para quem este ser humano se torna objeto. Sartre vê duas saídas: o reconhecimento e admissão do ser amado como sujeito livre (o que implica reciprocidade); ou a opção do puro desejo de usar o outro como instrumento, ferindo sua liberdade. Desta opção brota o conflito e o ódio. Como não se tolera a liberdade do outro, ocorre a aniquilação do outro. A relação primordial com outrem é o conflito. Este é o problema ético central, que só é possível de se discutir porque afinal, somos livres.
Além disso, não há justificativa a ser buscada para a existência, para o cotidiano ou para a morte. Daí que a vida parecerá resultar sem sentido e os problemas, sem significação. O conceito de "náusea" (utilizado em seu romance homônimo), surge justamente neste ponto em que cada um, solitário, se defronta com a “realidade” e o absurdo da condição humana e da gratuidade de tudo. A náusea vem da consciência de que o mundo e nós mesmos somos desprovidos de “razão de ser”: não há propósito ou finalidade pré-definida.
O ser humano, no existencialismo, não é um ser "em si" (como uma cadeira ou uma pedra); ele é um "para si". Sua consciência não tem conteúdo e ao sentir esse vazio, o ser humano experimenta o que nenhum outro ente poderia vivenciar: a angústia da escolha. Sartre, neste ponto, recomenda a honestidade. Muitos não suportam essa angústia e covardemente se refugiam na má fé: Preferem imaginar um deus, um destino... dissimulam-se para si mesmos, a fim de evitar uma escolha que os tornará responsáveis. Assim, recusam sua dimensão básica e são como coisas (um mero "em si"). Sartre propõe em sua obra O Ser e o Nada que o nosso ponto de partida deve ser nosso "projeto" de vida individual, já que o valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo.
Este projeto, contudo, não prescinde da ação, pois é esta ação que define este mesmo Homem. Em Sartre, é irrelevante o que as circunstâncias fazem do homem, "mas o que ele faz a partir do que fizeram dele".
Sartre trata de extrair todas as conseqüências do ateísmo/materialismo, desembocando num humanismo radical. Ele acaba, porém, se colocando nos limites da própria contradição filosófica ao afirmar ser a moral impossível já que não há afirmações gerais verdadeiras sobre o que os homens devem ser e, ao mesmo tempo, afirmar que a realização do homem implica um comportamento moral, de compromisso com toda a humanidade...
E agora José?
Nenhum comentário:
Postar um comentário