sábado, 9 de fevereiro de 2013

Surgimento e Queda de Paradigmas: Há progresso na Ciência?



Surgimento e Queda de Paradigmas
Há progresso na ciência?


Comte - Pai do Positivismo

Houve um tempo em que se pensava que a ciência (assim como ocorreria com a sociedade) evoluia e progredia continuamente, de modo ininterrupto. Tal noção de evolução e de progresso contínuos parte da suposição aparentemente óbvia de que o tempo é uma linha reta sem interrupção, homogênea. Contínuo e cumulativo, o tempo garantiria aperfeiçoamento a todos os seres (naturais e humanos), bem como a todos os produtos culturais de uma certa sociedade. 






 A ideia do Evolucionismo que afetou tanto as ciências naturais quanto as ciências humanas no século XIX, implica na concepção do progresso como lei absoluta e está embasada na crença da superioridade do momento presente em relação ao passado, bem como do futuro em relação ao momento presente. Assim, “europeus civilizados” seriam superiores aos africanos e aos índios, já que as culturas desses últimos eram tecnologicamente menos desenvolvidas, visivelmente “primitivas”, atrasadas e anacrônicas. Já, a cultura tecnologicamente sofisticada dos europeus indicaria sinais inequívocos de progresso, de evolução e, portanto, de superioridade.  Entre as próprias ciências, a física de Galileu e Newton seria, portanto, superior à aristotélica, a física quântica, por sua vez, seria superior à de Galileu e Newton. Supunha-se que as mudanças científicas indicavam mera evolução ou progresso dos conhecimentos humanos.

A Filosofia das Ciências, estudando as mudanças científicas, começou a desmentir tais idéias de evolução e progresso. Alguns cientistas e filósofos começaram a compreender que as elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e descontínuos.

Quando, por exemplo, comparamos a geometria clássica ou geometria euclidiana (que opera com o espaço plano) e a geometria contemporânea ou topológica (que opera com o espaço tridimensional), vemos que não se trata de duas etapas ou de duas fases sucessivas da mesma ciência geométrica, e sim de duas geometrias diferentes, com princípios, conceitos, objetos, demonstrações completamente diferentes. Não houve evolução e progresso de uma para outra, pois são duas geometrias diversas e não geometrias sucessivas.

Do mesmo modo, quando comparamos as físicas de Aristóteles, Galileu-Newton e Einstein, não estamos diante de uma mesma física, que teria evoluído ou progredido, mas diante de três físicas diferentes, baseadas em princípios, conceitos, demonstrações, experimentações e tecnologias completamente diferentes. Em cada uma delas, a idéia de natureza é diferente; em cada uma delas os métodos empregados são diferentes; em cada uma delas o que se deseja conhecer é diferente.

Quando comparamos a biologia genética de Mendel e a genética formulada pela bioquímica (baseada na descoberta de enzimas, de proteínas do DNA ou código genético), também não encontramos evolução e progresso, mas diferença e descontinuidade. Assim, verificamos surpresos que o modelo explicativo que orientava o trabalho de Mendel era o da relação sexual como um encontro entre dois entes distintos (espermatozóide e óvulo); enquanto o modelo que orienta a genética contemporânea é o da cibernética e da teoria da informação.

Quando comparamos a ciência da linguagem do século XIX (que era baseada nos estudos de filologia, isto é, nos estudos da origem e da história das palavras) com a lingüística contemporânea (que, como vimos no capítulo dedicado à linguagem, estuda estruturas), vemos duas ciências diferentes. E o mesmo pode ser dito de todas as ciências.

Verificou-se, portanto, uma descontinuidade e uma diferença temporal entre as teorias científicas como conseqüência não de uma forma mais evoluída, mais progressiva ou melhorada de fazer ciência, e sim como resultado de diferentes maneiras de conhecer e construir os objetos científicos, de elaborar os métodos e inventar tecnologias.

Gastón Bachelard - autor do conceito de ruptura
Para identificar essa descontinuidade no conhecimento científico, o filósofo Gaston Bachelard (1884-1962) criou a expressão “corte epistemológico” ou “ruptura epistemológica”. Eis o primeiro golpe contra as posições empiristas-indutivistas. Bachelard notou que cada novo modelo não se valia de nenhum material anterior, pertencente à "ciência" que viria a substituir. E Bertrand Russel não deixou por menos: "A física nos fala muito menos do mundo real do que se supunha anteriormente".

O dogmatismo cientificista estava condenado. A partir de então tem início um processo de desmistificação da concepção de que método científico é “procedimento regulado por normas rígidas para a produção do conhecimento científico”, de que “conhecimento científico é sinônimo de conhecimento verdadeiro e infalível”, bem como de que “a ciência é um conhecimento que retrata objetivamente a realidade”.

George F. Kneller complementa essa nossa reflexão quanto à relatividade do conhecimento científico, ao constatar que “a ciência é apenas uma parte da tentativa da humanidade de compreender o mundo em todos os seus aspectos”.  Ele conclui afirmando que

(...) “Ciência, literatura, arte, história, religião, misticismo iluminam aspectos da realidade. A filosofia esforça-se por ver a realidade total. Analisa a natureza e as descobertas dos diferentes ramos do conhecimento, examina os pressupostos em que elas assentam e os problemas a que dão origem, e procura estabelecer uma visão coerente do domínio total da experiência”.
“Cada uma dessas formas do conhecimento merece ser cultivada per se. À sua maneira própria, cada uma delas familiariza-nos com uma parte da realidade. Devemos ver a ciência em seu lugar e não esperar que ela assimile ou desacredite essas outras atividades”. (A Ciência como atividade humana, p. 149-52.)


Silvio Motta Maximino


Fontes consultadas:

O QUE É CIÊNCIA AFINAL?, de Alan F. Chalmers – Tradução: Raul Filker Editora Brasiliense 1993
 

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