segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Filosofia da Linguagem: Texto, Discurso e Sujeito - o explícito e o implícito



Texto, Discurso e Sujeito: o explícito e o implícito


 O texto e sua historicidade


O estudo da linguagem pode ser autônomo em relação à sociedade que a produz? Os processos relevantes na constituição da linguagem são essenciais ou são amplamente condicionados às condições histórico-sociais de seus artífices e usuários?
Para uma das principais correntes da Filosofia, ‘tanto os sujeitos quanto os sentidos são determinados histórica e ideologicamente’. 


Vale dizer, a legibilidade de um texto está na natureza da relação que alguém estabelece com ele. A leitura é condicionada, portanto, aos modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, ou seja, de historicidade, seja ela do próprio texto, seja da ação da leitura, ou da sua produção.
É difícil discorda do fato de que a leitura de um texto seja sempre uma relação de interação entre sujeitos. As relações sempre se dão entre homens, são relações sociais, ainda que mediadas por objetos, como o texto, por exemplo.
Na leitura textual, os interlocutores se identificam como interlocutores, desencadeando o “processo de significação do texto”; então, “sujeitos e sentidos se constituem simultaneamente num mesmo processo. As condições de produção de leitura se constituem a partir dessa relação de posições históricas e socialmente determinadas, em que o simbólico (linguístico) e o imaginário (ideológico) se juntam”.
A relação entre autor/leitor/texto quebra os mitos:
- do autor onipotente, cujas intenções controlassem todo percurso da significação do texto;
- da transparência do texto, que diria, por si mesmo, toda (e apenas uma) significação;
- do leitor onisciente, cuja capacidade de compreensão dominasse as múltiplas determinações em jogo em um processo de leitura.

Nesta perspectiva, o texto sempre estará condenado à incompletude. Isso decorre dos aspectos relativos ao que está implícito e a intertextualidade. Explicando: na leitura, deve-se considerar não apenas o que está dito, mas também o que está implícito (o não dito, mas que igualmente “está significando”). O que não está dito, mas que, de certa forma, sustenta o que está dito. É o que se supõe para que se entenda o que está dito; pode até ser aquilo se opõe ao que está dito. Sintetizando, existem relações de sentidos que se estabelecem entre o que um texto diz e o que ele não diz (o implícito), e entre o que ele diz e o que outros textos dizem (o intertextual).  
Os sentidos que podem ser lidos, então, em um texto não estão necessariamente ali, nele. O(s) sentido(s) de um texto passa(m) pela relação dele com outros textos.
Assim, o(s) sentido(s) de um texto está(ão) determinado(s) pela posição que ocupam aqueles que o produzem (os que o emitem e aqueles que o leem).
A relação do discurso com as formações ideológicas - representadas nele pela sua inscrição em uma formação discursiva determinada que se define relativamente e(m relação)a outras formações discursivas - é que, em última instância, vai produzir suas diferentes leituras”. Em resumo, pode-se afirmar então que a legibilidade de um texto pressupõe determinações de natureza histórica, social, linguística, ideológica, etc.
Podemos dizer que, geralmente a atribuição de sentidos a um texto pode variar amplamente desde a leitura parafrástica (reconhecimento de um sentido que se supõe ser o do texto) até a polissêmica (atribuição de múltiplos sentidos ao texto).
           
É possível dizer que há uma determinação histórica que faz com que só alguns sentidos sejam “lidos” e outros não?
Obviamente, que o tipo de texto auxilia na determinação da apreensão de certo sentido e no descarte de tantos outros. Numa piada, pelo simples fato de ser piada, ficará ‘camuflado’ do leitor menos atento, a percepção de outros sentidos implícitos ali presentes (como um preconceitos, por exemplo).

No século XIX, por influência do Materialismo filosófico, da História e da Sociologia, a linguagem começa a ser definida como “produto da história”. Por causa disso, o método de análise é o histórico-comparado, e as técnicas de análise buscam essas propriedades históricas no objeto analisado. Contudo, já na segunda metade do século XX, a linguagem passa a ser considerada como estrutura, não apenas como fruto de uma estrutura: adentramos nos domínios do Estruturalismo.
O método estrutural e as técnicas de análise (oposição de pares mínimos, prova de comutação, etc.) atestam essa perspectiva na consideração do objeto. Na análise do discurso, surge um objeto-linguagem distinto daquele instaurado pela linguística tradicional, porque procura tratar dos processos de constituição do fenômeno linguístico e não o seu produto. A linguagem passa a ser vista como transformadora (ação sobre a natureza e sobre o homem) e também como interação (a relação necessária entre homem e realidade natural e social).
Eni ressalta:

“concebo a linguagem como trabalho, como produção, e procuro determinar o modo de produção da linguagem enquanto parte da produção social geral”.

Assim, não devemos considerar a linguagem como um dado, nem tratar a sociedade como mero produto; linguagem e sociedade se constituem mutuamente. Se isso for verdadeiro, o estudo da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a produziu. Retornamos assim à tese inicial: os processos que entram em jogo na constituição da linguagem são necessariamente processos histórico-sociais.
A linguagem passa pelo psíquico, pelo social, pelo domínio da ideologia e não é mais vista como mero suporte ou instrumento de comunicação.


Condições de produção do discurso
           
- Formações imaginárias:
todo falante e todo ouvinte ocupa um lugar na sociedade, e isso faz farte do significado
Os mecanismos de qualquer formação social têm regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações (posições) dessas situações no interior do discurso. O “lugar”, enquanto espaço de representações sociais, é constitutivo das significações (relações de forças no discurso)
           
- Relação de sentido
todo discurso nasce em outro (sua matéria-prima) e aponta para outro (seu futuro discursivo). Essa é a tal intertextualidade.
                       
O discurso propriamente pode ser visto justamente como a instanciação do modo de se produzir linguagem, isto é, no processo discursivo se explicita o modo de existência da linguagem que é social. Pêcheux, em sua “Análise automática do discurso”, considera que o discurso não é “transmissão de informação”, mas “efeito de sentidos entre interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral”.
Então: interlocutores, a situação, o contexto histórico-social (isto é, as condições de produção), constituem o sentido da sequência verbal produzida.

“Quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para outro alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação”.

Interlocutores + situação + contexto histórico-social
=
sequência verbal produzida

Para Pêcheux, há nos mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. É o lugar assim compreendido, entre espaço de representações sociais, que é constitutivo da significação discursiva.
É preciso dizer que todo discurso nasce de outro discurso e reenvia a outro, por isso não se pode falar em “um discurso”, mas em “estado de um processo discursivo”, e esse “estado” deve ser compreendido como resultante de processos discursivos sedimentados, institucionalizados.

A “ilusão subjetiva” é o fenômeno que implica no fato de que
o sujeito que produz linguagem também está reproduzido nela, acreditando ser a fonte exclusiva de seu discurso, quando,
na realidade, está sempre a retomar um sentido preexistente.

Referida ilusão se desfaz quando se observa que, para ter sentido, qualquer sequência deve pertencer a uma formação discursiva que, por sua vez, faz parte de uma formação ideológica determinada.
Para Haroche, formação ideológica constitui
“um conjunto complexo de atitudes e representações que não são, nem individuais, nem universais, mas se reportam, mais ou menos diretamente, às posições de classe em conflito umas com as outras”

As formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas, determinando o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada, em uma conjuntura dada. As palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra. Assim, não são somente as intenções que determinam o dizer. Há uma articulação entre intenção e convenções sociais. O sujeito não se apropria da linguagem num movimento individual, mas no fundo há uma forma social de apropriação da linguagem em que está refletido o modo como ele o fez, ou seja, sua ilusão de sujeito, sua interpelação feita pela ideologia.

“Teoricamente, e em termos bastante gerais, podemos dizer que a produção da linguagem se faz da articulação de dois grandes processos: o parafrástico e o polissêmico. Isto é, de um lado há um retorno constante a um mesmo dizer sedimentado - a paráfrase - e, de outro, há no texto uma tensão que aponta para o rompimento.”

“A polissemia é essa força na linguagem que desloca o mesmo, o garantido, o sedimentado. Essa é a tensão básica do discurso, tensão entre o texto e o contexto histórico-social: o conflito entre o “mesmo” e o “diferente”, entre a paráfrase e a polissemia”.

Assim, dizemos em síntese, “que o social aparece em relação à linguagem, na sua força contraditória: porque o social é constitutivo da linguagem, esta se sedimenta (ilusão do sujeito), e porque é fato social, ela muda (polissemia)”.
Pêcheux, em Análise Automática do Discurso).

A relação entre formação discursiva e formação ideológica persiste. E o discurso é efeito de sentidos e não transmissão de informação. O jogo ideológico está na dissimulação dos efeitos de sentido sob a forma de informação, de um sentido único, e na ilusão discursiva dos sujeitos de serem a origem de seus próprios discursos.
Como a sociedade hoje, é amplamente fragmentada, o sentido não é só múltiplo, mas também está despedaçado. A aparência de unidade é dada pelo sentido institucionalizado, o dominante. Se a ideologia dominante coloca, então, certos pressupostos, certos implícitos, é preciso interferir na constituição dos sentidos assim construídos.
Como a apropriação da linguagem é constituída socialmente, o sujeito não é o sujeito-em-si, abstrato e ideal, mas é o sujeito mergulhado no social, condicionado pela contradição que o constitui. Por isso a noção de “processo”, de “interlocução”.
Onde está a linguagem está a ideologia. Há confronto de sentidos, a significação não é imóvel e está no processo de interação locutor-receptor, no confronto de interesses sociais.
Portanto:
dizer não é apenas informar, nem comunicar, nem inculcar, é também reconhecer pelo afrontamento ideológico.
Tomar a palavra é um ato dentro das relações de um grupo social.


Texto síntese elaborado por Silvio Motta Maximino, com base na obra de Orlandi, Eni Pulcinelli (Discurso e Leitura - A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso)

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