Texto, Discurso e Sujeito: o explícito e o
implícito
O texto e sua historicidade
O estudo da linguagem pode ser autônomo em relação à sociedade que a produz? Os processos relevantes na constituição da linguagem são essenciais ou são amplamente condicionados às condições histórico-sociais de seus artífices e usuários?
Para uma das
principais correntes da Filosofia, ‘tanto os sujeitos quanto os sentidos são
determinados histórica e ideologicamente’.
Vale dizer, a legibilidade de um texto está na natureza da relação que alguém estabelece com ele. A leitura é condicionada, portanto, aos modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, ou seja, de historicidade, seja ela do próprio texto, seja da ação da leitura, ou da sua produção.
Vale dizer, a legibilidade de um texto está na natureza da relação que alguém estabelece com ele. A leitura é condicionada, portanto, aos modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, ou seja, de historicidade, seja ela do próprio texto, seja da ação da leitura, ou da sua produção.
É difícil discorda do
fato de que a leitura de um texto seja sempre uma relação de interação entre
sujeitos. As relações sempre se dão entre homens, são relações sociais, ainda
que mediadas por objetos, como o texto, por exemplo.
Na leitura textual, os
interlocutores se identificam como interlocutores, desencadeando o “processo de
significação do texto”; então, “sujeitos
e sentidos se constituem simultaneamente num mesmo processo. As condições de
produção de leitura se constituem a partir dessa relação de posições históricas
e socialmente determinadas, em que o simbólico (linguístico) e o imaginário
(ideológico) se juntam”.
A relação entre
autor/leitor/texto quebra os mitos:
- do autor onipotente, cujas intenções
controlassem todo percurso da significação do texto;
- da transparência do texto, que diria, por
si mesmo, toda (e apenas uma) significação;
- do leitor onisciente, cuja capacidade de
compreensão dominasse as múltiplas determinações em jogo em um processo de
leitura.
Nesta perspectiva, o
texto sempre estará condenado à incompletude.
Isso decorre dos aspectos relativos ao que está implícito e a intertextualidade. Explicando: na leitura, deve-se
considerar não apenas o que está dito, mas também o que está implícito (o não
dito, mas que igualmente “está significando”). O que não está dito, mas que, de
certa forma, sustenta o que está dito. É o que se supõe para que se entenda o
que está dito; pode até ser aquilo se opõe ao que está dito. Sintetizando,
existem relações de sentidos que se estabelecem entre o que um texto diz e o
que ele não diz (o implícito), e entre o que ele diz e o que outros textos
dizem (o intertextual).
Os sentidos que podem
ser lidos, então, em um texto não estão necessariamente ali, nele. O(s)
sentido(s) de um texto passa(m) pela relação dele com outros textos.
Assim, o(s) sentido(s) de um texto está(ão)
determinado(s) pela posição que ocupam aqueles que o produzem (os que o emitem
e aqueles que o leem).
A relação do discurso
com as formações ideológicas - representadas nele pela sua inscrição em uma
formação discursiva determinada que se define relativamente e(m relação)a
outras formações discursivas - é que, em última instância, vai produzir suas
diferentes leituras”. Em resumo, pode-se afirmar então que a legibilidade de um
texto pressupõe determinações de natureza histórica, social, linguística,
ideológica, etc.
Podemos dizer que,
geralmente a atribuição de sentidos a um texto pode variar amplamente desde a leitura parafrástica (reconhecimento
de um sentido que se supõe ser o do texto) até a polissêmica (atribuição de múltiplos sentidos ao texto).
É possível dizer que
há uma determinação histórica que faz com que só alguns sentidos sejam “lidos”
e outros não?
Obviamente, que o tipo
de texto auxilia na determinação da apreensão de certo sentido e no descarte de
tantos outros. Numa piada, pelo simples fato de ser piada, ficará ‘camuflado’
do leitor menos atento, a percepção de outros sentidos implícitos ali presentes
(como um preconceitos, por exemplo).
No século
XIX, por influência do Materialismo filosófico, da História e da Sociologia, a
linguagem começa a ser definida como “produto da história”. Por causa disso, o
método de análise é o histórico-comparado, e as
técnicas de análise buscam essas propriedades históricas no objeto analisado.
Contudo, já na segunda metade do século XX, a linguagem passa a ser considerada
como estrutura, não apenas como fruto de uma estrutura: adentramos nos domínios
do Estruturalismo.
O
método estrutural e as técnicas de análise (oposição de pares mínimos, prova de
comutação, etc.) atestam essa perspectiva na consideração do objeto. Na análise
do discurso, surge um objeto-linguagem distinto daquele instaurado pela linguística
tradicional,
porque procura tratar dos processos de constituição do
fenômeno linguístico
e não o seu produto. A
linguagem passa a ser vista como
transformadora (ação sobre a natureza e sobre o homem) e também como interação (a relação necessária entre homem
e realidade natural e social).
Eni
ressalta:
“concebo a linguagem como trabalho, como produção,
e procuro determinar o modo de produção da linguagem enquanto parte da produção
social geral”.
Assim, não devemos
considerar
a linguagem como um dado, nem tratar a sociedade como mero produto; linguagem e sociedade se constituem
mutuamente. Se isso for verdadeiro, o estudo da linguagem não pode estar
apartado da sociedade que a produziu. Retornamos
assim à tese inicial: os processos que
entram em jogo na constituição da linguagem são necessariamente processos
histórico-sociais.
A linguagem passa
pelo psíquico, pelo social, pelo domínio da ideologia e não é mais vista como mero
suporte ou instrumento de comunicação.
Condições de produção do discurso
- Formações imaginárias:
todo falante e todo
ouvinte ocupa um lugar na sociedade, e isso faz farte do significado
Os mecanismos de
qualquer formação social têm regras de projeção que estabelecem a relação entre
as situações concretas e as representações (posições) dessas situações no
interior do discurso. O “lugar”,
enquanto espaço de representações sociais, é constitutivo das significações
(relações de forças no discurso)
- Relação de sentido
todo discurso nasce
em outro (sua
matéria-prima) e aponta para outro (seu futuro discursivo).
Essa é a tal intertextualidade.
O discurso
propriamente pode ser visto justamente como a instanciação do modo de se
produzir linguagem, isto é, no processo discursivo se explicita o modo de
existência da linguagem que é social. Pêcheux,
em sua “Análise automática do discurso”, considera que o discurso não é “transmissão
de informação”, mas “efeito de sentidos
entre interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral”.
Então: interlocutores, a situação, o contexto
histórico-social (isto é, as
condições de produção), constituem o sentido da sequência verbal produzida.
“Quando se diz algo, alguém o diz de algum
lugar da sociedade para outro alguém também de algum lugar da sociedade e isso
faz parte da significação”.
Interlocutores +
situação + contexto histórico-social
=
sequência verbal
produzida
Para
Pêcheux, há nos mecanismos de toda formação social regras de projeção que
estabelecem a relação entre as situações
concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. É o
lugar assim compreendido, entre espaço de representações sociais, que é
constitutivo da significação discursiva.
É
preciso dizer que todo discurso nasce de outro discurso e reenvia a outro, por
isso não se pode falar em “um discurso”, mas em “estado de um processo
discursivo”, e esse “estado” deve ser compreendido como resultante de processos
discursivos sedimentados, institucionalizados.
A “ilusão subjetiva”
é o fenômeno que implica no fato de que
o sujeito que produz
linguagem também está reproduzido nela, acreditando ser a fonte exclusiva de
seu discurso, quando,
na realidade, está
sempre a retomar um sentido preexistente.
Referida
ilusão se desfaz quando se observa que, para
ter sentido, qualquer sequência deve pertencer a uma formação discursiva que,
por sua vez, faz parte de uma formação ideológica determinada.
Para
Haroche, formação ideológica constitui
“um conjunto complexo de atitudes e
representações que não são, nem individuais, nem universais, mas se reportam,
mais ou menos diretamente, às posições de
classe em conflito umas com as outras”
As
formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas,
determinando o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada, em uma
conjuntura dada. As palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação
discursiva para outra. Assim, não são somente as intenções que determinam o
dizer. Há uma articulação entre intenção e convenções sociais. O sujeito não se
apropria da linguagem num movimento individual, mas no fundo há uma forma
social de apropriação da linguagem em que está refletido o modo como ele o fez,
ou seja, sua ilusão de sujeito, sua interpelação feita pela ideologia.
“Teoricamente, e em termos bastante gerais,
podemos dizer que a produção da linguagem se faz da articulação de dois grandes
processos: o parafrástico e o polissêmico. Isto é, de um lado há um retorno
constante a um mesmo dizer sedimentado - a paráfrase - e, de outro, há
no texto uma tensão que aponta para o rompimento.”
“A polissemia é essa força na linguagem que
desloca o mesmo, o garantido, o sedimentado. Essa é a tensão básica do
discurso, tensão entre o texto e o contexto histórico-social: o conflito entre
o “mesmo” e o “diferente”, entre a paráfrase e a polissemia”.
Assim, dizemos em
síntese, “que o social aparece em relação à linguagem, na sua força
contraditória: porque o social é constitutivo da linguagem, esta se sedimenta
(ilusão do sujeito), e porque é fato social, ela muda (polissemia)”.
Pêcheux, em Análise Automática
do Discurso).
A relação entre
formação discursiva e formação ideológica persiste. E o discurso é efeito de
sentidos e não transmissão de informação. O jogo ideológico está na
dissimulação dos efeitos de sentido sob a forma de informação, de um sentido
único, e na ilusão discursiva dos sujeitos de serem a origem de seus próprios
discursos.
Como a sociedade
hoje, é amplamente fragmentada, o sentido não é só múltiplo, mas também está
despedaçado. A aparência de unidade é dada pelo sentido institucionalizado, o
dominante. Se a ideologia dominante coloca, então, certos pressupostos, certos
implícitos, é preciso interferir na constituição dos sentidos assim construídos.
Como a apropriação da
linguagem é constituída socialmente, o sujeito não é o sujeito-em-si, abstrato e ideal, mas é o sujeito mergulhado no
social, condicionado pela contradição que o constitui. Por isso a noção de “processo”,
de “interlocução”.
Onde está a linguagem
está a ideologia. Há confronto de sentidos, a significação não é imóvel e está
no processo de interação locutor-receptor, no confronto de interesses sociais.
Portanto:
dizer não é apenas informar, nem comunicar,
nem inculcar, é também reconhecer pelo afrontamento ideológico.
Tomar a palavra é um ato dentro das relações
de um grupo social.
Texto
síntese elaborado por Silvio Motta Maximino, com base na obra de Orlandi, Eni Pulcinelli
(Discurso e Leitura - A linguagem e seu
funcionamento: as formas do discurso)
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