DISCRIMINAÇÃO RACIAL E EDUCAÇÃO
o desafio da formação docente
Questões relacionadas à
discriminação racial e educação, tanto no âmbito acadêmico quanto nos demais,
têm sido objeto de um número crescente de publicações e estudos, favorecendo a
abertura de espaços para discussões e busca de alternativas para minimizar a
discriminação racial e o preconceito nas nossas escolas. Trabalhos que
desmascaram o Mito da Democracia Racial1, que criou uma cortina de fumaça e camuflou o preconceito por
muitos anos, têm contribuído para a exploração do assunto.
O quadro social, todavia, desde o início do século XX até o momento atual, pouco mudou em relação às condições de vida da população negra. Quanto à educação, o racismo fica evidenciado nos índices de alfabetização e escolaridade da população negra, na discrepância quantitativa e qualitativamente na relação entre ela e outras etnias. Vários estudos sobre desigualdades raciais na educação, entre eles: Davis (2000), Munanga (1996), Gonçalves (2000), Gomes (2001), Cavalleiro (1999), diagnosticam que os negros são penalizados na educação por meio da exclusão do sistema formal de ensino como também nas outras esferas da vida social. Sobre esse aspecto, Hasembalg afirma que: Ser negro ou ser mestiço significa ter uma maior probabilidade de ser recrutado para posições sociais inferiores. Isto, numa estrutura social que já é profundamente desigual. Então, no meu entender, o vínculo entre raça e classe é exatamente esse: raça funciona como mecanismo de seleção social que determina uma medida bastante intensa qual a posição que as pessoas vão ocupar. (Hasembalg, 1991:46).
Analisando
a realidade de outros países, pensando nas relações sociais dos Estados Unidos
que provocaram um movimento social, desde os anos 60, que teve o intuito de
propiciar oportunidades iguais de educação, integração e justiça social a todos
os membros da sociedade civil.
A particularidade nacional brasileira vem do entrecruzamento entre
raça e democracia que resulta na “Democracia Racial” que é a expressão que diz
respeito das relações raciais no Brasil como convivência harmoniosa entre
negros e brancos e isso seria o modo de se articular o mito fundador da
sociabilidade brasileira.
No Brasil, temos movimento
equivalente que busca a implementação de Políticas Públicas que têm intenção de
prover iguais oportunidades de educação, mudanças dos conteúdos curriculares,
elaboração do livro didático e outros materiais, além da formação de
professores competentemente formados para respeitar a diversidade cultural em
todos esses âmbitos. Tais movimentos estavam saturados de presenciarem alunos
excluídos e desqualificados nas escolas por causa de características físicas,
cor da pele, gênero, religiosidade, que os padronizavam com possibilidades
intelectuais inferiores. D’Adesky (1997) argumenta:
A aspiração de ser reconhecido como
ser humano corresponde ao valor que chamamos de auto-estima. Ela leva os negros
a desejarem libertar-se do estado de inferioridade a que foram relegados e
desejarem libertar-se do estado de inferioridade a que foram relegados e
desembaraçar-se das imagens depreciativas de si mesmos.
Particularmente, leva-os a lutar
contra o racismo que representa, acima de tudo, uma negação de identidade
configurada pela negação radical do valor das heranças histórica e cultural de
onde advêm a discriminação e a segregação (D’Adesky, 1997).
De acordo com o autor, o
sentimento de inferioridade herdada pelos alunos negros tem sua marca profunda.
Concordando com D’Adesky, acreditamos ser de suma importância para a formação
de professores. Nesse sentido, penso que as escolas, ao não estarem atentas aos
aspectos culturais e às relações raciais e desprivilegiarem discussões sobre
esses temas, acabam por adotar práticas e discursos que valorizam determinada
ordem social, estimulando os alunos a se adaptar a ela e aceitar como natural
que desigualdades sociais e culturais sejam considerados “déficits”
individuais. Além disso, ao veicular determinados padrões culturais e premiar
certos tipos de atitude e comportamento, reforçam ainda a superioridade da
cultura hegemônica, cujos valores passam a ser concebidos como norma social
legítima a ser seguida por todos os grupos humanos.
Proveniente de ações
reivindicatórias do Movimento Negro percebe-se no Brasil, a partir da década de
90, o surgimento de um aparato jurídico-normativo que contempla a diversidade
como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular. São esses
ajustamentos apontados como inovadores nascidos das bases inscritas na Carta
Magna, que se constituem na matéria-prima da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Da ação conjunta do texto constitucional e do contexto da
LDB nascem a política e o planejamento educacional, e depende o dia-a-dia do
funcionamento das redes escolares de todos os graus de ensino.
A Constituição Federal de
1988, alcunhada de Constituição cidadã, em seu artigo 5o, “instituiu a discriminação
racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei”. Essas práticas discriminatórias aliadas à
exclusão social impedem muitos brasileiros de terem uma vivência plena da sua
cidadania. É possível afirmar que a “Carta Magna” incorpora algumas das
históricas reivindicações dos Movimentos Negros no que diz respeito à
discriminação racial, o que demonstra um relativo avanço desta matéria no
âmbito do poder legislativo.
No que se refere
especificamente à Educação, o artigo 27, inciso I, da Constituição Federal
destaca que os conteúdos curriculares da Educação Básica deverão observar “a
difusão de valores fundamentais no interesse social, aos direitos e deveres dos
cidadãos de respeito ao bem comum e a ordem democrática”. Perante essas
diretrizes traçadas pela Constituição Federal buscaremos problematizar os
demais textos legais analisando as proximidades e distanciamentos entre a legislação
civil e a legislação educacional, como também dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, enfocando prioritariamente a forma pela qual esse aparato legal
trata a questão educacional em relação aos negros.
A LDB (Lei nº 9.394/96),
tem como um dos desafios regulamentar a atuação da União para gerir o modelo
educacional brasileiro, estabelecer em colaboração com estados, distrito
federal e municípios, dando diretrizes que nortearão os currículos e seus
conteúdos mínimos. A LDB, apesar de várias lacunas, contribui para colocar na
pauta de discussões questões relativas à diversidade cultural e a pluralidade
étnica. Pautada nesta legislação surgem os PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais) que, embora não sejam normativos, adentram no cotidiano das escolas
com esse caráter e é assumido como instrumento legal por muitos gestores e
professores.
Já, as indicações
expressas nos PCN’s para se trabalhar nas escolas de Ensino Fundamental e Médio
são no sentido de trazer à tona debates que afligem a sociedade atual como:
Meio Ambiente, Sexualidade e Pluralidade Cultural, levantando questões para que
os profissionais da educação possam estar preparados para lidar com menos
preconceito em relação a esses assuntos.
Os direitos culturais e a
criminalização da discriminação atendem aspectos referentes à proteção de
pessoas e grupos pertencentes às minorias étnicas e culturais. Para contribuir
nesse processo de superação da discriminação e de construção de uma sociedade
justa, livre e fraterna, o processo há de tratar, no campo social, da formação
de novos comportamentos, novos vínculos, em relação àqueles grupos que
historicamente foram alvos de injustiças, que se manifestam no cotidiano
(Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997).
Portanto, de acordo com as
diretrizes dos PCNs, a escola deveria contribuir para que princípios
constitucionais de igualdade fossem viabilizados, mediante ações em que a
escola trabalharia com questões da diversidade cultural, indicando a
necessidade de se conhecer e considerar a cultura dos diversos grupos étnicos.
Na área educacional, a desigualdade social dominou as preocupações de
pesquisadores (as) e educadores (as) durante as décadas de 1960 a 1980 no Brasil. A
partir da década de 1990, a
questão da diferença se destacou na pauta de estudos e propostas de inovações,
como destaco nesse trecho dos PCN - Pluralidade Cultural:
A necessidade imperiosa da formação de
professores no tema Pluralidade Cultural. Provocar essa demanda específica na
formação docente é exercício de cidadania. É investimento importante e precisa
ser um compromisso político pedagógico de qualquer planejamento educacional
/escolar para formação e/ou desenvolvimento profissional dos professores (PCN.
Temas Transversais, 1997:123).
Mais recentemente esse
arcabouço jurídico-normativo é acrescido da Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003
que altera a LDB “para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática História e Cultura afro-brasileira”. Com o intuito
de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de
História e cultura afro-brasileira e africana, aprovada pelo Conselho Nacional
de educação em 10 de março de 2004. Nos seus apontamentos as diretrizes apontam
para que “estas condições materiais das escolas e de formação de professores
são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o
reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes
de africanos (Diretrizes Curriculares)”.
Ao analisar a dinâmica
escolar e a forma como docentes lidam com conceitos discriminatórios, é
possível afirmar que tais políticas ainda são institucionalmente incipientes e
não provocam inserções significativas no âmbito escolar. Tal fato evidencia a
formação social de uma cultura oriunda do sistema escravocrata e da
oligarquização do Estado, o que ocasionou uma forma específica de opressão, que
por sua vez provoca segregação racial explícita, embora não assumida
formalmente pelas outras etnias. Acredito que aliada à elaboração de Políticas
públicas dessa natureza, faz-se necessário um amplo movimento tendo como
horizonte a revisão dos currículos e materiais pedagógicos em todos os níveis
de ensino, especificamente dos livros didáticos relativos à constituição
social, demográfica, cultural e política do povo negro, incluindo nas
discussões toda comunidade escolar. Salienta-se nesse processo a necessidade
urgente de diretrizes para uma sólida formação do profissional da educação tendo
como enfoque, dentre outras questões, as abordagens referentes à Educação das
Relações étnico-raciais, pois crianças brasileiras de todas as origens
étnico-raciais têm direito ao conhecimento da beleza, riqueza e dignidade das
culturas negro-africanas. Jovens e adultos têm o mesmo direito.
Nas universidades
brasileiras, procure nos departamentos as disciplinas que informam sobre a
África. Que silêncio lamentável é esse, que torna invisível parte tão
importante da construção histórica e social de nosso povo, e de nós mesmos?
(Ribeiro, 2002: 150).
FORMAÇÃO DO EDUCADOR
MULTICULTURAL.
No Brasil, ser negro é
tornar-se negro. O conhecimento dessas questões pode nos ajudar a superar o
medo e/ou desprezo das diferenças raciais ainda presente na escola e na sociedade.
Entender essa complexidade
é uma tarefa dos/as profissionais da educação. É tarefa de uma escola que se
quer cidadã e, por isso mesmo, não pode deixar de incluir a questão racial no
seu currículo e na sua prática (Gomes, 2001:89).
Durante vários anos, os
educadores (as) foram formados através de uma visão homogeneizadora e linear.
Essa neutralidade imposta através de sua formação fez com que valores básicos
da composição pluriétnica da sociedade brasileira fossem ignorados. A
valorização de um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca,
masculina e cristã, menosprezou as demais culturas no momento da composição do
currículo e das atividades do cotidiano escolar. As culturas não brancas foram
relegadas a uma inferioridade imposta desde o interior da escola.
A formação docente é
atualmente prioritária para a mudança deste contexto.Grande parte dos
educadores ainda não reconhece a diversidade e a diferença, por conseguinte não
possuem a capacidade de análise para transformar a sua prática.
Diante das transformações
mundiais, que impõem novos olhares frente ao conhecimento, observa-se nas
últimas décadas do século XX uma série de reformas educacionais, onde foram
elaborados novos marcos legais para educação junto com o desenho de Políticas Públicas,
que objetivam o desenvolvimento de novas capacidades técnicas administrativas,
incluindo entre outras questões, novos conteúdos de ensino da escola pública e
da formação de educadores(as). Esse processo estimulou discussões em diversas
áreas do conhecimento sobre a presença ou não no currículo das culturas
presentes na sociedade.
Durante muito tempo, a
relação excludente presente na prática social mais ampla fez com que estudantes
pertencentes a etnias oprimidas fossem submetidas ao fracasso escolar. Várias
teorias tentavam explicar o fracasso escolar com base em características
biológicas que apontariam uma suposta inferioridade genética relacionada à
raça. Essa perspectiva serviu, segundo Apple (1997), para que vários
governantes e formuladores de políticas neoliberais e conservadoras
legitimassem a eliminação dos direitos sociais e educacionais de pobres,
mulheres e negros. Nessa direção pode-se afirmar que a educação escolar
historicamente tem sido uma das aliadas para que essas minorias assumissem
posições sociais inferiores.
Assim, a identidade étnica
e racial é também uma questão de saber e poder. De acordo com Silva, “a própria
história do termo mais fortemente polêmico, o de ‘raça’, está estreitamente
ligado às relações de poder que opõem o homem branco europeu às populações dos
países por eles colonizados”.(2001:100).
Na tentativa de romper com
esse paradigma cristalizado de reprodução da inferioridade que a educação tem
vinculado, existem alguns aspectos que devem ser levados em consideração.
O primeiro aspecto
é de observar a valorização da cultura européia em detrimento de outras etnias,
como indígena e a africana, principalmente como componente curricular. Tal
valorização fez com que essas culturas negadas ficassem relegadas a inferioridade
e até em certos casos no abandono total e exclusão. A aculturação de um povo é
como lhe tirar sua representação e deixar-lhe sem alma. Tal fato repercute com
gravidade na sua auto-estima e na sua valorização como raça.
A ideologia da
superioridade do branco, conserva em nosso país, elementos no plano estrutural
e pessoal que reforçam mecanismos de exclusão e preconceito racial. Esse
aspecto assume uma materialidade explícita no campo da educação escolar por
meio do vínculo entre conhecimento, identidade e poder. Em termos muito amplos
ainda é difícil avaliar a extensão dos efeitos ligados às questões de raça e
etnia no interior da escola, contudo tal temática é pródiga nas abordagens do
currículo escolar.
Silva (2001) ao se
reportar às orientações curriculares oficiais, lições, rituais escolares, datas
festivas e nacionais, étnicas e raciais afirma que: Essas narrativas celebram
os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes
e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de
representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente as marcas
da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto
racial. (Silva, 2001:102).
O segundo aspecto
está ligado à imagem da África. No campo curricular a imagem da África e do
negro foi moldada pela instituição do escravismo no Brasil pelo colonialismo
português. Os negros foram transformados em mercadorias e bens, portanto houve
uma dominação sexual, religiosa e lingüística. Sendo assim, necessitamos de
adotar medidas que possibilitem o desenvolvimento do senso crítico do educador
e a re-elaboração do seu saber eurocêntrico, que não contempla, em grande
parte, a história, a cultura e as experiências da maioria da clientela da escola
pública.
Analisando qual a visão de
África estabelecida, Zamparoni argumenta: Qual a imagem da África e dos
africanos que circulam em nossos meios midiáticos e acadêmicos e que ajudam a
formar nossa identidade? A resposta é ue o que predomina não destoa muito:
exótica, terra selvagem, como selvagem são animais e pessoas que nela habitam:
miseráveis, desumanos, que se destroem em sucessivas guerras fraticidas, seres
irracionais em meio aos quais assoam doenças devastadoras. Enfim, desumana
(Zamparoni, 2004: 40).
Necessita-se urgentemente
de ser re-contada a História de África, da diáspora e das conseqüências desses
fatores na colonização do Brasil, pois tais fatos têm repercussão na vida dos
afrodescendentes. Conforme estudos de Rosemberg (1987), foi detectado que o
negro tem uma trajetória escolar muito mais difícil em comparação às crianças
brancas. A pesquisadora ressalta que as dificuldades, sobretudo as condições
financeiras, impulsionam de maneira precoce o negro para o mercado informal de
trabalho, fator que contribui para repetência e evasão escolares.
Gonçalves (1985) analisa
que o preconceito racial e a discriminação se proliferam, nas escolas, através
de mecanismos ou funcionamento do ritual pedagógico, entendido como a
materialização da prática pedagógica, vivenciada na sala de aula, a qual exclui
dos currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira.
Sobre tal aspecto,
Cavalleiro afirma: É flagrante a ausência de um questionamento crítico por
parte das profissionais da escola sobre a presença de crianças negras no
cotidiano escolar. Esse fato, além de confirmar o despreparo das educadoras
para relacionarem com os alunos negros evidencia, também, seu desinteresse em
incluí-los positivamente na vida escolar. Interagem com eles diariamente, mas
não se preocupam em conhecer suas especificidades e necessidades (Cavalleiro,
2000:35).
Como lidar com a
diversidade cultural em sala de aula? É possível escapar de um modelo
monocultural de ensino? Poderão professores incluir a eqüidade de oportunidades
educacionais entre seus objetivos? Como socializar, através do currículo e de
procedimentos de ensino, para atuar em uma sociedade multicultural?
Esses desafios se
apresentam como: forma de propor novas metodologias para o ensino de estudos
étnicos; reformulação de currículos e ambientes escolares, articulando cultura
e identidade; desempenho escolar e diversidade cultural; criar ações de
oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos independentemente de seu
grupo social, étnico/racial, religiosa, político e de gênero; valorizar a
importância da diversidade étnica e cultural na configuração de estilos de
vida. Prioritariamente a formação do professor.
O terceiro aspecto
diz respeito da formação docente. Para dar entendimento é poder transformador a
argumentação apresentada até aqui se passa obrigatoriamente pela formação
docente. O educador poderá ser um mediador dos estereótipos caso sua formação
se paute em uma visão acrítica das instituições com viés tecnicista e
positivista, que não contempla outras formas de ação e reflexão. Por outro
lado, a questão ligada à pluralidade cultural e étnica pode despertar neste
educador uma postura crítica acerca dos instrumentos pedagógicos em voga no
interior das escolas possibilitando-lhes a desconstrução de mitos, paradigmas e
preconceitos historicamente veiculados na cultura escolar. Contudo, esse
processo não se efetiva de uma forma linear e determinista, uma vez que a
mediação da ação humana, realizada através das experiências do cotidiano, das
práticas culturais dos grupos subordinados, possibilita a apreensão da
contradição, a re-elaboração e a resistência às ideologias do recalque das
diferenças étnico-raciais.
Nesse sentido, o papel do
educador é determinante no processo de reapropriação e reinvenção do
conhecimento. Através da análise crítica dos textos, de questionamentos das
ilustrações, da comparação do que se lê com o que se vê, e da comparação do que
se lê nos textos oficiais com o seu cotidiano, suas experiências e sua cultura.
Pode-se desconstruir estigmas relacionados a questões raciais e étnicas. A
importância do entendimento de cultura é primordial para esse educador, pois
esse entendimento de cultura é necessário para o professor na medida em que ele
atua em um sistema que através da tradição seletiva impõe a cultura dominante
efetiva a alunos de segmentos étnicos e raciais diversos, colocando-a como a
‘tradição’ e o passado significativo.
O conteúdo é realmente
significativo quando este é relacionado com o contexto sócio-cultural do aluno
e lhe propicia o domínio do conhecimento sistematizado (SILVA, 2001).
A tarefa proposta é
complexa, porém acreditamos que uma orientação específica contribua para
desenvolver no processo uma reflexão que possibilita uma ação criadora. Para tanto
é preciso acreditar que a aprendizagem não se realiza de forma estática. A
aprendizagem se realiza através de um processo dinâmico que compreende a
reelaboração do saber aprendido em contraste com as experiências do cotidiano.
Desmontar a ideologia que
desumaniza pode contribuir para o processo de reconstrução da identidade
étnico-racial e da auto-estima da criança negra, com conseqüentes efeitos
positivos na sua aprendizagem.
Considerações Finais
Nas últimas décadas, a
questão da diferença passou a ganhar destaque nas pesquisas sociais e
educacionais. O que nos preocupa é se, ao propor uma perspectiva educacional
que se fundamente na tolerância, no reconhecimento do outro e suas diferenças
de cultura, etnia, religião, gênero, etc, não estaríamos perdendo de vista o
combate à desigualdade social, que nos preocupa há tanto tempo. Estaríamos
caindo nas armadilhas da vulgata neoliberal?
Portanto essas questões relacionadas
com as diferenças e seu tratamento no cotidiano escolar são prioritárias para a
formação profissional do educador(a) que terá que no seu desempenho
profissional tratar a tensão entre a perspectiva de defesa do direito à
diferença com combate à desigualdade social. A globalização, multiculturalismo,
questões de gênero e de raça, novas formas de comunicação, manifestações
culturais e religiosas, diversas formas de violência e exclusão social
configuram novos e diferenciados cenários sociais, políticos e culturais.
Portanto, a educação e os processos de formação de educadores (as) não podem ignorara
esta realidade e seus impactos no cotidiano escolar. O processo educacional
converge para identidades plurais, o que distancia da falsa imagem cultuada
como fixa e estável durante muitos anos da história da formação docente. Sendo
assim, a pluralidade cultural assume a tarefa de avançar em direção à
construção de uma proposta pedagógica efetivamente multicultural.
Quanto à inclusão dos
negros nas atividades escolares, verificamos que existe um processo excludente
que vem desde épocas escravocratas e que perduram em atitudes que foram
enraizadas nas práticas diárias. Existem casos de educadores (as) que
reproduzem estereótipos e agem de maneira preconceituosa, não têm conhecimento
sobre as histórias das minorias, que precisam se subsidiar de metodologias para
abordarem os conteúdos que levem ao questionamento das relações de poder.
Perpassam ainda pela
desvalorização e preconceito em relação à cultura negra trazida pelos
africanos. No cotidiano escolar podemos visualizar poucas ações que visam
resgatar esses valores como uma forma de valorização e elevação de auto-estima
dos alunos negros.
Por fim, o que destacamos
é a necessidade de se formar educadores (as) preparados para lidar com a
diversidade cultural em sala de aula, mas acima de tudo, preparados para
criticar o currículo e suas práticas. Sua formação passa pela inicial e pela
continuada. São educadores (as) reflexivos, que busquem modificar o ambiente
escolar a fim de torná-lo menos opressor e mais democrático sem esquecer que o
próprio educador faz parte desse processo como alerta Gonçalves e Silva:
Professores, fazemos parte de uma população culturalmente afrobrasileira, e
trabalhamos com ela; portanto, apoiar e valorizar a criança negra não constitui
em mero gesto de bondade, mas preocupação com a nossa própria identidade de
brasileiros que têm raiz africana. Se insistirmos em desconhecê-la, se não a
assumimos, nos mantemos alienados dentro de nossa própria cultura, tentando ser
o que nossos antepassados poderão ter sido, mas nós já não somos. Temos que
lutar contra os preconceitos que nos levam a desprezar as raízes negras e
também as indígenas da cultura brasileira, pois, ao desprezar qualquer uma
delas, desprezamos a nós mesmos. Triste é a situação de um povo, triste é a
situação de pessoas que não admitem como são, e tentam ser, imitando o que não
são (Gonçalves e Silva, 1996:175).
GONÇALVES, Luciane Ribeiro Dias - UNICAMP
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excelente artigo, tirei muito proveito dessa matéria bem explicativa. Tenho orgulho em ser negro e acho que todos nós temos o nosso lugarzinho ao sol independente de cor de pele, situação financeira e demográfica.
ResponderExcluirGrato pelo seu comentário!
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