terça-feira, 29 de outubro de 2013

a Filosofia de Wittgenstein



Notas introdutórias sobre a Filosofia da Linguagem de Wittgenstein



Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, filósofo austríaco, naturalizado britânico (1889-1951) dedicou-se à interpretação dos mistérios da linguagem.  Sua obra é dividida, geralmente, em dois períodos:


No primeiro (representado pela famosa obra Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922), a linguagem tem com o mundo uma relação formal e estática; ela é algo relativamente abstrato em relação à atividade humana. Neste período, sob influência do filósofo realista Bertrand Russel (1872-1970), concentra-se na teoria do “significado”, segundo a qual uma frase representa um estado de coisas na medida em que é uma espécie de imagem ou modelo desse estado de coisas, contendo elementos que correspondem aos elementos do estado de coisas e uma estrutura ou forma que espelha a estrutura do estado de coisas que representa. A linguagem figura o real. Esta ideia veio a influenciar os positivistas lógicos do Círculo de Viena.

No segundo período (representado pela publicação da obra Investigações Filosóficas, em 1953), ele se afasta quase totalmente da primeira linha filosófica (do “Tractatus”) e passa a enfatizar o “uso da linguagem no contexto das atividades sociais cotidianas”, como ordenar, aconselhar, pedir, medir, contar, narrar, preocupar-se com outros, etc. Tais atividades são concebidas como “jogos de linguagem”, sendo função da linguagem, exprimir o real em suas funções práticas. Tal obra vai influenciar as duas principais vertentes da filosofia analítica da linguagem contemporânea: a Semântica Formal e a Pragmática. Esta nova concepção contribuiu para mudar os rumos da filosofia analítica, na Escola de Oxford.

Wittgenstein faz, em Investigações..., duras críticas a duas ideias agostinianas: 1) a ideia de que o aprendizado da linguagem se dá pelo aprendizado dos nomes, na qualidade de ‘sinais de objetos’; e 2) a ideia de que aprendemos a linguagem exclusivamente para exprimir verbalmente nossas afeições, as afeições ou sensações da alma. Segundo S. Agostinho:

quando os adultos nomeavam um objeto qualquer, voltando-se para ele, eu o percebia e compreendia que o objeto era designado pelos sons que proferiam, uma vez que queriam chamar a atenção para ele. Deduzia isto, porém, de seus gestos, linguagem natural de todos os povos, linguagem que através da mímica e dos movimentos dos olhos, dos movimentos dos membros e do som da voz anuncia os sentimentos da alma, quando esta anseia por alguma coisa, ou segura, ou repele, ou foge. Assim, pouco a pouco eu aprendia a compreender o que designam as palavras que eu sempre de novo ouvia proferir nos seus devidos lugares, em diferentes sentenças. Por meio delas eu expressava os meus desejos, assim que minha boca se habituara a esses signos.

Neste texto, Agostinho descreve o modo como aprendeu a falar. Wittgenstein faz uma crítica à “imagem agostiniana da linguagem” que ele resume da seguinte maneira:

“Nestas palavras temos, ao que parece, uma determinada imagem da essência da linguagem humana, a saber: as palavras da linguagem denominam objetos... Nesta imagem da linguagem encontramos as raízes da ideia: toda palavra tem um significado. Este significado é atribuído à palavra. Ele é o objeto que a palavra designa.”

O conceito agostiniano de significado encerra a ideia de que há para cada palavra da linguagem uma referência, uma coisa ou objeto que lhe corresponde, sendo esta correspondência aprendida e ensinada pelo procedimento da nomeação. 

Se no ”Tractatus...” a linguagem vista como tendo uma estrutura básica, uma forma lógica, nas “Investigações...” passa a ser entendida como um jogo, uma vez que ela é múltipla e multifacetada. Noutras palavras, “o significado de uma palavra é seu uso na linguagem”.

Falemos, primeiramente, sobre o ponto central desta argumentação: a palavra não tem significado algum quando nada lhe corresponde. É importante constatar que a palavra “significado” é usado de um modo que vai contra a linguagem quando ela se designa a coisa que ‘corresponde’ à palavra. Isto significa: confundir o significado de um nome com o portador do nome. Se morre o Sr. N.N., costuma-se dizer, morre o portador do nome e não o significado do nome. E seria absurdo falar assim, pois, se o nome deixasse de ter significado, não teria sentido dizer “o Sr. N.N. morreu”.

43. Para uma grande classe de casos – mesmo que não para todos – de utilização da palavra “significado”, pode-se explicar esta palavra do seguinte modo: O significado de uma palavra é seu uso na linguagem. E o significado de um nome se explica, muitas vezes, ao se apontar par o seu portador.

Wittgenstein faz analogias entre as semelhanças entre a linguagem e os jogos:

a)    Assim como um jogo, a linguagem possui regras constitutivas, as regras da Gramática. Distinguindo-se das regras estratégicas de um jogo, as regras gramaticais não determinam que lance/proferimento terá êxito, mas sim aquilo que é correto ou faz sentido, definindo, dessa forma o jogo/linguagem;
b)    O significado de uma palavra não é um objeto do qual ela é sucedâneo, sendo antes determinado pelas regras que governam seus funcionamentos. Aprendemos o significado das palavras aprendendo a utilizá-las, da mesma forma que aprendemos a jogar xadrez, não pela associação de peças a objetos, mas sim pelo aprendizado dos movimentos possíveis para tais peças.
c)    Uma proposição constitui um lance ou uma operação no jogo da linguagem; seria destituída de significado na ausência do sistema de que faz parte. Seu sentido é o papel que desempenha na atividade lingüística em curso. Assim, como no caso dos jogos, os lances possíveis dependem da situação, e, para cada lance, certas reações serão inteligíveis, ao passo que outras serão rejeitadas.


Assim, nossos jogos de linguagem estão imersos em nossa forma de vida, nas práticas gerais de uma comunidade linguística. As palavras possuem significado dentro de uma proposição e no interior do jogo em que elas são utilizadas. Por isso, a noção de que “o significado de uma linguagem é dado em seu uso”. Como são usos diferentes, Wittgenstein fala em jogos de linguagem. Não aprendemos os nomes das coisas, mas um comportamento expressivo que substitui o comportamento natural. Mais tarde, em outra obra (Últimos escritos em Filosofia da Psicologia) vai afirmar que “as palavras só possuem significado no fluxo da vida”.


O "argumento da linguagem privada"

Wittgenstein trabalha tal argumento na obra Investigações filosóficas. Para a tradição filosófica cartesiana, a linguagem se refere a um conjunto de dados dos sentidos. Exemplo: a frase "dor de dente" se refere a uma sensação de dor que a pessoa sente em algum dente. Mas como saber se o que estou sentindo corresponde àquela mesma sensação que você teve e que também chamou de "dor de dente"? Ou o que você chama de "amor", teria o mesmo referente que eu designo quando uso essa palavra? As pessoas certamente podem usar palavras de forma equivocada, pois não é certo que todos têm a mesma percepção do espectro de luz. Diz Wittgenstein: 

"O essencial das vivências privadas não é que cada um possua seu exemplar, mas que nenhum saiba que se o outro tem também isto ou algo diferente. Seria pois possível a suposição - ainda que não verificável - de que uma parte da humanidade tenha uma sensação do vermelho e outra parte uma outra sensação" (IF § 272).

Como aprenderíamos a ligar o nome a uma coisa, se o nome fosse inventado tendo como base a minha percepção das coisas? Como saber que estamos falando da mesma coisa?
Wittgenstein dá ainda o exemplo da caixa contendo um besouro: "Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que dentro dela houvesse algo que chamamos de 'besouro'. Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro apenas por olhar seu besouro. Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa" (IF § 293).
De fato, o único certo é que a palavra 'besouro' tem um uso para essas pessoas. A coisa na caixa não pertence, de nenhum modo, ao jogo de linguagem nem mesmo como um algo (a caixa poderia também estar vazia). Seja o que for, é suprimido. Isto é: “quando se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de 'objeto de designação', então o objeto cai fora de consideração, como irrelevante" (IF § 293). Isso quer dizer que não importa a sensação que tenhamos - a suposta "essência" de nossa linguagem -, mas simplesmente sua função, seu uso no cotidiano. Neste caso, a linguagem não teria a função de designação das coisas, como se acreditava até então.
Poder-se-ia inventar um nome completamente distinto para as coisas de modo que somente eu compreendesse? Um tipo de “linguagem privada” que não pudesse compartilhar com o mundo? Um vocabulário e uma gramática desconhecida dos demais? Wittgenstein nega essa possibilidade, pois nega a noção de que palavras tenham como referentes diretos as sensações, que elas representariam. Para este "segundo" Wittgenstein, não aprendemos que a palavra "dor de dente" significa uma sensação de dor de dente, mas aprendemos a expressar um comportamento. Em outras palavras, uma criança não aprende a essência de um dado sensível representado por um signo (a palavra "dor", por exemplo), mas sim aprende “como expressar um determinado comportamento”. Prepondera o uso prático, portanto.

"Como as palavras se referem a sensações? (...) Por exemplo, da palavra 'dor'. Esta é uma possibilidade: palavras são ligadas à expressão originária e natural da sensação, e colocadas no lugar dela. Uma criança se machucou e grita; então os adultos falam com ela e lhe ensinam exclamações e, posteriormente, frases. Ensinam à criança um novo comportamento perante a dor" (IF, § 244).
Quando uma criança sente dor, ela reage com uma expressão natural de dor, o choro. Mas fica muito difícil para uma mãe, por exemplo, saber se uma criança que chora está com dor de ouvido, cólica ou apenas irritada e com sono.
Com o tempo, a criança é adestrada a substituir uma expressão natural por uma outra, simbólica. Assim, quando sente dor, usa uma frase para expressar a dor, que substitui ou complementa um grito ou choro, dizendo "Estou com dor de ouvido" ou "Minha barriga dói".
Não somos, deste modo, ensinados a usar uma palavra para significar um objeto, mas um uso linguístico, simbólico e convencional, que pode substituir uma expressão natural para tais sensações.


 


Conclusão
 

É impossível afirmar a existência de uma “linguagem privada”, pois o que se aprende não é uma palavra que designa uma coisa, mas um conjunto de regras sociais para cada uso que fazemos da linguagem. 

Sendo assim, temos duas conclusões para a filosofia analítica:

·         Como a linguagem não descreve sensações de objetos físicos exteriores, não há nenhum sentido em se falar de enunciados verdadeiros ou falsos em relação à palavra com seu objeto.
·         Não tendo como distinguir entre enunciados verdadeiros ou falsos em relação a questões de fato, se torna impossível fundamentar o conhecimento empírico nos dados dos sentidos, com queriam os positivistas lógicos.

Os trabalhos filosóficos de Wittgenstein vão repercutir no pragmatismo do filósofo americano Willard Van Orman Quine (1908-2000) e na teoria dos atos de fala do filósofo inglês John Langshaw Austin (1911-1960).




Texto de leitura prévia elaborado por Sílvio M. Maximino, com base na seguinte fonte:
Artigo de José Renato Salatiel, publicado na Página 3 de “Pedagogia & Comunicação”, disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-analitica-wittgenstein-e-o-argumento-da-linguagem-privada.htm

Sugestão de leitura:

WITTGENSTEIN, Ludwig. "Investigações Filosóficas", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1991

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