Notas introdutórias sobre a Filosofia da Linguagem de Wittgenstein
Ludwig Joseph
Johann Wittgenstein, filósofo austríaco, naturalizado britânico (1889-1951) dedicou-se
à interpretação dos mistérios da linguagem. Sua obra é dividida, geralmente, em dois
períodos:
No primeiro (representado
pela famosa obra Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922), a linguagem tem com o
mundo uma relação formal e estática; ela é algo relativamente abstrato em
relação à atividade humana. Neste período, sob influência do filósofo realista Bertrand
Russel (1872-1970), concentra-se na teoria do “significado”, segundo a qual uma
frase representa um estado de coisas na medida em que é uma espécie de imagem
ou modelo desse estado de coisas, contendo elementos que correspondem aos
elementos do estado de coisas e uma estrutura ou forma que espelha a estrutura
do estado de coisas que representa. A linguagem figura o real. Esta
ideia veio a influenciar os positivistas lógicos do Círculo de Viena.
No segundo período (representado
pela publicação da obra Investigações Filosóficas, em 1953),
ele se afasta quase totalmente da primeira linha filosófica (do “Tractatus”) e passa a enfatizar o “uso da linguagem no contexto das atividades sociais cotidianas”,
como ordenar, aconselhar, pedir, medir, contar, narrar, preocupar-se com
outros, etc. Tais atividades são concebidas como “jogos de linguagem”, sendo
função da linguagem, exprimir o real em suas funções práticas. Tal obra vai
influenciar as duas principais vertentes da filosofia
analítica da linguagem contemporânea: a Semântica
Formal e a Pragmática. Esta
nova concepção contribuiu para mudar os rumos da filosofia analítica, na Escola
de Oxford.
Wittgenstein faz,
em Investigações..., duras críticas a
duas ideias agostinianas: 1) a ideia de que o aprendizado da linguagem se dá
pelo aprendizado dos nomes, na qualidade de ‘sinais de objetos’; e 2) a ideia
de que aprendemos a linguagem exclusivamente para exprimir verbalmente nossas
afeições, as afeições ou sensações da alma. Segundo S. Agostinho:
quando
os adultos nomeavam um objeto qualquer, voltando-se para ele, eu o percebia e
compreendia que o objeto era designado pelos sons que proferiam, uma vez que
queriam chamar a atenção para ele. Deduzia isto, porém, de seus gestos,
linguagem natural de todos os povos, linguagem que através da mímica e dos
movimentos dos olhos, dos movimentos dos membros e do som da voz anuncia os
sentimentos da alma, quando esta anseia por alguma coisa, ou segura, ou repele,
ou foge. Assim, pouco a pouco eu aprendia a compreender o que designam as
palavras que eu sempre de novo ouvia proferir nos seus devidos lugares, em
diferentes sentenças. Por meio delas eu expressava os meus desejos, assim que
minha boca se habituara a esses signos.
Neste texto,
Agostinho descreve o modo como aprendeu a falar. Wittgenstein faz uma crítica à
“imagem agostiniana da linguagem” que ele resume da seguinte maneira:
“Nestas palavras temos, ao que parece,
uma determinada imagem da essência da linguagem humana, a saber: as palavras da
linguagem denominam objetos... Nesta imagem da linguagem encontramos as raízes
da ideia: toda palavra tem um significado. Este significado é atribuído à
palavra. Ele é o objeto que a palavra designa.”
O conceito
agostiniano de significado encerra a ideia de que há para cada palavra da
linguagem uma referência, uma coisa ou objeto que lhe corresponde, sendo esta
correspondência aprendida e ensinada pelo procedimento da nomeação.
Se no ”Tractatus...” a linguagem vista como
tendo uma estrutura básica, uma forma lógica, nas “Investigações...” passa a ser entendida como um jogo, uma vez que
ela é múltipla e multifacetada. Noutras palavras, “o significado de uma palavra
é seu uso na linguagem”.
Falemos, primeiramente, sobre o ponto
central desta argumentação: a palavra não tem significado algum quando nada lhe
corresponde. É importante constatar que a palavra “significado” é usado de um
modo que vai contra a linguagem quando ela se designa a coisa que ‘corresponde’
à palavra. Isto significa: confundir o significado de um nome com o portador do
nome. Se morre o Sr. N.N., costuma-se dizer, morre o portador do nome e não o
significado do nome. E seria absurdo falar assim, pois, se o nome deixasse de
ter significado, não teria sentido dizer “o Sr. N.N. morreu”.
43. Para uma grande classe de casos –
mesmo que não para todos – de utilização da palavra “significado”, pode-se
explicar esta palavra do seguinte modo: O significado de uma palavra é seu uso
na linguagem. E o significado de um nome se explica, muitas vezes, ao se
apontar par o seu portador.
Wittgenstein faz
analogias entre as semelhanças entre a linguagem e os jogos:
a) Assim
como um jogo, a linguagem possui regras constitutivas, as regras da Gramática.
Distinguindo-se das regras estratégicas de um jogo, as regras gramaticais não
determinam que lance/proferimento terá êxito, mas sim aquilo que é correto ou
faz sentido, definindo, dessa forma o jogo/linguagem;
b) O
significado de uma palavra não é um objeto do qual ela é sucedâneo, sendo antes
determinado pelas regras que governam seus funcionamentos. Aprendemos o significado
das palavras aprendendo a utilizá-las, da mesma forma que aprendemos a jogar
xadrez, não pela associação de peças a objetos, mas sim pelo aprendizado dos
movimentos possíveis para tais peças.
c) Uma
proposição constitui um lance ou uma operação no jogo da linguagem; seria
destituída de significado na ausência do sistema de que faz parte. Seu sentido
é o papel que desempenha na atividade lingüística em curso. Assim, como no caso
dos jogos, os lances possíveis dependem da situação, e, para cada lance, certas
reações serão inteligíveis, ao passo que outras serão rejeitadas.
Assim, nossos
jogos de linguagem estão imersos em nossa forma de vida, nas práticas gerais de
uma comunidade linguística. As palavras possuem significado dentro de uma
proposição e no interior do jogo em que elas são utilizadas. Por isso, a noção
de que “o significado de uma linguagem é dado em seu uso”. Como são usos
diferentes, Wittgenstein fala em jogos de linguagem. Não aprendemos os
nomes das coisas, mas um comportamento expressivo que substitui o comportamento
natural. Mais tarde, em outra obra (Últimos
escritos em Filosofia da Psicologia) vai afirmar que “as palavras só
possuem significado no fluxo da vida”.
Wittgenstein trabalha tal argumento na
obra Investigações
filosóficas. Para a tradição filosófica cartesiana, a linguagem se
refere a um conjunto de dados dos sentidos. Exemplo: a frase "dor de
dente" se refere a uma sensação de dor que a pessoa sente em algum dente. Mas
como saber se o que estou sentindo corresponde àquela mesma sensação que você
teve e que também chamou de "dor de dente"? Ou o que você chama de
"amor", teria o mesmo referente que eu designo quando uso essa
palavra? As pessoas certamente podem usar palavras de forma equivocada, pois
não é certo que todos têm a mesma percepção do espectro de luz. Diz Wittgenstein:
"O essencial
das vivências privadas não é que cada um possua seu exemplar, mas que nenhum
saiba que se o outro tem também isto
ou algo diferente. Seria pois possível a suposição - ainda que não verificável
- de que uma parte da humanidade tenha uma
sensação do vermelho e outra parte uma outra sensação" (IF § 272).
Como aprenderíamos a ligar o nome a uma coisa, se o nome fosse inventado tendo como base a minha percepção das coisas? Como saber que estamos falando da mesma coisa?
Wittgenstein dá ainda o exemplo da
caixa contendo um besouro: "Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que
dentro dela houvesse algo que chamamos de 'besouro'. Ninguém pode olhar dentro
da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro apenas por olhar seu besouro. Poderia ser
que cada um tivesse algo diferente em sua caixa" (IF § 293).
De fato, o único
certo é que a palavra 'besouro' tem um uso para essas pessoas. A coisa na caixa
não pertence, de nenhum modo, ao jogo de linguagem nem mesmo como um algo (a
caixa poderia também estar vazia). Seja o que for, é suprimido. Isto é: “quando
se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de 'objeto de
designação', então o objeto cai fora de consideração, como irrelevante"
(IF § 293). Isso quer dizer que não importa a sensação que tenhamos - a suposta
"essência" de nossa linguagem -, mas simplesmente sua função, seu uso
no cotidiano. Neste caso, a linguagem não teria a função de designação das
coisas, como se acreditava até então.
Poder-se-ia inventar um nome
completamente distinto para as coisas de modo que somente eu compreendesse? Um
tipo de “linguagem privada” que não pudesse compartilhar com o mundo? Um
vocabulário e uma gramática desconhecida dos demais? Wittgenstein nega essa
possibilidade, pois nega a noção de que palavras tenham como referentes diretos
as sensações, que elas representariam. Para este "segundo"
Wittgenstein, não aprendemos que a
palavra "dor de dente" significa uma sensação de dor de dente, mas
aprendemos a expressar um comportamento. Em outras palavras, uma criança
não aprende a essência de um dado sensível representado por um signo (a palavra
"dor", por exemplo), mas sim aprende “como expressar um determinado
comportamento”. Prepondera o uso prático, portanto.
"Como
as palavras se referem a sensações? (...) Por exemplo, da palavra 'dor'. Esta é
uma possibilidade: palavras são ligadas à expressão originária e natural da
sensação, e colocadas no lugar dela. Uma criança se machucou e grita; então os
adultos falam com ela e lhe ensinam exclamações e, posteriormente, frases.
Ensinam à criança um novo comportamento perante a dor" (IF, § 244).
Quando
uma criança sente dor, ela reage com uma expressão natural de dor, o choro. Mas
fica muito difícil para uma mãe, por exemplo, saber se uma criança que chora
está com dor de ouvido, cólica ou apenas irritada e com sono.
Com
o tempo, a criança é adestrada a substituir uma expressão natural por uma
outra, simbólica. Assim, quando sente dor, usa uma frase para expressar a dor,
que substitui ou complementa um grito ou choro, dizendo "Estou com dor de
ouvido" ou "Minha barriga dói".
Não
somos, deste modo, ensinados a usar uma palavra para significar um objeto, mas
um uso linguístico, simbólico e convencional, que pode substituir uma expressão
natural para tais sensações.
Conclusão
É impossível afirmar a existência de
uma “linguagem privada”, pois o que se aprende não é uma palavra que designa
uma coisa, mas um conjunto de regras sociais para cada uso que fazemos da
linguagem.
Sendo assim, temos duas conclusões para a filosofia analítica:
Sendo assim, temos duas conclusões para a filosofia analítica:
·
Como
a linguagem não descreve sensações de objetos físicos exteriores, não há nenhum
sentido em se falar de enunciados verdadeiros ou falsos em relação à palavra
com seu objeto.
·
Não
tendo como distinguir entre enunciados verdadeiros ou falsos em relação a
questões de fato, se torna impossível fundamentar o conhecimento empírico nos
dados dos sentidos, com queriam os positivistas lógicos.
Os trabalhos filosóficos de
Wittgenstein vão repercutir no pragmatismo do filósofo americano Willard Van
Orman Quine (1908-2000) e na teoria dos atos de fala do filósofo inglês John
Langshaw Austin (1911-1960).
Texto de leitura prévia elaborado por Sílvio M. Maximino, com base na seguinte fonte:
Artigo
de José Renato Salatiel, publicado na Página 3 de “Pedagogia & Comunicação”,
disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-analitica-wittgenstein-e-o-argumento-da-linguagem-privada.htm
Sugestão de leitura:
WITTGENSTEIN,
Ludwig. "Investigações Filosóficas", em Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1991
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