A contínua perda e criação do que existe
Mais uma interessante reflexão sobre a impermanência. Profunda demais!
Alguns textos que reproduzo aqui nesse blog não são fáceis. Alguns dependem de alguma compreensão um pouco menos superficial da natureza das coisas, do mundo, do ego... outros dependem mais de coragem do que de entendimento... e outros dependem de todos os recursos de que pudermos dispor.
A entrevista transcrita adverte que, embora concordemos de modo relativamente fácil, que a inconstância de todas as coisas seja um fato inexorável dessa vida, na prática não é tão fácil viver coerentemente com essa percepção.
Primeiro, como definir 'impermanência'?
Segundo, qual a relação entre impermanência e sofrimento/insatisfação?
Outra reflexão importante: Daqui a alguns dias ou semanas, lembraremos daquelas emoções e/ou pensamentos frágeis e efêmeros que 'assistimos' agora há pouco em nossa tela mental? essas 'nuvens' vagueando pelos céus durarão quantos minutos até se transmutarem em outras formas fantasmagóricas, para por fim se desfazerem em nada?
Há uma prática meditativa muito válida que pode ser realizada a qualquer hora do dia ou da noite, não importa a circunstância: consiste em prestar atenção, momento a momento, sem julgamento, na "experiência da mudança".
Porém, tal consciência da impermanência está incluindo a nós mesmos? Nós também não estamos mudando constantemente? Por que temos a ilusão de que somos os mesmos, as mesmas pessoas, as mesmas identidades, antes de ontem, ontem e hoje?
o que é o ego? R: multiplicidade de eus...
o que é um eu? R: um nada... que passa, que passa rápido demais se não prestamos atenção a 'ele'.
Se nosso ego se resumo a uma soma de "nadas", então o que sobra para além deles? onde jaz nossa autêntica identidade?
Se nosso ego se resumo a uma soma de "nadas", então o que sobra para além deles? onde jaz nossa autêntica identidade?
Silvio MMax.
Veja na postagem abaixo, algumas dicas interessantes...
O “processo de contínua perda e criatividade do que existe”
publicado por Nando Pereira (dharmalog.com)
A PRÁTICA DA IMPERMANÊNCIA
Uma entrevista com Joseph Goldstein
Revista Inquiring Mind (edição 2000), tradução site Acesso ao Insight,
Revista Inquiring Mind (edição 2000), tradução site Acesso ao Insight,
Inquiring Mind: Como você descreveria impermanência?
Joseph Goldstein: Impermanência
é a verdade básica universal e constante da mudança. Impermanência é,
ao mesmo tempo, um processo contínuo de perda, no qual as coisas existem
e então desaparecem, e um processo contínuo de renascimento ou
criatividade no qual as coisas que não existem repentinamente aparecem.
Podemos ver isso momento a momento na meditação. Por exemplo, sons,
pensamentos ou sensações continuamente desaparecendo e novos surgindo.
Podemos, também, ver isso claramente em situações corriqueiras das
nossas vidas. Onde foi parar nossa experiência do café da manhã lá pelo
fim da manhã? Onde ficou aquela conversa que tivemos com um amigo, no
dia seguinte? Algumas vezes, estamos mais conscientes das coisas novas
que estão surgindo, e outras, notamos o seu desaparecimento. Mas, a
mudança é sempre óbvia quando prestamos atenção.
Eu acho muito
poderosa a prática de prestar atenção, momento a momento, na experiência
da mudança. Ao invés de somente ficar perdido no conteúdo do que está
acontecendo, é possível, simultaneamente, prestar atenção ao fato de que
a experiência está se alterando e fluindo. Isso não é uma coisa tão
difícil de se fazer, mas é mais difícil lembrar de fazê-lo.
Sermos capazes
de manter essa perspectiva da natureza transitória da experiência,
mesmo quando estivermos passando por ela, ajuda a aliviar a ansiedade na
nossa mente. Daqui a seis meses, será que nos lembraremos da raiva ou
tristeza ou mesmo da alegria desse momento? Isso não significa que não
devamos ser sensíveis ou responsáveis pelo que está acontecendo ao nosso
redor, mas deveríamos sim olhar com o entendimento de que tudo está
sempre mudando. Nós sabemos dessa verdade de forma abstrata mas com
frequência, não desfrutamos dessa sabedoria. O ponto principal,
realmente, é como usar a impermanência como um método para libertar a
mente.
I.M: Nós vemos a mudança acontecendo ao nosso redor, mas não é ainda mais importante ver que nós mesmos estamos mudando?
J.G: Esse é um ponto importante. Ver impermanência não será tão
eficiente se ainda acreditarmos que o observador é sólido ou concreto. A
consciência da impermanência deve incluir o observador, nós mesmos,
para que ela seja um lugar de libertação real. Isso pode ser muito
sutil. Poderemos até saber que nossos pensamentos e sentimentos se
mantêm mudando constantemente, mas será que investigamos a exata
natureza da nossa mente que sabe? O que é consciência, e, ela é
impermanente também? É claro que é fácil para mim, fazer estas
perguntas, sentado aqui enquanto converso com você. O desafio real é
olharmos profundamente e vermos por nós mesmos (ou não-nós mesmos).
I.M: S.N.
Goenka faz com que seus estudantes foquem na impermanência das
sensações físicas, como um meio de conscientizar que o observador está
também em processo de mudança.
J.G: Essa
é uma prática muito poderosa para muitas pessoas. E quanto mais for
praticada, mais a pessoa poderá ficar consciente ao longo do dia.
I.M: De que outras formas podemos cultivar a habilidade de estarmos mais conscientes da impermanência no nosso dia-a-dia?
J.G: Coloque um grande aviso na geladeira: “Preste Atenção
à Mudança”! (Risos) A consciência da impermanência é completamente
acessível o tempo todo. Acho que existe uma crença enganosa nos círculos
do dhamma, de que o insight profundo só pode vir durante retiros
intensivos. Eu aprecio verdadeiramente o que acontece nos retiros, mas a
natureza do mundo e a natureza das nossas mentes são exatamente as
mesmas se estivermos em retiro ou fora dele. Saia para uma caminhada,
abra a porta, ou mesmo movimente a sua mão. Impermanência está sempre
ali. Note o que acontece em cada simples atividade durante o dia. Sons,
visões, sensações e pensamentos estão continuamente mudando. Quanto mais
notarmos isso, menos nos agarraremos e nos apegaremos. Quanto menos
agarrarmos e nos apegarmos, mais tranqüilidade e liberdade haverá na
mente. É muito simples, embora, como meu primeiro professor, Anagarika
Munindra, sempre dizia: “Não é fácil”. Prestar atenção é algo que temos
de praticar.
I.M: Agora, enquanto conversamos, você está com a atenção plena na impermanência?
J.G: Obviamente, a maioria das pessoas, e eu me incluo, não vive
continuamente num estado de constante atenção plena na impermanência.
Mas nós podemos ter a experiência dessa verdade muitas vezes todos os
dias. Mesmo agora, podemos perguntar, “Onde ficou o início da nossa
conversa? Onde ficou a experiência que tivemos quando pusemos a fita no
gravador?” Já desapareceram. A experiência se mantém fluindo e mudando o
tempo todo e o que estava aqui há trinta segundos atrás, já não está
mais aqui,. Acho isso realmente um pouco mágico, um pouco misterioso ter
essa consciência. Eu faço isso sempre que me lembro. Não é necessário
nenhum tipo especial de estado mental e está sempre acessível.
Uma imagem que
gosto de usar é a de estar num cinema e ser totalmente envolvido pela
trama da estória. Então, de repente nos lembramos que estamos assistindo
a um filme e naquele momento a magia é quebrada. Essa é uma boa
analogia de como vivemos, com frequência : estamos completamente
perdidos num filme, mas nada substancialmente importante está realmente
acontecendo.
I.M: Algumas pessoas chamariam a sua afirmação de muito niilista. Você está dizendo que nada está acontecendo aqui realmente?
J.G: Quando digo que nada realmente está acontecendo, quero dizer
que aquilo que está acontecendo não é o que pensamos. Um exemplo comum
utilizado na literatura Budista é o de um sonho. O sonho está realmente
acontecendo? Bem, está acontecendo realmente como um sonho. Nossa
delusão é que nós não sabemos que é um sonho, então somos agarrados pela
situação. Podemos fazer da nossa realidade um sonho lúcido? Quando
prestamos atenção à impermanência, isso nos ajuda a acordar. Podemos
também falar em termos de níveis absolutos e relativos de realidade e da
união dos dois. Podemos estar totalmente engajados no nível relativo e
ainda ter uma compreensão da perspectiva absoluta, da qual vemos a
natureza impermanente dos fenômenos. Só então, poderemos estar engajados
na experiência sem fixação e sem delusão. Ver a impermanência não
implica numa falta de empatia ou falta de vínculo. De fato, com a
consciência da impermanência existe muito menos uma noção de eu e outro,
então uma pessoa pode se sentir ligada num nível mais profundo. Se não
estivermos identificados com nenhum aspecto da experiência, incluindo a
mente que sabe, então o que fica é a compreensão da inter-relação
básica, o um nascido do zero. Kalu Rinpoche expressou isso tão
claramente quando disse: “Nós vivemos na ilusão da aparência das coisas.
Existe uma realidade. Nós somos essa realidade. Quando entendemos isso,
vemos que não somos nada. E sendo nada, nós somos tudo. Isso é tudo”
I.M: A
verdade da impermanência está se tornando bastante aparente para a
grande maioria de membros da sangha ocidental que está entrando nos anos
e notando a impermanência nos cabelos, dentes e na força dos músculos.
Quais são as suas reflexões a respeito do processo de envelhecimento?
J.G: Acho
que ver a impermanência do corpo pode levar a uma das duas direções.
Obviamente, podemos sentir muito desconforto sobre a natureza decadente
da nossa carne e ossos, o que significa que ao mesmo tempo estamos
identificados com o nosso corpo. Se nos vemos sensíveis ao nosso
envelhecimento, isso revela onde estamos presos o que pode ser de grande
ajuda no nosso processo de nos soltarmos disso. Mas se observarmos
nossa impermanência física com a compreensão de que o corpo é desprovido
de um eu, que ele é uma combinação de elementos básicos, então ver sua
natureza deteriorante pode ser libertadora. Tem sido de grande ajuda
para mim, lembrar que a mudança não é um erro. É assim que as coisas
são. Portanto, ao experimentar o envelhecimento do corpo, meu mantra se
transformou em: “É assim que as coisas são.” Emaho! (Que incrível!)
FONTE:
Nenhum comentário:
Postar um comentário