Oito coisas que nós simplesmente
não entendemos sobre o cérebro humano
PUBLICADO EM CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Apesar
de todos os avanços recentes da neurociência e dos processos
cognitivos, ainda há muito sobre o cérebro humano que nós não sabemos.
Aqui estão 8 dos problemas mais desconcertantes enfrentados atualmente
pela ciência.
8. O que é a consciência?
Sem dúvida, a consciência é o mais surpreendente aspecto do cérebro
humano. É isso, basicamente, que nos faz criaturas únicas e diferentes
de todas as outras que habitam o planeta conosco: a autorreflexão de
quem somos. A consciência nos permite experimentar e reagir ao nosso
meio ambiente de uma forma aparentemente autônoma. Nós não somos zumbis,
temos os nossos próprios pensamentos, sentimentos, opiniões e
preferências – e essas características nos permitem descobrir o mundo e
viver dentro dele.
No
entanto, ainda estamos distantes de compreender como o cérebro produz a
experiência dos fenômenos, ou qualia (termo filosófico que define as
qualidades subjetivas das experiências mentais conscientes). Os
neurocientistas não conseguem explicar como as sensações são recebidas
por nós de tal forma que podem ser traduzidas em impressões subjetivas,
como sabor, cor ou dor. Não se sabe também como podemos recuperar uma
imagem mental em nossos cérebros quando quisermos.
Os
cientistas acreditam que há alguma relação com a forma como as partes
sensoriais do cérebro estão ligadas a estruturas do mesencéfalo (como o
tálamo). A consciência também pode surgir de, nas palavras do filósofo
estadunidense Daniel Dennett, um “grupo de agências semi-independentes”.
Ou o que o cientista cognitivo Marvin Minsky, também dos Estados
Unidos, chamou de “Sociedade da Mente”. “‘Consciência’ é uma palavra que
você usa para não discutir os 40 ou 50 diferentes processos que estão
acontecendo em vários momentos”.
Essas
teorias contrastam com o modelo “teatro cartesiano”, que sugere que há
um lugar único e identificável no cérebro, onde “tudo se une”. Mais
controversos, alguns cientistas ainda propõem que existam efeitos
quânticos no processo. Ou seja, nós realmente não temos a menor ideia.
7. Quanto da nossa personalidade é determinada pelo nosso cérebro?
Este
é o velho debate natureza versus criação. E é um dilema que é difícil –
se não impossível – de quantificar. Alguns cientistas, como Steven
Pinker, argumentam que todos nós nascemos com predisposições genéticas
que influenciam nossa psicologia. Isto é a negação da “hipótese da lousa
em branco”, que sugere que a mente não possui características inatas
quaisquer e que a maioria, se não todas as nossas preferências
individuais são socialmente construídas.
Estudar
gêmeos que foram separados no nascimento pode ajudar – porém, apenas um
pouco. É difícil dizer em que momento os efeitos dos genes começam e
onde acabam, principalmente porque eles são tanto reforçados quanto
suprimidos por experiências sociais. A epigenética, em que a expressão
genética é ou pausada ou ativada de acordo com as circunstâncias do
ambiente, complica ainda mais a questão. Mas, de certa forma, o debate
da natureza versus criação é irrelevante: o cérebro é um constante
projeto em andamento e uma esponja que está perpetuamente absorvendo o
que acontece no ambiente em que está inserido.
6. Por que dormimos e sonhamos?
Praticamente
todos os animais dormem, o que é uma loucura se você pensar sobre isso.
Ou seja, dormir deve ser extremamente importante, tendo em vista que a
evolução não criou uma maneira de contornar isso. É uma condição em que a
consciência é (em grande parte) desligada, deixando-nos sem saber o que
acontece à nossa volta e completamente vulnerável. Por outro lado, se
fôssemos privados de sono suficiente, acabaríamos morrendo.
Então,
qual é o propósito por trás disso? Poderia ser uma maneira de
recarregar o cérebro e repor os estoques de energia do corpo. Ou ainda
uma forma de nos ajudar a consolidar e armazenar memórias importantes
enquanto jogamos fora informações neurais de que não precisaremos. E, de
fato, parece haver alguma credibilidade à ideia de que o sono nos
auxilia a codificar as nossas memórias de longo prazo.
Ou,
como o neurocientista e psiquiatra da Universidade de Wisconsin, o
italiano Giulio Tononi, argumenta, o sono pode ser uma maneira de trazer
as nossas células cerebrais para seu estado inicial. Ele admite que a
hipótese é um tanto controversa entre os colegas neurocientistas que
estudam o papel do sono na aprendizagem e na memória, porque “nós
sugerimos que esse retorno ao padrão resulta no enfraquecimento das
ligações entre os neurônios, que acontece durante o sono”, diz.
“O
conhecimento geral, por outro lado, afirma que a atividade cerebral
durante o sono fortalece as conexões neurais envolvidas no armazenamento
de memórias recém-formadas. Entretanto, anos de pesquisa com organismos
que vão desde moscas até seres humanos nos dão argumentos que
fortalecem a nossa hipótese”, conta.
Quanto
aos sonhos, os cientistas estão igualmente perplexos – embora não haja
escassez de explicações. Pode ser um efeito colateral acidental de
impulsos neurais aleatórios, uma forma de simular e lidar com ameaças do
mundo real, uma maneira de processar emoções dolorosas… escolha a sua
justificativa preferida. Mas a realidade é que não chegamos a um
consenso sobre isso também.
5. Como armazenamos e acessamos nossas memórias?
Como o disco rígido do computador, as memórias são gravadas fisicamente
em nossos cérebros. Porém, não temos ideia de como o nosso cérebro faz
isso, tampouco compreendemos como essa informação fica armazenada no
cérebro.
Além
do mais, não existe apenas um tipo de memória. Temos tanto memória de
curto como de longo prazo. Há também memórias declarativas (nomes e
fatos) e não declarativa (como a chamada memória muscular). E ainda,
dentro de nossas memórias de longo prazo, temos as memórias “flashbulb”
(algo como “instante fotográfico” em português), que nos faz sermos
capazes de lembrar os detalhes precisos do que estávamos fazendo durante
acontecimentos importantes. E para complicar ainda mais as coisas,
diferentes partes do nosso cérebro executam diferentes funções nessa
tarefa de armazenar a memória; ou seja, trata-se de um jogo bastante
complexo entre nossas sinapses e nossos neurônios.
Os neurocientistas pensam que o armazenamento da memória depende da conexão entre as sinapses e a força das associações – lembranças não são codificadas como bits de informação, mas sim como relações entre duas ou mais coisas (por exemplo, tocar um elemento quente provoca dor). De um modo semelhante, as memórias de um evento podem ser acumuladas em uma matriz de neurônios interligados em nosso cérebro chamado de “engramas”, ou traço de memória. E, de fato, os cientistas recentemente implantaram uma falsa memória em um rato para testar essa suposição.
Os neurocientistas pensam que o armazenamento da memória depende da conexão entre as sinapses e a força das associações – lembranças não são codificadas como bits de informação, mas sim como relações entre duas ou mais coisas (por exemplo, tocar um elemento quente provoca dor). De um modo semelhante, as memórias de um evento podem ser acumuladas em uma matriz de neurônios interligados em nosso cérebro chamado de “engramas”, ou traço de memória. E, de fato, os cientistas recentemente implantaram uma falsa memória em um rato para testar essa suposição.
Dito
isto, os cientistas continuam sem ter certeza como as memórias se
formam, por que certas memórias vão se apagando de nossas cabeças e
desaparecem, por que algumas vezes desenvolvemos falsas memórias e
porque nem sempre podemos acessar informações quando queremos. É um
processo muito confuso e imperfeito, de fato.
4. Todos os aspectos da cognição podem ser traduzidos para um computador?
O
cientista da computação Alan Turing deu o pontapé inicial nesse debate
ao argumentar que qualquer cálculo do mundo real – incluindo a cognição –
pode ser traduzido em uma equação equivalente utilizando uma espécie de
computador antigo, batizado de máquina de Turing. Isto deu origem ao
modelo funcionalista da cognição humana. A teoria acredita que as mentes
orgânicas são, basicamente, processadores clássicos de informações.
Alguns
cientistas, no entanto, como Miguel Nicolelis, argumentam que o cérebro
não é computável e nenhum objeto criado por humanos pode reproduzi-lo.
Segundo ele, a consciência humana não pode ser replicada em silício,
pois a maioria de suas características importantes são o resultado de
interações imprevisíveis e não lineares entre bilhões de células.
De
fato, as nossas mentes pode ser acionadas por certas funções que são de
natureza puramente analógica – ou seja, processos que requerem uma base
física. Ou, talvez, a cognição e a consciência surjam de uma forma
alternativa de cálculo que ainda temos de descobrir.
Como
o inventor e futurista estadunidense Ray Kurzweil escreveu no seu livro
“The Singularity is Near” (“A Singularidade está Próxima”): “Os
computadores não têm que usar apenas 0 e 1… A natureza da computação não
está limitada a manipular símbolos lógicos”, afirma. De acordo com
Kurzweil, algo está acontecendo no cérebro humano e não há nada que
impeça esses processos biológicos de serem revertidos pela engenharia e
replicados em entidades não biológicas.
Entretanto,
o que exatamente são esses processos? Parece claro que certas partes da
cognição humana são computacionais por natureza (como, por exemplo, a
nossa capacidade inata de determinar a trigonometria de objetos em
movimento). Mas quais são? E quais não são? Não temos essa resposta, por
ora.
3. Como funciona a percepção?
A principal função do cérebro é a de converter os nossos sentidos em
experiências. Nossa capacidade de perceber o que acontece à nossa volta é
o que nos permite organizar, identificar e interpretar a informação
sensorial para construirmos e compreendermos nosso mundo. Tudo muito
bonito, mas… como, exatamente, o nosso cérebro transfere esta informação
sensorial recebida em tais experiências qualitativas vivas? E como esta
percepção é organizada no cérebro?
Esta
é uma questão que está relacionada com o complexo problema da
consciência e com o aparecimento, novamente, da qualia – o sentimento
subjetivo que cada um de nós tem depois de ver a cor vermelha ou
saborear um pedaço de chocolate.
Neurocientistas
apontam para o sistema nervoso – o ponto de toda a percepção humana.
Nossos diversos órgãos recebem primeiro o estímulo, como a luz ou
moléculas de um odor, e de alguma forma o convertemos nesta coisa que
chamamos de “percepção”.
Nós
muitas vezes podemos moldar estas experiências por meio da
aprendizagem, da memória e de expectativas, mas muitos destes processos
acontecem sem a nossa interferência, no nível da inconsciência. A
percepção também é controlada por diferentes módulos no cérebro, que por
sua vez fazem parte de uma ainda mais ampla rede cognitiva.
Uma
teoria aceita no mundo científico é a de que a percepção está ligada às
tentativas ativas e pré-conscientes de fazer sentido aos estímulos
captados por outros órgãos que não o cérebro. Em outras palavras, a
percepção pode ser um processo ativo de testes de hipóteses. Trabalhar
com ilusões de óticas – em que somos apresentados a hipóteses incorretas
– parece reforçar esta sugestão. A percepção pode também trabalhar em
conjunto com a atenção (outra área desafiadora de estudo).
2. Será que temos livre-arbítrio?
Os filósofos têm debatido esta por milênios, e os cientistas estão
finalmente começando a entrar na discussão – e eles não necessariamente
gostam do que veem.
O debate sobre o livre-arbítrio deu origem ao determinismo cosmológico (tudo se desenvolve ao longo do tempo de uma forma previsível), o indeterminismo (a ideia de que o universo e as nossas ações dentro dele são aleatórios) e libertarianismo/compatibilismo cosmológico (o livre-arbítrio é logicamente compatível com visões deterministas do universo).
O debate sobre o livre-arbítrio deu origem ao determinismo cosmológico (tudo se desenvolve ao longo do tempo de uma forma previsível), o indeterminismo (a ideia de que o universo e as nossas ações dentro dele são aleatórios) e libertarianismo/compatibilismo cosmológico (o livre-arbítrio é logicamente compatível com visões deterministas do universo).
Menos
filosoficamente, experiências mostram que a mente inconsciente inicia
atos aparentemente voluntários cerca de 0,35 segundo antes da
consciência. Na década de 1980, Benjamin Libet concluiu que não temos
livre-arbítrio, pelo menos quando se trata do início de nossos
movimentos, mas possuímos uma espécie de “veto” cognitivo para evitar o
movimento no último momento – ou seja, não podemos começá-lo, mas temos
como pará-lo. Mais recentemente, estudos de ressonância magnética
mostraram que este atraso, chamado de potencial de prontidão, ocorre um
segundo inteiro antes de nossa percepção.
Os
céticos argumentam que esses experimentos não provam nada, e/ou que há
distorções nos dados. Outros o rejeitam por causa de suas ramificações
inquietantes. E o consenso científico novamente não acontece.
1. Como nós conseguimos nos movimentar e reagir tão bem?
Você
pode não perceber, mas nós fazemos um trabalho incrível ao mover nossos
corpos através do espaço e do tempo. Como nós conseguimos tais façanhas
de maneira tão controlada, no entanto, permanece um mistério.
Pense na destreza necessária para enfiar o fio numa agulha e, em seguida, costurar uma peça de roupa. Ou realizar um concerto de piano. Essas conquistas são ainda mais incríveis quando se considera quão lentos, aleatórios e imprevisíveis nossos impulsos nervosos motores realmente são. Claramente, há algo muito sofisticado acontecendo entre o nosso córtex motor e o córtex cerebral, que permite essas ações tão suaves e eficientes.
Pense na destreza necessária para enfiar o fio numa agulha e, em seguida, costurar uma peça de roupa. Ou realizar um concerto de piano. Essas conquistas são ainda mais incríveis quando se considera quão lentos, aleatórios e imprevisíveis nossos impulsos nervosos motores realmente são. Claramente, há algo muito sofisticado acontecendo entre o nosso córtex motor e o córtex cerebral, que permite essas ações tão suaves e eficientes.
Há
ainda a questão temporal a considerar. Todos nós temos relógios
internos (mais um mistério para a neurociência), que fazem um trabalho
notável de afinação do nosso ambiente em tempo real – mesmo que haja um
atraso cognitivo. Demora um décimo de segundo para os nossos cérebros
processarem o que vemos. Embora isso realmente pareça um curto espaço de
tempo, imagine um objeto vindo em sua direção a 120 quilômetros por
hora, como uma bola de tênis. Ele terá percorrido quase 5 metros antes
que o seu cérebro perceba o que está acontecendo e tente desviar da bola
assassina.
De
acordo com um estudo recente, o nosso cérebro “empurra” para a frente
objetos em movimento de tal forma que nós o percebamos como estando mais
à frente no tempo e espaço do que eles realmente estão. Isso significa
que nossos cérebros não estão em sintonia com o mundo real. E, como
mencionado anteriormente, podemos até iniciar nossos movimentos antes
mesmo de termos consciência deles. Intrigante, não?
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