Síndrome de Gabriela
- parte I -
Mario Sergio
Cortella, em sua obra 'Não Nascemos Prontos', (pág. 124) menciona um
interessantíssimo comportamento psicológico batizado de "Síndrome de
Gabriela". Quem conhece a música*, por certo se lembrará que a certa altura
do refrão, a cantora declara: eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo
assim, vou ser sempre assim...
Deste modo,
metaforicamente falando, não haveria problema algum se pensássemos na síndrome como pressuposto explicativo de nossa forma física (cor e tipo de cabelo, cor da pele ou dos olhos, estatura e formato do rosto, nariz, mãos etc). Porém, o que acabamos por fazer? nós estendemos inapropriadamente a noção de 'herança genética' advinda da biologia para também justificar/explicar os porquês de todos os nossos comportamentos, hábitos, manias, vícios etc. Então,
diante da dificuldade de mudarmos nosso ‘jeitinho de ser’, acabamos assumindo que tudo decorre de algum tipo de determinismo genético.
A nossa carga genética biológica explicaria tudo!
Não! Definitivamente, nossa biologia não explica tudo. A genética pode, no máximo, nos predispor a certas índoles, mas jamais
determinar como seremos. Nossa personalidade sofre, evidentemente, muito mais influência do meio no qual se desenvolveu, do que propriamente da genética. Nem tudo é culpa dos ácidos desoxirribonucleicos (DNA). Mas, então por que não cair logo na tentação de pensar que somos mero resultado das influências empíricas ambientais (família, escola, sociedade)? Na verdade, nem é uma coisa, nem outra. Nem somos apenas o resultado do determinismo mecânico das moléculas de DNA, nem tampouco somos o resultado mecânico dos estímulos ambientais recebidos. Ambos os fatores são importantes coadjuvantes e indubitavelmente condicionantes, mas nem um, nem outro é determinante. Cada humano pode reagir de distintas formas, mesmo diante dos mesmos estímulos. Podemos, no máximo, arriscar prognósticos baseados em probabilidades.
De fato, não
estamos querendo dizer que é fácil livrar-se de certos traços de personalidade. O condicionamento promovido pela
endoculturação, ajuda a definir nossa visão de mundo, nossas crenças, nosso gosto musical e alimentar, nossas habilidades profissionais, nosso padrão estético e até mesmo a maioria de nossas regras morais de convivência social. Não nascemos com nada disso pronto, mas a cultura, associada às experiências
individuais de cada um, se encarrega de
configurar inúmeros traços de nossa personalidade.
O que somos?
Afinal, temos uma identidade psíquica definida?
Habita nosso psiquismo individual, aquilo
que chamaremos de ‘eus psicológicos’ (expressão amplamente utilizada na
literatura da psicologia gnóstica). Tais eus psicológicos guardam correspondência exata com o que
chamamos de pensamentos e sentimentos. Eles funcionariam semelhantemente a
'programas de computador'. Programas são conjuntos de 'dados' gravados sobre um
suporte midiático. Ou seja, cada programa é constituído de uma ‘memória’ específica, geralmente
contendo comandos executáveis. Quando devidamente inseridas em uma máquina
específica, ‘respondem’ aos estímulos advindos do ‘exterior’, executando
aqueles comportamentos previamente escritos em sua programação. Tais
‘softwares’, tais memórias sempre executam mecanicamente a mesma tarefa para a
qual foram previamente programadas.
Uma questão de autocontrole?
Controlar a
ação destas memórias é certamente um trabalho muitas vezes complicado, ingrato
e até inútil. Por detrás de cada velho hábito, costume, crença, paradigma, pensamento,
sentimento ou comportamento, está um eu ou um conjunto de eus, um conjunto de
programas (ou de memórias). Então, uma vez que o programa começou a executar certa
tarefa, monitorar ou reprimir sua execução, quase nunca é fácil, muitas
vezes até impossível para um usuário ingênuo que não conhece sua própria máquina (portanto, que não se autoconhece). Quase todos nós (se você é exceção, favor considerar-se
excluído desta minha generalização) ...somos viciados em algo. É claro
que há vários tipos de vícios, em muitos graus de intensidade, bem como associados a diversos tipos de situações ou
substâncias.
Uma coisa é
evidente: nunca é fácil libertar-se de um vício, seja este numa substância
psicoativa (nicotina, cocaína, codeína, cafeína, sacarina etc), seja em atividades (sexo, jogos, esportes radicais, filmes etc.). O estímulo de certas emoções garante uma produção extra de hormônios específicos, o que afeta o humor, a sensação de prazer, etc.
Mas (me
pergunto sempre) "o que é fácil nessa vida?" Nascer e respirar foi algo fácil? aprender a andar ou a falar por acaso foi fácil?
aprender fórmulas de trigonometria ou de física era assim tão fácil? desde
quando nossos aprendizados deixaram de exigir esforço, empenho e algum
sacrifício?