09/10/2014 |
A dor e a delícia da democracia
POR NICOLE VERILLO
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informações sobre os candidatos e o que eles pensam sobre a reforma
política é o primeiro passo para a solução dos problemas do sistema
eleitoral brasileiro
2014
tem sido um ano de fortes emoções para quem acompanha, se importa,
participa e gosta de política de verdade. Nesse cenário, manter a calma
tem sido uma tarefa complicada para qualquer um, tenha a opção política
que tiver. No ápice das emoções, os resultados do último domingo,
acompanhados de uma avalanche de reações, representa muito trabalho para
os próximos quatro anos.
Nós acabamos de eleger o Congresso mais conservador desde 1964,
de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(Diap). Essa formação acende um sinal amarelo e fornece bases para o
surgimento de um discurso político que gera retrocessos na conquista de
novos direitos e também em direitos já consagrados. Desde os direitos
das mulheres, dos negros, indígenas e LGBT, até o direito de acesso à
informação e a liberdade de expressão.
Celso Russomano (PRB-SP), o deputado mais votado do país, tentou derrubar o projeto da Lei da Ficha Limpa na
votação dos destaques da proposta, ao lado de Paulo Maluf e outros
deputados. Russomano se apresenta como advogado, mas nunca passou no
exame da OAB, e chegou a ser processado por advogar ilegalmente. Dentre
vários escândalos, ele também foi ativo participante do escândalo das passagens da Câmara. O deputado usou a cota parlamentar paraviajar com a família para
Nova York e Montevidéu. Nosso deputado mais votado ainda é acusado de
peculato (apropriação, ou desvio, de recursos públicos em proveito
próprio), crime de falsidade ideológica, aliciamento de clientes,
suborno e de operar uma rádio ilegal no interior paulista sem a
concessão do Ministério das Comunicações.
O
terceiro deputado mais votado, Jair Bolsonaro (PP-RJ), alvo de um
inquérito que apura crime contra a fauna, também foi acusado de
homofobia, e chegou a afirmar que não corre “risco” de ter filhos gays
porque eles teriam tido uma “boa educação”. Não muito longe de
Bolsonaro, no quarto lugar entre os mais votados, ficou Marco Feliciano
(PSC-SP), que se intitula o guardião da família brasileira. O deputado,
no seu primeiro mandato, aprovou dois projetos na Comissão de Direitos Humanos contra o casamento gay.
Esses
são só os TOP 4 da lista dos 513 deputados eleitos no último domingo,
mas já diz muito sobre os desafios que iremos enfrentar nos próximos
quatro anos. E tenha você candidatos eleitos ou não, a responsabilidade
também é sua, ao lado de toda a população, que vota na maioria das vezes
mal sabendo o nome do seu candidato.
Neste
último domingo recebi muitas mensagens, faltando poucas horas para
encerrar o horário de votação, de diferentes amigos me perguntando “Em
quem eu voto para deputados?”. Reconheço que me dediquei na pesquisa
sobre os candidatos que votei, consultando previamente suas propostas e
histórico, e sou a favor da troca de ideias e debate, pois sei que não é
nada fácil escolher um deputado frente ao número gigante de candidatos
que existem (eu demorei para escolher os meus!). Mas, mesmo assim, os
pedidos me incomodaram. E me incomodaram primeiro por serem pedidos de
última hora, apressados, de pessoas correndo para a urna; segundo por
serem pessoas que possuem condições e noção crítica para buscar seus
candidatos com antecedência e fazerem escolhas conscientes; e, terceiro,
por saber que assim age a grande maioria da população.
É
comum ver as pegarem a cola do amigo, do pai, ou os santinhos jogados
no chão sem sequer lerem os nomes dos candidatos, ou escolherem alguém
por ser amigo do amigo, e seguirem para as urnas reclamando da “chatice”
que é ter que votar porque “não faz diferença mesmo” (enquanto eu, no
meu orgasmo democrático, fui ansiosa e feliz da vida votar).
Não
estou dizendo aqui que quem votou no Tiririca, ou qualquer outro, não
sabia o que estava fazendo, pois sei que muitos sabiam, mas a maioria eu
garanto que não pesquisou ou foi no embalo do “voto de protesto”. O
problema é que na hora de reclamar que o Congresso é corrupto,
conservador, fundamentalista e incompetente, essa maioria parece
esquecer quem os colocou lá, e já é tarde demais para gritar “vocês não
me representam”.
Além
de não saberem em quem votar, as pessoas também não sabem o que faz um
deputado e um senador, e sequer imaginam o impacto que a formação do
Congresso Nacional tem em suas vidas. E enquanto a população não
entender a função dos nossos representantes, não entender a função das
nossas instituições e não entender que são responsáveis por tudo isso,
seguiremos aumentando a distância entre a vontade do eleitor e o mandato
do eleito.
E
para piorar esse cenário o nosso sistema eleitoral é extremamente
injusto e desconhecido pela população. Ao contrário do que muita gente
pensa, nas eleições para deputado federal, estadual e distrital, não
ganha quem tem mais votos (isso sem falar da questão econômica e do
financiamento das campanhas, que é tema para outro artigo). Nosso
sistema é proporcional e por isto permite a eleição de um candidato com
poucos votos, enquanto um nome bem votado pode ficar fora do parlamento.
Somente 35 deputados federais,
dos 513 que irão compor a Câmara a partir de 2015, receberam votos
suficientes para se elegerem sozinhos. Os demais foram eleitos com os
votos da legenda ou de outros candidatos de seu partido e coligações. Só
o Russomano levou com ele outros quatro candidatos, Tiririca puxou mais
dois.
Pois
é, até você que votou de forma consciente não tem tanto poder como
imagina. Já disse Drummond de Andrade: “Democracia é a forma de governo
em que o povo imagina estar no poder”. Porém, o futuro não é dado, é
criado. E é por isso, que apesar do conservadorismo do nosso novo
Congresso, nossa responsabilidade é ainda maior e não podemos chorar o
leite derramado.
Tanto
o sistema, como a falta de consciência da população, exigem
urgentemente uma reforma política. Não há como solucionar determinados
problemas da nossa democracia com o sistema político vigente, é ele que
perpetua a situação que vivemos. Também não podemos esperar que o
Congresso Nacional faça (ainda mais agora), ele próprio, uma reforma
política que na prática acaba com muitos de seus privilégios.
Para
que o povo possa realmente estar no poder a solução virá de iniciativas
populares e que já estão sendo debatidas e realizadas há muito tempo.
Uma dessas iniciativas, da Coalizão pela Reforma Política Democrática e
Eleições Limpas, propõe um projeto de lei de iniciativa popular, como a
Lei da Ficha Limpa, onde o voto do eleitor favorece somente o partido e o
candidato que ele escolheu, diferente do que acontece hoje.
Conheça
as iniciativas populares, participe, e se informe sobre o que pensa o
seu candidato sobre elas. Apesar do nosso Congresso Nacional já estar
formado, ainda não definimos que será nosso(a) Presidente da República
nos próximos quatro anos.
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