Fundamentos sociológicos e antropológicos das políticas afirmativas voltadas às minorias étnicas
Abaixo segue interessante artigo acadêmico no qual os pesquisadores R. Franklin Ferreira e R. Mendes Mattos abordam alguns dos principais fundamentos sociológicos e antropológicos que justificam a política afirmativa do sistema de cotas para minorias étnicas no Ensino Superior Público brasileiro.
No mesmo artigo, também são apresentadas as
críticas ideológicas mais comuns presentes nos discursos que ouvimos nas redes
sociais, na grande mídia de massa e na boca de alguns políticos
"representantes do povo brasileiro".
O presente artigo não deixa de mencionar os principais processos
históricos e sociais decorrentes do problema da escravidão em território
nacional e que se seguiram agravados a partir da assinatura da Lei Áurea, uma
vez que não lhes foram atribuídos os mesmos direitos que se concedia aos demais
brasileiros brancos.
Logo perceberemos que a suposta “democracia racial”
que existiria em nosso país, era uma realidade apenas nas teses acadêmicas de
pessoas desconhecedoras da crua realidade da vida das minorias no Brasil.
Efetivamente, após a Abolição (1888), nenhuma medida foi tomada pelos sucessivos
governantes e legisladores brasileiros, no intuito de prestar qualquer tipo de
assistência ao enorme contingente de ex-escravos e descendentes, em sua maioria
pobres e com pouca instrução formal. Pelo contrário, foram simplesmente despejados no mercado de trabalho sem
qualquer qualificação, sem acesso à terra, sem indenização, e sem qualquer rede
social de proteção (SUS, INSS, seguro-desemprego etc).
Os autores seguem abordando detalhadamente as condições de vida do afrodescendente brasileiro e encerram aprofundando seu estudo em torno do tema “Ações afirmativas e política de cotas”. Apresentam então, alguns dos principais argumentos contrários e favoráveis nas seguintes esferas: ético/jurídica, esfera étnica, esfera político/assistencial, esfera ideológica, esfera pedagógica, e, por fim, na própria esfera das relações raciais.
Ao final do seu artigo, o leitor notará que os autores admitem a atualidade e complexidade das questões raciais no Brasil. Resta desmontada a fragilidade do argumento ideológico da "democracia racial”. A "naturalização" da desigualdade racial passa, segundo os pesquisadores, pela negação da diferença, pela discriminação do diferente, pela subalternização e inferiorização daquele que é ou pensa diferente.
Concluem por fim que o afrodescendente no Brasil desenvolveu sua identidade étnica em torno de referências inferiorizadoras, o que favoreceu atitudes de submissão aos valores de grupos étnicos hegemônicos, mas que é possível a superação desse comportamento/atitude.
Terminam questionando:
- a política de cotas poderá ser favorável ou não
para a melhoria das condições de vida dos brasileiros negros, apesar das
dificuldades que dela podem advir?
- tal política poderá auxiliar na construção de
identidades negras positivamente afirmadas?
- ela pode ser considerada uma das estratégias para
favorecer a ruptura do círculo vicioso ao qual o afrodescendente está submetido
(pobreza, falta de condições educacionais, condições precárias de trabalho,
status social considerado inferior e identidade submetida a referências de
menor valor)?
Excelente artigo indicado para estudantes da Ciência Política, das Ciências Jurídicas, da Antropologia e da Sociologia.
Boa leitura!
Silvio M. Maximino
Excelente artigo indicado para estudantes da Ciência Política, das Ciências Jurídicas, da Antropologia e da Sociologia.
Boa leitura!
Silvio M. Maximino
Segue abaixo, o artigo
acadêmico na íntegra:
O afro-brasileiro e o debate sobre o sistema de cotas: um enfoque psicossocial
The
afro-brazilian and the debate on the quotas system: a psychosocial view
Ricardo Franklin Ferreira*;
Ricardo Mendes Mattos**
Universidade São Marcos
RESUMO
Tendo como base o debate sobre o sistema de cotas
para negros nas universidades públicas, o presente artigo tem por objetivo
explicitar os vários argumentos que configuram o campo de discussões acerca da
implantação desse sistema, que constitui uma forma de ação afirmativa, visando
a possíveis efeitos favoráveis dessa medida para o processo de construção da
identidade do afro-brasileiro. Para tanto, recorreu-se à análise de diversos
artigos e matérias publicadas pela imprensa escrita. Verificou-se a
concentração dos debates, tanto das pessoas favoráveis ou contrárias às cotas,
em seis esferas: ético/jurídica, étnica, político/assistencial, ideológica,
pedagógica e das relações raciais. Por fim, concluiu-se que o debate sobre o
sistema de cotas inaugura uma fase de discussões mais explícitas sobre as
questões raciais, o que favorece a transformação do afro-descendente no sentido
de atuar de forma crítica e emancipatória na conquista de seus direitos.
Palavras-chave:
Afro-brasileiro, Sistema de cotas, Identidade, Ações afirmativas, Emancipação
humana.
ABSTRACT
Based on the discussion
about the quotas system for black descendents in the public University, the
current article intends to explicit the large amount of arguments that are part
of this field on the implementation of this issue, which is a positive way of
action, having in mind possible and favorable effects to impose and to
construct the Afro-Brazilian identity. In order to achieve this, several
articles and press-released material were analyzed. This debate was focused and
concentrated either on the favorable and opponent people, in six topics:
ethic/judgemental, ethnical, political/assistance, ideological, pedagogical and
racial relations. In this matter, the conclusion is that the quotas system
debate initiates a new phase of explicit discussion on the racial issue,
pushing the afrodescendents to assign a critical and emancipated way to conquer
their rights.
Keysword: Afro-Brazilian, Quotas
system, Identity, Affirmative actions, Human emancipation.
Alunos, educadores, políticos, pesquisadores,
líderes de movimentos sociais, representantes de organizações da sociedade
civil, reitores, jornalistas - diversos personagens e uma só discussão: o
sistema de cotas para afro-descendentes nas universidades públicas. Tal
discussão, muito longe de consensual, é permeada por opiniões divergentes.
Vantagens e desvantagens desse sistema são amplamente analisadas com base em
concepções diversas. Entretanto, uma faceta desse debate é indubitável: a
promoção de um diálogo aberto sobre as questões relacionadas aos
afro-descendentes, que tende ao rompimento com a dissimulada idéia de uma
"democracia racial" no Brasil.
Essa polêmica instigou este trabalho. Tendo como
base referências da Psicologia social e das ciências sociais, partiu-se do
contexto histórico que gestou o afro-brasileiro e das condições concretas às
quais essa população está submetida hoje. Tais condições determinam efeitos
negativos na construção das identidades pessoais que, por sua vez, participam
da construção de todo o tecido social, através de um processo dialético
contínuo que tende, num círculo vicioso, a manter as desigualdades, em função
de um racismo institucionalizado, processo analisado com muita propriedade por
Santos (2001).
As várias discussões, voltadas para a questão das
cotas para os afro-descendentes nas universidades, articulam-se em torno de
aspectos jurídicos, políticos, de relações raciais, do problema da exclusão
social do brasileiro e da falta de qualidade das escolas públicas, dentre
outros. Entretanto, os argumentos que permeiam as discussões somente tangenciam
os possíveis efeitos da política de cotas na construção da subjetividade do
afro-descendente e da sua inserção como sujeito histórico de transformação da
realidade social que o constituiu.
Esse contexto serviu de terreno para, como objetivo
do trabalho, explicitar os vários argumentos que configuram o campo de
discussões acerca da implantação do sistema de cotas, uma forma de ação
afirmativa.
Para isso, analisamos alguns artigos de jornais e
revistas de grande circulação nacional, como O Estado de São Paulo, Folha
de São Paulo, Jornal da Tarde¸ o Correio Braziliense e a
revista Época, além de outros disponíveis na internet, através do
procedimento abaixo descrito.
Consideramos artigos escritos a partir de agosto de
2001. Após sua classificação em seis esferas de debate que configuram o campo
de discussões (esfera ético/jurídica, esfera étnica, esfera
político/assistencial, esfera ideológica, esfera pedagógica e esfera das
relações raciais, definidas no item 5), foram analisados os conteúdos ali
contidos até que se tornassem saturados, isto é, até o momento em que as
informações se tornaram repetitivas. Dessa maneira, foram utilizados trinta e
quatro artigos que representam a amostra do universo de cento e vinte e dois
trabalhos consultados e que também possibilitaram discorrer sobre as seis
esferas de debate.
Decidimos analisar artigos veiculados em jornais e
revistas, por considerarmos a importância da imprensa escrita como meio de
comunicação sobre o assunto. Alinhados com Guareschi (2004), podemos dizer que
essa comunicação, hoje, constrói a realidade, pois "a mídia tem, na
contemporaneidade, o poder de instituir o que é ou não real, existente"
(p. 83), além de dar uma conotação valorativa à realidade. Assim, as opiniões
expressas pela mídia não somente reproduzem como também formam as
representações sociais constituintes de uma certa cultura. Representações
sociais são aqui entendidas, conforme Jodelet (2001), como uma forma de
conhecimento socialmente elaborado que contribui para a construção de uma
realidade comum a um grupo social.
O afro-brasileiro
Compreender qualquer processo humano que se dá em
um determinado período histórico implica compreender o próprio processo
histórico que o constituiu.
Assim, para um trabalho que tem por objetivo
configurar o campo de discussões acerca do sistema de cotas para negros na
universidade, faz-se necessário compreendê-lo como parte de um conjunto de
condições expresso através da vida material, social e política desenvolvida
historicamente pelo povo negro no Brasil.
O Brasil foi o país americano a escravizar o maior
número de africanos (a partir de 1538), e o último do mundo cristão a abolir a
escravidão, só o fazendo devido à pressão exercida pela Inglaterra ao modelo
vigente na época (Moura, 1988). Sua história inicia-se num cenário mercantil,
baseado num sistema escravagista, sustentáculo da mão de obra do País por cerca
de quatro séculos.
Tal período foi seguido por dois acontecimentos
concomitantes, a Abolição e a imigração de europeus para a substituição da mão
de obra escrava, que intensificaram as dificuldades na vida do afro-brasileiro,
com sua peregrinação em busca de sobrevivência, sem condições de competir no
mercado de trabalho com os imigrantes que passaram a fazer parte do novo
cenário.
Em 1888, com a Abolição, podemos imaginar quantos
africanos escravizados deixaram as senzalas, sonhando com melhores dias, com a esperança
de que, a partir da assinatura da Lei Áurea, passariam a ter os mesmos direitos
de todos os brasileiros.
Porém, não foi o que aconteceu. Apesar de o Brasil
ser um país que se declara de democracia racial, não foi tomada nenhuma medida
para cuidar de sua grande população de ex-escravos e de seus descendentes, em
sua maioria pobres e com pouca instrução formal. Para Suplicy (2002), a
abolição das leis escravistas não significou, para os escravos, uma libertação.
Foram lançados num mercado despreparado para receber esse imenso contingente, e
os afro-brasileiros passaram a ser ainda mais desassistidos. Para esse autor,
até os dias atuais, os afro-brasileiros são a maioria da população que habita
as favelas, os vãos de viadutos, está nas filas de emprego, nas portas dos
hospitais públicos, nos presídios e sofre por questões ligadas a um profundo
preconceito racial1.
Fruto desse processo histórico na formação do
brasileiro, a desqualificação sistemática dos afro-descendentes, apesar de
personagens fundamentais na construção e no desenvolvimento do País, levou à
veiculação de representações sociais articuladas a valores, crenças e
sentimentos negativos a respeito dos membros desse grupo em diversas esferas da
vida social, como no trabalho e na educação. Em outras palavras, foram criadas
referências estigmatizantes de ordem física, intelectual e social associadas à
pessoa negra. Essas referências passaram a ser socialmente legitimadas,
tornando-se `verdades' compartilhadas e difundidas pela maioria da população.
Tal processo levou os afro-descendentes a vivenciarem situações de humilhação e
desprestígio pessoal, que vieram a desencadear as desvantagens por eles
enfrentadas nas situações concretas do dia a dia (Ferreira, 2000; Ferreira,
2002; Ferreira e Camargo, 2001; Larkin Nascimento, 2003). Na sociedade
brasileira, apesar de já questionado, ainda hoje persiste o mito da democracia
racial, que permanece encobrindo, de maneira perversa, a discriminação racial.
Munanga (1999) argumenta acerca dessa temática dizendo que "o mito da
democracia racial tem como base a dupla mestiçagem biológica e cultural entre
as três raças originárias. Exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os
indivíduos de todas as camadas sociais e os grupos étnicos" (p. 80). Tal
crença favorece a dissimulação das desigualdades pelas elites dominantes e
impede que os membros das comunidades não-brancas tenham consciência dos sutis mecanismos
de exclusão dos quais são vítimas.
Assim, tal mito reduz as possibilidades de as
comunidades negras tomarem consciência de suas especificidades culturais, o que
vem dificultar a construção e expressão de uma identidade própria. Além disso,
como analisa Bernardino (2002), da idéia de democracia racial, associada à
popularidade do ideal de branqueamento, derivam as dificuldades de as pessoas
se classificarem como negras no Brasil.
Nesse contexto, historicamente construído, a pessoa
negra desde cedo "aprendeu", através de mecanismos eficazes de
reprodução ideológica, que a identidade positivamente afirmada é a do
"branco", e o que lhe cabe é a imitação do "ideal", para
poder ser socialmente aceita. Incorporou, reproduziu e continua reproduzindo
"verdades brancas", dentre elas, as que afirmam que o negro é
preguiçoso e tem inteligência inferior, como denuncia Bento (2000). Essa visão
é expressão do imaginário coletivo, que está presente nas representações
sociais dos brasileiros e é usada para justificar as condições socioeconômicas
desfavoráveis para a população afro-brasileira, sendo a ela atribuída a
responsabilidade por seu fracasso. Dessa forma, conforme Souza (1991), no
contexto brasileiro, em que o ideal de ego é ser "branco"; cabe,
portanto, ao afro-descendente, a negação de suas origens africanas e a busca de
um ideal inatingível: a branquitude.
Assim, torna-se muito difícil para o
afro-descendente lidar com as circunstâncias de seu cotidiano. Primeiro, há uma
luta interna para aceitar-se como um afro-descendente, ou seja, aceitar-se numa
sociedade que o estigmatiza, decorrendo daí uma outra luta: a de exercer sua
cidadania e conseguir melhores condições concretas de existência.
Numa realidade dessas, torna-se difícil a
construção de uma identidade positivamente afirmada por parte dos
afro-descendentes, e, em decorrência, o desenvolvimento de políticas efetivas
voltadas para a melhoria de sua qualidade de vida, já que a maioria da
sociedade compartilha dessas crenças.
Toda experiência psicológica encerra um caráter de
construção permanente, em que as especificidades das experiências pessoais
determinam a maneira pela qual as referências de mundo são construídas,
incluindo aquelas através das quais alguém pode reconhecer-se como um
determinado indivíduo - a identidade. São referências coletivamente
compartilhadas em torno das quais a pessoa organiza a si mesma e sua relação
com o mundo.
Com base na visão de Berger e Luckmann
(1999), consideramos a identidade pessoal um elemento-chave da realidade subjetiva
da pessoa. Tal referência permite que ela se sinta autora de sua própria vida,
expressão de sua relação dialética com a sociedade, e que tende a ser mantida
pelas relações sociais. No caso do afro-brasileiro, essas relações, objetivadas
no acervo cultural brasileiro, expressam uma associação de menos valia entre a
pessoa negra e os processos valorizados em nossa cultura, como o trabalho e a
escolaridade, conforme apontam os índices que veremos a seguir.
Assim, o brasileiro negro, cuja vivência se encontra
associada a baixos salários, a profissões consideradas de menor valia, à baixa
escolaridade e a um status social considerado inferior, tende a
construir uma identidade associada a valores negativos, com uma decorrente
baixa auto-estima pessoal. Tal associação, veiculada socialmente, com a
decorrente condição psicológica, dificulta a possibilidade de estratégias de
enfrentamento, por parte da pessoa negra, no sentido de reverter tal situação,
mantendo o círculo vicioso do racismo no Brasil (Santos, 2001).
Condições de vida do afro-brasileiro: decorrências
históricas
Para ampliarmos nossa compreensão, alguns dados
demonstram uma situação de reiterada desigualdade para as pessoas negras, de
ambos os sexos, com relação às pessoas brancas, em todos os índices sociais
analisados.
No que se refere ao Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2003, editado anualmente
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revela que a
população negra brasileira possui qualidade de vida notadamente inferior à
população branca - cinqüenta posições abaixo (Paixão, 2003).
Quanto às condições de trabalho, há uma reiterada
desigualdade para os trabalhadores negros, independentemente das regiões
brasileiras estudadas. As taxas de desemprego são superiores para os indivíduos
de raça negra, não importa qual seja o atributo pessoal considerado. Os índices
encontrados foram os seguintes: 6,6% de brancos e 7,7% de negros desempregados,
fato que tem incidência direta sobre as condições de vida das famílias (DIEESE,
1999). Mesmo considerando a população trabalhadora, os rendimentos dos
trabalhadores negros são sistematicamente inferiores aos dos demais, quaisquer
que sejam as situações ou atributos considerados - conforme dados do DIEESE
(1999) e INSPIR/DIEESE (1999, apud Larkin Nascimento, 2000).
Comparando-se o rendimento médio familiar per
capita, conforme informações da PNAD/2001, de todo o Brasil, em 2001, a
população branca recebia salários 196% maiores em relação às famílias negras.
Diante dessa situação, as crianças tendem a deixar de estudar para ajudar no
complemento da renda. Assim, para os jovens negros, o ingresso no mercado de
trabalho é mais precoce, o que certamente significa prejuízos à sua formação
educacional, expressos em números crescentes de jovens que abandonam os estudos
para dedicar-se somente ao trabalho, conforme aumenta sua faixa etária. Há uma
forte pressão para que isso aconteça em função das dificuldades de
sobrevivência das famílias negras (DIEESE, 1999).
Além disso, há, entre a população negra, maior
proporção de trabalhadores em funções socialmente qualificadas como de menor
valor, em atividades de execução e de apoio a serviços gerais.
Assim, alinhados com Telles (2003), podemos dizer
que a raça tem especial importância na formação das desigualdades
socioeconômicas no Brasil. As pessoas brancas compõem a vasta maioria das
classes média e alta, enquanto as pessoas negras se encontram, de modo
desproporcional, em sua maioria, entre os pobres. Essa desigualdade racial,
expressa em desigualdade socioeconômica, determina que os negros brasileiros
tenham menos chance de chegar a um status econômico mais alto. Quanto à
escolaridade, a taxa de analfabetismo entre os afro-brasileiros é mais que duas
vezes maior do que entre os brancos (Larkin Nascimento, 2003), ao passo que os
primeiros possuem, em média, a metade dos anos de escolaridade destes últimos.
Para Larkin Nascimento (2000), uma criança
afro-brasileira tem a chance de cerca de 66% de obter uma educação básica, ao
passo que uma criança branca tem 85% de chance. A criança afro-brasileira que
conseguir completar o ensino básico terá em torno de 40% de chance de continuar
na escola e concluir a educação secundária. Para a criança branca, a chance
fica em torno de 57%. Os afro-brasileiros que completam o ensino médio têm
aproximadamente metade da chance dos alunos brancos de concluir um curso
universitário.
Apesar do aumento gradual do número de pessoas
negras que concluem o terceiro grau, entre 1960 a 1999, o número de brancos
aumentou em ritmo muito mais acelerado. Assim, apesar do aumento da
escolaridade da população em geral, nesse período, a desigualdade racial na
educação se manteve (Telles, 2003).
Conforme os dados aqui apresentados, apesar de
todas essas dificuldades para o jovem negro conseguir completar o curso
superior, a discriminação racial se manifesta mais intensamente através dos
salários, e, assim, o círculo vicioso se perpetua. Nascer negro está
relacionado a maior probabilidade de ser pobre e a menor escolaridade. Essa
situação não pode ser tratada como simples herança da escravidão. O racismo é
recriado e alimentado a cada dia, e reforça um ciclo cumulativo de desvantagens
para a população afro-brasileira. Dessa forma, as manifestações de racismo
causam danos materiais, simbólicos, políticos e culturais, que, por vezes, são
irreversíveis, principalmente na construção das identidades pessoais dos
afro-descendentes.
Tendo em vista essa situação, será possível a
criação de ações que possam vir a favorecer a reversão desse ciclo que se
retroalimenta?
Ações afirmativas e política de cotas
Um tipo de estratégia, dentre várias outras, que
visa a diminuir os efeitos do racismo, historicamente desenvolvido e mantido
pelas práticas sociais ainda vigentes, são as ações afirmativas.
Para Bernardino (2002), ações afirmativas são
compreendidas como políticas públicas que têm como objetivo a correção de
desigualdades sociais e econômicas decorrentes de discriminação, atual ou
histórica, sofrida por determinados grupos de pessoas, como no caso dos
afro-descendentes. Trata-se de estratégias que buscam conceder vantagens
competitivas para os membros de grupos submetidos a situações de desvantagem e
de inferioridade, visando à reversão dessas situações. Assim, "as
políticas de ação afirmativa buscam, por meio de um tratamento temporariamente
diferenciado, promover a eqüidade entre grupos que compõem a sociedade"
(p. 257).
A partir das múltiplas ações do Movimento Negro e
da prolongada luta de lideranças negras, verificou-se um dos gestos decisivos
para que a discussão sobre ações afirmativas se ampliasse. Conforme Bernardino
(2002), foi o reconhecimento público do presidente Fernando Henrique Cardoso de
que o País era racista. Isso se deu na abertura do seminário Multiculturalismo
e Racismo, realizado em 1996, em Brasília. Além disso, essa discussão foi
estimulada, em âmbito nacional, pela divulgação do Programa Nacional dos
Direitos Humanos (Presidência da República, 1996), que inclui, dentre seus
objetivos, o desenvolvimento de "ações afirmativas para o acesso dos
negros aos cursos profissionalizantes, à Universidade e às áreas de tecnologia
de ponta".
Dentre as várias possibilidades de ações
afirmativas, uma delas consiste no sistema de cotas, que, conforme
definição de Moehlecke (2002), trata-se de uma política que estabelece um
"... determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por
grupo(s) definidos(s), o que pode ocorrer de maneira proporcional ou
não..." (p. 199). Uma das políticas possíveis é o sistema de cotas para
negros nas universidades, principal objeto deste estudo.
O sistema de cotas está configurado por diversos
dispositivos do Projeto de Lei de Cotas (PL nº 73/1999) e do Estatuto da
Igualdade Racial (PL nº 3.198/2000), que serão submetidos a uma decisão final
no Congresso Nacional (Folha de São Paulo, 04/07/2006). O Estatuto da Igualdade
Racial, em seu art. 52, estabelece uma cota mínima de 20% de vagas para a
população afro-brasileira nos cursos de graduação de todas as universidades de
todo o território nacional (Paim, 2003).
Esses Projetos de Lei provocaram reações de vários
intelectuais, artistas e integrantes de movimentos sociais, que culminaram em
dois manifestos, um contrário à política de cotas - Todos têm direitos
iguais na República democrática (30/05/2006), com cento e catorze
assinaturas, e o outro, Manifesto em favor da Lei de Cotas e do Estatuto da
Igualdade Racial (03/07/2006), favorável a essa política, com trezentos e
trinta nomes.
Configuração do campo de discussões
Com o objetivo de traçar uma configuração do campo
de discussões, diversas possibilidades se abriram. Dentre elas, talvez a mais
simples e de difusão mais vulgar, teríamos a exposição dos argumentos daqueles
que são a favor do sistema de cotas em contraposição àqueles que são contra.
Dessa forma, porém, faríamos uma análise valorativa e excludente, típica da
lógica militante, que nega ou, no mínimo, dá pouca importância à compreensão da
diversidade das opiniões bem como do processo envolvido. Tal postura militante
- representada pela dinâmica do nós, normalmente donos da verdade,
contra o eles, via de regra, vistos como incoerentes e algozes -,
colocar-nos-ia mais propícios à discórdia, e não ao diálogo. No entanto, no
outro oposto, negando essa contradição entre prós e contras, estaríamos
distanciando-nos do verdadeiro campo de discussões que permeia os diversos
segmentos da sociedade brasileira atual. Assim, pretendemos nortear nossa
exposição em uma postura qualitativamente distinta, demonstrando que diversos
argumentos, sejam eles contra ou a favor, trafegam na mesma esfera de debate.
Com base nessa postura, teríamos a seguinte configuração do campo de
discussões: esfera ético/jurídica, esfera étnica, esfera político/assistencial,
esfera ideológica, esfera pedagógica, e, por fim, esfera das relações raciais.
Malgrado apresentadas de forma dicotômica, tais
esferas devem ser vistas como partes de uma totalidade - na qual todos esses
fatores não são estanques, nem tampouco estáticos, mas interdependentes, em um
processo dinâmico de determinação mútua. Assim, apresentando-os separadamente,
lançamos mão de uma estratégia de exposição puramente didática.
Esfera ético/jurídica
A primeira esfera do campo de discussões abrange a
interface entre afro-descendentes e brancos, principalmente no que diz respeito
à dialética diferença/igualdade. Além dessa interface ética, tal esfera está
permeada por discussões de âmbito jurídico, em especial sobre o "princípio
de igualdade" em um Estado Democrático de Direito.
Para as pessoas que argumentam contra o sistema de
cotas nas universidades públicas brasileiras, observamos discussões em duas
direções fundamentais: "inconstitucionalidade" e "discriminação
às avessas".
Primeiramente, ocorre a reincidente afirmação que a
medida é inconstitucional, pois fere o princípio de igualdade de direitos,
previsto na Constituição brasileira, o que rompe com a premissa de que todos
são iguais perante a lei (Chaves, 2001), tese principal na qual se apóia o
manifesto contra a política de cotas (Todos têm direitos iguais na República
democrática, 2006) e que redunda em uma medida "antidemocrática"
(Fernandes, 2003).
Dessa forma, fazem alusão às decisões jurídicas
tomadas pela Corte Suprema dos EUA. Esta, desde 1978, tem adotado uma posição
voltada para a refutação do elemento raça como determinante no ingresso às
universidades, sendo esse aceito somente como um critério parcial em meio a
outros (Menezes, 2003).
Um segundo ponto a ser destacado é o argumento que
infere a "discriminação" presente na proposta das cotas (Chaves,
2001; Rosenfield, 2006). Ele afirma que, com o intuito de promover a igualdade,
a medida promove a desigualdade, pois cria privilégios para alguns em
detrimento de outros, de forma a gerar uma "discriminação às avessas"
(O Estado de São Paulo, 29/06/03) ou um "racismo às avessas" (Souza,
2003c). Fala-se, por conseguinte, que a medida repara uma injustiça cometendo
outra (Folha de São Paulo, 23/08/01).
Com o intuito de endossar tal prerrogativa, o
professor Azevedo (2003) cita alguns efeitos concretos da experiência das cotas
no Rio de Janeiro. Segundo esse autor, no caso do curso de desenho industrial
da UERJ, somente 11% das vagas ficaram para aqueles que não se declararam
negros ou oriundos das escolas públicas. Tais resultados oferecem ensejo para
que algumas linhas editoriais declaradamente contra as cotas cheguem mesmo a
pronunciar-se em termos mais ríspidos, ao afirmarem que essas medidas provocam
o oportunismo e acarretam "um racismo às avessas" (Jornal da Tarde,
02/06/03).
No entanto, os argumentos favoráveis às cotas
consideram uma posição extremamente hipócrita falar em "igualdade" no
interior de uma realidade atual extremamente desigual e injusta para com o
afro-descendente.
Os que defendem a desigualdade da situação atual,
normalmente, lançam mão da ínfima participação negra na vida universitária, tal
como Paulo Sérgio Pinheiro, secretário nacional dos direitos humanos (Chaves,
2001). Nessas circunstâncias, Maria Aparecida da Silva Bento, coordenadora do Centro
de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, relata que as cotas
são 100% para os brancos, cujos argumentos se baseiam em um "pacto não
verbalizado" para manter seus privilégios (Souza, 2003a).
No contexto de desigualdade racial, as cotas
constituiriam uma forma de se promover a "igualdade proporcional" por
meio de uma "justiça distributiva" de oportunidades iguais a todos
(Menezes, 2003). Renato Ferreira, advogado da ONG Educafro, acrescenta que a
própria constituição outorga ao Estado o papel de sustentar a igualdade em
casos de inequívoca desigualdade (Souza, 2003b).
Segundo o jornalista Fernando Conceição (2002), o
sistema atual promove uma falsa impressão de igualdade, pois, na realidade, é
desigual, ao tratar em pé de igualdade pessoas que provém de "origens
sociohistóricas" desiguais. Dessa forma, longe de ferir o princípio de
igualdade, as cotas corrigiriam a aparência dissimulada de igualdade e
promoveriam uma igualdade real ou "eqüidade" na competição.
Por fim, há também a afirmação de que as cotas
seriam um instrumento de justiça, com o intuito de "ressarcir" a
dívida histórica que o Brasil contraiu em relação aos afro-descendentes - como
afirma a Presidente de Honra da ONG Fala Preta, Edna Roland (Souza, 2003b).
Para Cristovão Buarque, em declaração feita antes de se tornar Ministro da
Educação, as cotas seriam um instrumento de "justiça racial e de dignidade
nacional", além de "corrigir a discriminação" e "melhorar a
imagem do Brasil no exterior" (Jornal da Tarde, 16/02/03).
Aos que difundem a idéia de que o sistema de cotas
seria "antidemocrático", afirma John Payton, advogado americano que
representou a Universidade de Michigan na Suprema Corte: "A sociedade
deveria estar refletida nas instituições que cria. Esse é o objetivo, se
estivermos falando de democracia" (Souza, 2003d). Dessa forma, se
pensarmos na exígua quantidade de negros nas universidades, de fato uma
propriedade "antidemocrática" pode ser inferida da situação atual.
Menezes (2003) promove interessante discussão sobre
os perigos de se comparar juridicamente as decisões norte-americanas com as
decisões brasileiras - como o fazem, muitas vezes, os contrários às cotas.
Segundo ele, trata-se de "ordenamentos jurídicos" extremamente díspares,
fato que torna leiga e incoerente uma comparação desavisada. Um dos aspectos
que devem ser considerados é o fato de o Brasil, em seu Programa Nacional de
Direitos Humanos (Presidência da República, 1996), prever ações
afirmativas, a exemplo do favorecimento a deficientes físicos e às mulheres nas
disputas eleitorais. Também deve ser considerada a participação do Brasil em
tratados internacionais a favor de políticas de ação afirmativa, assim como a
própria postura jurídica já assumida: "... a Constituição brasileira
contempla diversas previsões que favorecem a adoção de tratamento diferenciado
para os indivíduos da raça negra (ex. art. 3º, I, III e IV), iniciando-se pelo
próprio preâmbulo da Carta, que reconhece `a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito'"
(Menezes, 2003).
Em relação aos argumentos de que as cotas seriam
uma medida discriminatória, alguns autores afirmam que as cotas não são uma
"discriminação às avessas", mas sim, uma "discriminação positiva"
(Conceição, 2002). Outra autora, Edna Roland (2002), discorda dos argumentos
que consideram o sistema de cotas discriminatório e que implicam uma
desconfiança na capacidade dos negros. Segundo a autora, não se duvida da
capacidade do negro, mas tem-se certeza das "barreiras sociais
concretas" que o impedem de possuir iguais oportunidades de acesso à
Universidade.
Esfera étnica
A esfera de debate que ora apresentamos está
radicada na discussão acerca do critério utilizado para se estabelecer quem é
afro-descendente em um país como o Brasil, calcado na miscigenação.
Assim, os indivíduos que se apresentam contra as
cotas aludem à sua impossibilidade de operacionalização em virtude da ausência
de um critério "científico" para se determinar, sem brecha para
fraudes, quem é realmente negro no Brasil.
Bernardes (2003) é um autor emblemático nessa
posição. Ele lança mão de estudos realizados por geneticistas da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) para defender a falta de precisão da cor
e da aparência física para determinar a ascendência africana.
Em virtude de o termo "raça" não possuir
um caráter científico, também essa evidência é utilizada como argumento para a
impossibilidade de determinação étnica. A esse respeito, Chaves (2001), autor
que faz alusão à miscigenação no Brasil como grande prova da "mais
bem-sucedida integração racial do planeta", pondera que o critério de
"ascendência familiar" para determinar as cotas equivaleria, no
Brasil, a um "medonho revival" de métodos nazistas para se
determinar quem era ou não descendente de judeus (Chaves, 2001). Para a
antropóloga Yvonne Maggie, o sistema de cotas criaria um "racismo de
Estado" (Colombo, 2006).
Bernardes (2003) afirma que, embora a autonomeação
seja um critério mais democrático, ela leva, inevitavelmente a fraudes. Para
tanto, cita exemplos históricos nos quais esse critério não deu certo: louros
australianos se declararam aborígines para possuírem direitos à terra; nos EUA,
negros se inscrevem como índios para receberem indenizações reservadas aos
primeiros. Esse mesmo raciocínio é difundido pela edição da Folha de São Paulo
(23/08/01), que coloca o inconveniente de qualquer um se passar por negro para
gozar do benefício das cotas. Para endossar tal argumento, algumas reportagens
citam brancos que se inscreveram como negros somente para serem beneficiados
com as cotas (JT, 02/06/03).
Dessa forma, dada a indefinição de um "método
científico" para estabelecer quem participaria das cotas nas
universidades, o sistema seria inviável. Para alguns indivíduos mais efusivos,
o "regime de cotas em função da cor da pele revela oportunismo ou
ignorância de quem a apóia, porque não existe `raça' e nem a etimologia da
palavra é conhecida". Para Azevedo (2003), trata-se de um sistema
"iníquo e inconstitucional" e "pura demagogia ignorante".
Os cidadãos que se declaram a favor do sistema de
cotas também possuem opiniões distintas sobre a maneira de se determinar quem é
negro. No entanto, embora haja divergências, essas pessoas parecem pensar de
forma semelhante a Jorge Werthein, representante da Unesco no Brasil, para quem
a dificuldade de se adotar critérios bem definidos para saber quem é negro não
invalida a proposta das cotas (Sato, 2003).
Edna Roland (2002) defende a
"autodefinição", conforme critério estabelecido pelo IBGE; Lage
(2003) expõe, em contrapartida, que o sistema de autodeclaração traz o
inconveniente de o candidato faltar com a verdade somente para gozar do
direito.
Em postura mais crítica, Domingues (2003) afirma
que há um "discurso ideológico da mestiçagem", segundo o qual todos
são mestiços, já que não existe uma raça pura negra. Tal discurso, segundo o
autor, favorece o fato de o brasileiro não se assumir como negro. Assim, o
sistema de cotas viria favorecer a ruptura com essa "esquizofrenia"
do nosso sistema racial, na medida em que obriga as pessoas a se assumirem como
negras. Sobre as possíveis fraudes de pessoas brancas que se autodenominaram
negras para serem beneficiadas com as cotas, Domingues afirma que se trata de
"exceções", e que "não possuem importância na medida em que o
autor adota um critério de definição para além da cor da pele". Tal
critério, distinto dos anteriores, é o seguinte: "O meu critério é
político e ideológico. Negro é quem se assume, quem se identifica enquanto tal,
é todo aquele que abraça a luta anti-racista".
Diante de tal variedade de opiniões, Martvs Chagas,
secretário de Combate à Discriminação Racial do Partido dos Trabalhadores, não
defende um critério único para a determinação da afro-descendência, porém fala
da autodefinição como um processo mais "democrático" (O Estado de São
Paulo, 16/02/03).
Esfera político/assistencial
Em tal esfera de debate, irrompe a discussão sobre
políticas universalistas versus políticas específicas. Assim, são
discutidas diversas formas e estratégias públicas, a curto, médio e longo
prazos, cuja finalidade é proporcionar a democratização do ingresso no ensino
superior.
Os indivíduos que se expressam contra o sistema de
cotas afirmam que se deve combater as desigualdades sociais, e não as
desigualdades raciais (Menezes, 2003; O Estado de São Paulo, 23/06/03), posto
que, como pondera Cristovam Buarque, há um "preconceito de classe"
mais forte que o preconceito racial (Sato, 2003). Por conseguinte, defendem
medidas que visem à melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio da
escola pública, única intervenção capaz de, realmente, criar o ingresso
democrático nas universidades públicas. Assim, propaga-se a idéia de que são as
disparidades socioeconômicas, e não as raciais, que estariam no cerne do
problema, sendo inócuas as cotas para negros.
Nesse sentido, o sistema de cotas é criticado por
constituir um "atalho", pois desvia o problema da qualidade do ensino
básico, considerada a verdadeira causa do fracasso escolar do negro (Fernandes,
2003).
Reiko Niimi, representante do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, é contra as cotas, pois, no seu
entender, elas não são eficazes no combate às desigualdades. Argumenta que os
esforços devem se voltar para as primeiras fases escolares. A opinião da
representante é emitida mesmo tendo em vista o relatório da Unicef, que
comprova haver mais crianças negras fora da escola em relação às brancas (idade
de quatro a seis anos), e que crianças negras possuem riscos duas vezes maiores
de residirem em domicílios sem água, se comparadas com crianças brancas
(Formenti, 2003).
Os autores favoráveis às cotas afirmam, em sua
grande maioria, que se deve ter em mente que as mesmas não anulam, mas sim,
andam aliadas à melhoria no ensino médio e fundamental da escola pública.
Assim, as cotas para negros seriam defendidas como "políticas
específicas", pela constatação de que, no Brasil, "a pobreza tem
cor", ou seja, a população afro-descendente estaria mais lesada, mesmo se
comparada com populações brancas do mesmo nível socioeconômico. Outrossim, a
política de cotas seria uma medida transitória e imediatista, necessária
enquanto não são realizadas melhorias no ensino médio. Domingues (2003), Vogt
(2003) e Conceição (2002) são autores emblemáticos nessa argumentação.
Para Jorge Werthein, representante da Unesco no
Brasil (Sato, 2003), e para o professor do Instituto de Economia da UFRJ,
Marcelo Paixão (Folha de São Paulo, 06/01/02), conceber que o sistema de cotas
seja anulado pela necessidade de se fortalecer o ensino público seria uma forma
de postergar o problema por algumas décadas, pois os jovens negros atuais
continuariam "à parte" da medida universalista. Nesse sentido, Luiz
Felipe De Alencastro (Folha de São Paulo, 09/07/2006) não acredita que "a
universalização e qualificação do ensino sejam suficientes para mudar as
injustiças históricas".
Em contraposição ao parecer de que a contundente
desigualdade social seria a determinante da desigualdade racial, são vários os
autores que defendem a incoerência de tal constatação. Em sua grande maioria,
falam do desfavorecimento do negro em relação ao branco mesmo quando ambos
possuem condições socioeconômicas semelhantes. Nesse sentido, Edna Roland
apresenta evidências das distinções entre negros e brancos referentes ao IDH e
à dificuldade de inserção no mercado de trabalho (Souza, 2003b); Góis (2003)
lança mão de pesquisas que evidenciam que alunos negros possuem menores notas
que alunos brancos; Rose Neubauer conclui, em pesquisa na Fundação Carlos
Chagas, a ocorrência de pouca expectativa e atenção dos professores em relação
aos alunos negros, e Ana Maria Popovic, em pesquisa realizada nos anos 80,
verificou que crianças negras possuíam menor auto-estima em relação às brancas
(Góis, 2003).
Enfim, pode-se afirmar que, para esses autores, há
uma coincidência da pobreza com a população afro-descendente, simbolizada na
frase emblemática de que, no Brasil, a "pobreza tem cor" (O Estado de
São Paulo, 16/02/03).
A favor da política específica para o
afro-descendente, Domingues (2003) afirma que algumas políticas governamentais
universalistas "... resultaram na melhoria do nível educacional do
brasileiro de um modo geral, mas a taxa de desigualdade entre negros e brancos
permanece inalterada".
Esfera ideológica
A esfera ideológica de debate, na acepção aqui
adotada, discute o critério do "mérito pessoal" como inerente ao
ingresso dos alunos nas universidades via vestibular.
A reportagem de Fernandes (2003) para a revista Época
registra uma situação emblemática. Compara duas estudantes que cursaram a mesma
escola particular do Rio de Janeiro, porém uma era negra, e a outra, branca. A
estudante negra tirou uma pontuação muito inferior à da branca, mas foi
aprovada, ao contrário da branca.
Assim, muitos autores refutam o sistema de cotas,
pois o mesmo interfere nesse critério considerado inalienável (Souza, 2003d;
Folha de São Paulo, 11/02/03). Consideram, ainda, que qualquer critério que
interfira no mérito pessoal estará cometendo factível injustiça (Folha de São
Paulo, 23/08/01).
Menezes (2003) argumenta que as desvantagens
sofridas por determinado grupo variam de acordo com cada indivíduo. Uma ação
que beneficie todo o grupo acaba por favorecer pessoas que não necessitam do
benefício.
Em suma, fala-se em uma "ideologia
cotista" que apresenta uma visão "racista", pois negligencia
"fatos comprovados da realidade", quais sejam, de "que negros e
pardos têm condições de vencer, plenamente, em todos os campos da atividade
humana, graças a seus próprios méritos e esforços, sem que, para isso,
necessitem de `vantagens' compensatórias" (O Estado de São Paulo,
23/06/03).
Alguns afro-descendentes, numa posição contrária às
cotas, dão a entender que ela reduziria o mérito pessoal das pessoas que
conseguiram alcançar seus objetivos sem ser favorecidas. Carla, negra e
universitária, afirma que abomina as cotas, pois sua "vitória
pessoal", fruto de dedicação durante toda a vida, seria reduzida ao
confundirem-na como beneficiária de uma "vantagem" concedida
legalmente (Carneiro, 2003).
Contra a ideologia do mérito e a favor das cotas,
Carneiro escreve:
"A postura da leitora (refere-se ao depoimento
de Carla - adendo nosso) demonstra a eficiência dos mecanismos educativos e
ideológicos de nossa sociedade para inculcar-nos a visão segundo a qual a
mobilidade social está aí, disponível igualitariamente a todos, dependendo
apenas do esforço pessoal de cada um para a sua realização. Desaparecem, assim,
as condições históricas que vêm produzindo e reproduzindo a pobreza dos negros.
Então, os excluídos, de vítimas, tornam-se réus. Nessa armadilha em que o
individualismo liberal nos enreda, a mobilidade social individual de uma pessoa
negra é utilizada contra o próprio grupo racial, reiterando os estigmas que o
afligem. O negro "bem sucedido" torna-se a exceção que confirma a
regra discriminatória: se um consegue, os demais não se esforçaram o suficiente
(2003)".
Sobre a opinião de que as cotas
"desqualificam" o negro, Carneiro defende a idéia de que, pelo
contrário, elas consagram o negro como sujeito histórico portador e consciente
de seus direitos enquanto cidadão.
Domingues (2003) também associa a questão do mérito
a um "discurso ideológico" dissimulador da inserção do negro em um
contexto sociohistórico que o coloca em situação de desvantagem para competir
em pé de igualdade com o branco: "Em uma sociedade capitalista e racista,
as oportunidades na vida não são igualitárias".
Assim, até meios de comunicação de massa
explicitamente contra as cotas reconhecem a inverossimilhança de aventar o
mérito pessoal como justo em sociedades que são reconhecidamente
preconceituosas. O editorial de O Estado de São Paulo (29/06/03) destaca
que seria uma falácia propagar a igualdade da meritocracia, pois os negros
estariam em situação de desvantagem no sistema competitivo por mérito.
Contrapondo-se a prerrogativa de que alunos negros
de escolas particulares se beneficiariam das cotas, Marcelo Paixão pondera que
não há problema, pois, mesmo estudando nas melhores escolas, o negro sofre
nestas o racismo e, depois de sua formação, seus rendimentos são afetados
(Folha de São Paulo, 06/01/02).
Por fim, contrariando a idéia de injustiça das
cotas, Edna Roland afirma que o vestibular atual não mede o "mérito do
candidato", mas sim, a qualidade do ensino e as condições de estudo que
recebeu na vida: "o vestibular mede principalmente o mérito do sistema
escolar, das condições sociais e a desigualdade de oportunidades". Assim,
o sistema de cotas, ao estabelecer a competição entre pessoas que possuem as
mesmas oportunidades, seria mais igualitário para medir o "mérito do
estudante", e não o mérito das oportunidades que recebeu (Roland, 2002).
Esfera pedagógica
As conseqüências educacionais geradas pela inserção
dos alunos afro-descendentes cotistas nas universidades públicas permeiam a
esfera pedagógica do debate. Em seu interior, estão idéias de que a referida
inserção traria uma queda na qualidade do ensino nessas instituições (Lage, 2003),
seja porque os universitários negros possuiriam maior dificuldade de
aprendizagem devido à cumulação de déficits provenientes do ensino médio e
fundamental, seja porque a medida poderia gerar maior evasão escolar (Folha de
São Paulo, 11/02/03), ou mesmo, em opinião mais veemente, ocorreria uma
inevitável aprovação compulsiva desses alunos, mesmo que eles não apresentem o
grau de competência habitualmente exigido. Fala-se até em uma
"inevitável" aprovação compulsória, "na medida em que essas
ações estão sendo motivadas pela política de grupos militantes, e que o próximo
e inevitável passo será pressionar os professores para que aprovem tais alunos
"carentes" ou "coloridos", embora sem atender aos níveis
habituais de competência" (Lage, 2003).
Dessa forma, coloca-se, como um dos empecilhos, o
fato de os beneficiados pelas cotas necessitarem de matérias introdutórias e
aulas de reforço para acompanhar os cursos (Jornal da Tarde, 02/06/03).
Quanto à necessidade de pequenas modificações no
âmbito dos cursos oferecidos pelas universidades, muitos defensores do sistema
de cotas afirmam haver uma adaptação dos alunos em relação à Universidade, o
que não gera dificuldade alguma de acompanhamento dos cursos. Tais adaptações
assumem a forma de "aulas de reforço", segundo a opinião de Edna
Roland (Souza, 2003b); "programa de apoio" e "disciplinas
instrumentais", no ponto de vista de Nilcéa Freire, reitora da UERJ
(Jornal da Tarde, 16/02/03).
Frei Davi dos Santos, coordenador da Educafro, ONG
que mantém uma rede de noventa e quatro pré-vestibulares comunitários, sugere
que tais medidas seriam suficientes para que os negros tivessem uma formação
equivalente à dos brancos. Comenta o caso de um advogado do cursinho da
Educafro que entrou na última chamada, e, quando formado, estava entre os dez
melhores alunos da turma (Jornal da Tarde, 16/02/03).
Contra o argumento de rebaixamento da qualidade de
ensino, Domingues (2003) afirma: "Ora, não basta ser negro para,
automaticamente, ser aprovado nesse novo mecanismo de seleção. Tem que ter
qualificação". Nesse sentido, Gois e Gomide (2006) ressaltam que as
políticas de ação afirmativa em discussão no Congresso já podem ser avaliadas,
tendo como base experiências concretas que se dão em várias universidades
públicas brasileiras. A partir de análises dos efeitos das políticas adotadas
pela Universidade Federal da Bahia, pela Universidade Estadual de Campinas e
pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, concluem que o desempenho dos
beneficiados foi semelhante e, em alguns casos, até superior aos demais
estudantes, além das taxas de evasão dos cotistas serem menores.
Na mesma direção, argumenta-se que o ingresso de
negros nas universidades traria, ainda, diversas vantagens ao ambiente
acadêmico. Segundo Edna Roland (2002), haveria um enriquecimento do ensino,
pois teríamos a oportunidade de conviver com a diversidade cultural e a
participação criativa de grande parcela da população brasileira. O advogado
John Payton afirma que, no início, a adoção de cotas causou contestações dos alunos
brancos norte-americanos, mas, posteriormente, todos reconheceram a melhoria do
ensino em virtude da integração racial (2003d). A Suprema Corte desse mesmo
país considera a raça como um dos critérios utilizados para o ingresso na
Universidade, pois traria uma diversidade favorável à construção de um ambiente
educacional mais fecundo (O Estado de São Paulo, 29/06/03).
Esfera das relações raciais
No âmbito dessa esfera, observa-se a discussão
sobre as modificações nas relações raciais entre negros e brancos que decorrem
do sistema de cotas. A repercussão ética, nessas relações, apresenta-se como um
dos motivos para alguns afirmarem que essa política seria prejudicial e,
portanto, justificarem a anulação das cotas, mas outros consideram-na positiva,
tendo em vista o fato de que ela favorece o rompimento com a falácia da
democracia racial, presente na constituição histórica do Brasil.
Alguns autores contrários às cotas argumentam que
sua implantação dificulta a integração dos afro-descendentes na sociedade
brasileira, na medida em que promove um aumento da discriminação racial, que
pode culminar em "ódio racial" (Jornal da Tarde, 02/06/03), no
"ressentimento" entre grupos raciais (Fernandes, 2003), o que
constitui um "perigoso estímulo ao preconceito" (Chaves, 2001) e
promove a estigmatização dos negros nas universidades (Menezes, 2003). Para
Rosenfield (2006), a implantação do sistema de cotas pode provocar "novos
conflitos que o País poderia muito bem poupar".
Fernandes (2003), ao avaliar o funcionamento das
cotas na experiência do Rio de Janeiro, faz alusão a um "ambiente
estranho" entre os estudantes, explícito a partir da difusão de panfletos
anônimos altamente discriminatórios para com os negros. Cabe ressaltar que,
para esse autor, o Brasil é um país sem "tensões raciais", e, com a
implantação das cotas, essa harmonia poderia ser rompida.
Longe de propor a minimização do confronto entre
negros e brancos, Domingues (2003) afirma que a implementação e a discussão
sobre o sistema de cotas seriam absolutamente positivos para o Brasil, no
sentido de "implodir" "as bases ideológicas de sustentação do
mito da democracia racial", o que romperia, pela primeira vez na história
brasileira, com o silêncio em relação ao racismo. Em sua opinião, com as cotas,
o que pode ocorrer é "cair a máscara do racismo na sociedade
brasileira", colocando-o de forma explícita, e não, dissimulada e velada,
como tem existido através dos tempos. Por fim, Domingues assevera que, no
conflito entre negros e brancos, que, para muitos, constitui um empecilho para
a implementação das cotas, reside o início da superação desses mesmos conflitos
raciais: "Portanto, o racismo à brasileira já é perverso; porém, se o
programa de cotas contribuir para que o conflito nas relações raciais fique declarado,
vai ser o primeiro passo para a sua superação definitiva" (Domingues,
2003).
Considerações finais
Ao final deste percurso, retornamos a seu início: o
debate sobre as cotas e a questão da subjetividade do afro-descendente nele
implicado. Em meio à complexidade das discussões nas diversas esferas
mencionadas, o debate sobre as cotas parece estar movido pela contradição entre
os argumentos a favor e contra o sistema de cotas. Observamos, assim, que todo
o debate sobre as questões raciais no Brasil atualmente está vivo. Todo o
passado histórico se revela ainda atual. Não mais silêncio. A pretensa harmonia
representada na idéia de democracia racial é denunciada. Configura-se a
discussão de forma desnuda: no debate aberto, com suas contradições à flor da
pele.
Nesse contexto, a "naturalização" da
desigualdade racial é questionada pela discussão sobre os processos sociais
implicados na construção da identidade do afro-descendente no Brasil.
Discursos diversos, opiniões distintas: eis a mola
propulsora dos debates. Negação da diferença, discriminação do diferente,
subalternização e inferiorização daquele que é ou pensa diferente, eis a tônica
que movimenta os diversos argüidores do debate sobre as cotas. Cada qual
orienta seu argumento de forma a tornar o argumento de seu opositor ignóbil,
infundado, incoerente, inverossímil.
Entretanto, em nossa opinião, o respeito à
diferença e o incentivo à livre manifestação das diversidades deveriam ser os
objetivos últimos de qualquer movimento social voltado para o afro-descendente.
Logo, qualquer postura absolutista, totalizante, que renega a legitimidade e a
manifestação de opiniões diversas, deve ser revista, pois reproduz justamente
aquilo que critica: o preconceito ao diferente.
Ora, como caminha o conhecimento senão pela
contradição das idéias? Como constituímos nossas identidades, senão pela
relação com os outros diferentes de nós?
Conforme Ferreira (2000), o afro-descendente, como
qualquer pessoa, desenvolve sua identidade articulado aos valores socialmente
associados a seu grupo de pertencimento, numa relação dialética entre o
indivíduo e a sociedade como um todo. No caso da pessoa negra, são valores
associados às suas condições de vida, como apontamos na discussão sobre as
condições de vida do afro-descendente, no item 3. Assim, podemos concluir que o
afro-brasileiro tende a desenvolver uma identidade organizada em torno de
referências consideradas de menor valor, como suas situações concretas de vida
o são, o que favorece atitudes de submissão aos valores hegemônicos brancos.
É possível, entretanto, a superação dessa atitude,
principalmente através de situações de impacto, de experiências que neguem
essas referências, o que impeliria as pessoas à transformação de seus valores e
de sua subjetividade, fator necessário para mudanças efetivas nas suas
condições de vida.
Nesse sentido, longe de vermos o atual debate como
premonitório de ódios raciais, observamos a atual situação como uma situação de
impacto, como uma crise que não deve ser concebida como destrutiva, mas sim,
como ensejo prenhe de uma transformação, de um horizonte qualitativamente
distinto acerca das relações raciais. O acirramento dos debates culmina na
crise que gera nova organização das idéias, a re-invenção das representações
sobre os afro-brasileiros.
Tal disposição geral dos debates sobre as cotas
manifesta-se nas subjetividades particulares. Em outras palavras, todos os
brasileiros, sejam brancos ou negros, são impelidos a posicionar-se e a adentrar
o âmago dessas contradições. Trata-se de condições propícias para os
afro-descendentes vivenciarem também uma crise que os leva a refletir sobre
quem foram seus antepassados, quais as suas condições atuais e como serão suas
perspectivas de futuro. Via de regra, o posicionamento no cerne dos debates faz
com que venham a possuir uma visão mais crítica sobre as desigualdades raciais,
rompendo com a visão de que as diferenças são naturais, o que implica uma
ruptura com a re-produção da ideologia da "democracia racial" que se
manifesta no âmbito individual, como submissão aos valores brancos e negação
das origens africanas. O vivenciar essa crise pode gerar a ruptura com
uma posição de submissão do afro-descendente aos valores vigentes, em relação
aos quais se sente desvalorizado como pessoa, e pode fazer com que ele se
torne, como sujeito histórico que é, autor de transformação da realidade social
à qual está submetido.
Finalizando, queremos ressaltar que não buscamos
respostas conclusivas. Isso nos levaria a uma direção que consideramos nociva -
a desqualificação de outras opiniões que não as nossas, e reproduziria
justamente aquilo de que discordamos: o preconceito com o diferente.
Assim, algumas questões permanecem: a política de
cotas poderá ser favorável ou não para a melhoria das condições de vida dos
brasileiros negros, apesar das dificuldades que dela podem advir? Poderá
auxiliar na construção de identidades negras positivamente afirmadas? Pode ser
considerada uma das estratégias para favorecer a ruptura do círculo vicioso ao
qual o afro-descendente está submetido: pobreza, falta de condições
educacionais, condições precárias de trabalho, status social considerado
inferior e identidade submetida a referências de menor valor?
Convidamos o leitor, a partir de nossas
considerações, a se posicionar, a tirar suas próprias conclusões e entrar nesse
debate.
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Endereço para correspondência
Ricardo Franklin Ferreira e Ricardo Mendes Mattos
Rua: Loefgreen, 359, ap. 81. Vila Clementino
04040-030, São Paulo, SP, Brasil
Te.: (11) 3491-0522; 7626-9012
E-mail:ricardo_franklin@uol.com.br; ricardomendesmattos@ig.com.br
Ricardo Franklin Ferreira e Ricardo Mendes Mattos
Rua: Loefgreen, 359, ap. 81. Vila Clementino
04040-030, São Paulo, SP, Brasil
Te.: (11) 3491-0522; 7626-9012
E-mail:ricardo_franklin@uol.com.br; ricardomendesmattos@ig.com.br
Recebido 06/10/04
Reformulado 07/12/06
Aprovado 18/12/06
Reformulado 07/12/06
Aprovado 18/12/06
* Doutor em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano; ex-coordenador e docente do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Marcos
** Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos
1 Preconceito é aqui considerado um julgamento negativo de valor em relação a uma pessoa, não espontâneo e nem hereditário, destituído de base objetiva e construído culturalmente, e pertence à classe de mitos desenvolvidos através da socialização.
** Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos
1 Preconceito é aqui considerado um julgamento negativo de valor em relação a uma pessoa, não espontâneo e nem hereditário, destituído de base objetiva e construído culturalmente, e pertence à classe de mitos desenvolvidos através da socialização.
referência bibliográfica:
FERREIRAS, Ricardo Franklin; MATTOS, Ricardo Mendes. O afro-brasileiro e
o debate sobre o sistema de cotas: um enfoque psicossocial. Psicol. cienc. prof.,
Brasília , v. 27, n. 1, p. 46-63, Mar. 2007 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932007000100005&lng=en&nrm=iso>.
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932007000100005.
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