“Nós,
homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos
desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia
acontecer que um dia nos encontrássemos?
Com razão alguém disse: “onde
estiver teu tesouro, estará também teu coração”. Nosso tesouro está onde
estão as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho
delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do
espírito, tendo no coração apenas um propósito – levar algo “para casa”.
Quanto ao mais da vida, as chamadas “vivências”, qual de nós pode
levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes,
receio, estamos sempre “ausentes”: nelas não temos nosso coração – para
elas não temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e imerso
em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas
do meio-dia, e súbito acorda e se pergunta “o que foi que soou?”, também
nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e
perplexos inteiramente, “o que foi que vivemos?”, e também “quem somos
realmente?”, e em seguida contamos, depois, como disse, as doze
vibrantes batidas de nossa vivência, da nossa vida, nosso ser – ah! e
contamos errado…
Pois continuamos necessariamente estranhos a nós
mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal entender, a nós se
aplicará para sempre a frase: “Cada qual é o mais distante de si mesmo” –
para nós mesmos somos “homens do desconhecimento”…
(NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.7)
Nenhum comentário:
Postar um comentário