O problema da
demarcação: Popper e Lakatos
Imre
Lakatos ocupou-se desta e de outras questões importantes para a filosofia da
ciência. Examinou as filosofias da ciência mais influentes e propôs a
metodologia dos programas de pesquisa (ou de investigação), a qual é uma
tentativa original de elaborar uma reconstrução racional da história da
ciência. Essa tentativa estrutura os ensaios reunidos na obra “História da
ciência e suas Reconstruções Racionais”.
A
resposta de Popper para o problema da demarcação das ciências é que as teorias
científicas distinguem-se das pseudocientíficas em virtude de serem refutáveis,
e que a atitude científica consiste em submeter as teorias a “testes cruciais”
que visam refutá-las ou falsificá-las. Lakatos, no entanto, considera ingênuo o
falsificacionismo de Popper, já que este não condiz com o comportamento dos
cientistas.
De fato, quando rejeitam uma teoria, cientistas não o fazem “apenas
porque os fatos a contradizem”. Diante de dados empíricos adversos, cientistas
em geral não hesitam em invocar hipóteses auxiliares (ad hoc) para salvar as
teorias. Vêem tais dados não como “refutações” de suas conjecturas, mas como
simples “anomalias” que não requerem solução imediata. Os testes cruciais de
que Popper fala são assim ficções infundadas; os próprios relatos desses testes
“são forjados muito depois de as teorias terem sido abandonadas”.
Como
alternativa ao falsificacionismo, Lakatos sugere que para resolver o problema
da demarcação é melhor pensar não em teorias ou conjecturas isoladas, mas em
unidades mais abrangentes, pois “a ciência não é simplesmente ensaio e erro,
uma série de conjecturas e refutações”.
Popper
buscou substituir a ideia de verificacionismo pela de falsificacionismo,
extraindo desta última o critério que separaria a ciência da pseudo-ciência: é
preciso definir em que condições estamos dispostos a abandonar determinada
teoria. Por outro lado, a experiência deixa definitivamente de
servir como ponto de partida para a formulação de enunciados gerais; agora ela
limitar-se-á a um modo de testar as hipóteses e eliminar aquelas que se
demonstrem equivocadas. O impulso, o que determina o progresso da ciência são
as conjecturas eventualmente falsificáveis, portanto, reside nas hipóteses e não
nos dados observacionais. Ou seja, para Popper, é no mundo das teorias, das
ideias (mundo 3), que se encontram os germes da criação científica. A
experiência servirá apenas como filtro decisivo para a eliminação das teorias
impuras ou anomalias. De qualquer modo, a experiência opera como árbitro
implacável.
Os
críticos de Popper, como vimos, acreditam que o critério de falsificabilidade é
demasiado estreito e deixaria de fora um razoável número de disciplinas do
saber, como, por exemplo, a paleontologia, a cosmologia, a etnologia, dentre
outras ciências ditas “humanas”.
Procurando
evitar interpretações ingênuas do falsificacionismo, Lakatos reformulou a
teoria de Popper de modo que se pudesse, ainda, apresentar as “revoluções
científicas” como resultantes de um progresso racional. A ideia central de
Lakatos consiste em substituir o “problema da apreciação de teorias” pelo “problema
da apreciação de séries de teorias” (ou mais exatamente de programas de
investigação). Dessa forma, as anomalias podem ser ignoradas desde que o
programa de investigação consiga manter uma heurística positiva
resultante dos desenvolvimentos teóricos, sendo apenas substituído quando
surgir um outro programa de investigação melhor. Assim, uma experiência não
pode, só por si, derrotar uma teoria pois esta apenas pode ser derrubada por
uma teoria melhor que apresente um conteúdo empírico adicional.
Por
exemplo, à luz da teoria de Popper, a descoberta do periélio anômalo de
Mercúrio não devia ter permitido manter a teoria gravitacional de Newton
enquanto, com base no novo critério de Lakatos, o desenvolvimento histórico
(que não fez ruir a teoria apesar do fenômeno só ter sido explicado mais tarde
por Einstein) se apresenta como perfeitamente racional.
Lakatos
também responde à sua própria pergunta referente à validade de sua filosofia da
ciência: em que condições abandonaria o seu critério de demarcação? Ele
propõe o seguinte meta-critério: uma teoria da racionalidade só deve
ser abandonada quando se dispõe de uma melhor (sendo que melhor
representa aqui a possibilidade de interpretar racionalmente uma maior
quantidade de juízos de valor básicos na história da ciência).
Fonte pesquisada: resenha crítica de Daniel Marques Pinto
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