Para
quem acompanha ou acompanhou a série de TV "Doutor House", já deve
ter se deparado com situações difíceis de se resolver, seja do ponto de vista
humano e pessoal, seja do ponto de vista do interesse social, seja sob o ângulo
do debate filosófico da Ética, ou simplesmente do ponto de vista moral
religioso.
Será que damos valor demais à simpatia, à solidariedade e ao amor? Somos, na verdade, apenas animais egoístas, vis, que rastejam pela terra, em uma existência insípida?
Henry Jacoby e William Irwin, na obra "House e a Filosofia - Todo Mundo Mente" (ed. Madras), analisam essas e outras questões filosóficas que surgem no decorrer da famosa série de TV que possui aficionados aos milhares pelo mundo todo.
Em “House”, a conduta aparentemente antiética do protagonista, no esforço para salvar seus pacientes, frequentemente se opõe à lógica da “razão que determina a vontade” (do filósofo Immanuel Kant) ou simplesmente conflita com a moral hipócrita das pessoais.
Sentimo-nos desconfortáveis com suas escolhas, reprovamos suas atitudes, mas simultaneamente celebramos sua genialidade e sinceridade.
Será que o compromisso obsessivo com uma meta que se posicione acima da própria ética (o bem-estar do paciente) autoriza desvios de conduta para atingi-la?
Os enredos são bem elaborados, convenhamos. Acabamos torcendo por ele, mesmo censurando seus métodos e a forma como interage com pacientes e equipe. Nossa torcida nos condena e evidencia como somos contraditórios e como somos hipócritas. Estamos mais interessados nos resultados ou realmente nos preocupamos com os meios que lançamos mão para conseguir o que desejamos?
Nutriríamos um desejo oculto pela genialidade do protagonista, só para poder dizer (ou fazer) tudo que pensamos, sem medo ou autocensura? essa é a catarse prometida e proporcionada pelo tema recorrente da série.
Porém, a convivência entre humanos cheios de egos seria possível com a absoluta sinceridade de todos? Ou esse é um privilégio para o 'super-homem' nietzscheano Gregory House?
Ainda existiríamos no planeta caso não fôssemos criaturas capazes de fazer de tudo para sobreviver e sobrepujar o outro? Isso nos torna essencialmente maus? Ou tudo não passa de uma questão semântica? Somos biologicamente moldados e "programados" para usar nossa inteligência em prol de mais segurança e confortos pessoais, custe o que custar? Sentimos prazer na dor alheia? Ou tal conduta é exceção? Essas são perguntas, às vezes subliminares, que o seriado da TV nos apresenta.
Mas a própria vida nos coloca situações desse tipo. E não só os filósofos e existencialistas deveriam se ocupar com essas questões, não acha?
Alguns estudiosos defendem que o humano não é, essencialmente, um ser social,
mas sim, se faz social a partir de suas necessidades pessoais, incluindo a de suportar melhor seus pavores.
Sendo assim, a sociedade humana estaria assentada sobre os pilares do medo e de
necessidades inatas, biologicamente elaboradas durante a evolução. Então, por receio da morte, a criatura humana procura o apoio de semelhantes,
numa atitude egocêntrica, medrosa e aproveitadora... A criatura humana se
socializa, via de regra, não por ser naturalmente sociável, mas por se perceber impotente diante da
natureza. É isso? Pensemos muito bem sobre esse ponto.
Se, para fugir de seus medos e disfarçar sua fraqueza aproveita-se da
fraqueza dos seus semelhantes, que tipo de dignidade trazemos conosco? A vida social seria nada mais que um meio de se
aproveitar da fraqueza de outros para se fazer forte?
Com
isso também podemos dizer que outra característica do humano é a maldade. Um
outro animal qualquer, dizemos, não é maldoso, nem bondoso, não é justo, nem injusto, não é solidário,
nem egoísta... um animal é instinto. Já, a criatura humana escolhe deliberadamente... o 'homem é liberdade', diria Sartre.
Essa mesma criatura má, por outro lado também é amaldiçoada com a depressão e
a ansiedade, com a angústia e com o tédio. Os outros animais não autônomos estão sim livres disso tudo que nos atormenta. A criatura humana, ao
contrário das demais, é juiz, é vítima e algoz. Julga o outro e julga a
si próprio, elegendo antes valores que chamamos "éticos".
Freudianamente falando, sublimamos nosso comportamento e buscamos um conjunto de regras racionalmente coerentes que nos permita nortear a conduta geral de outros humanos (os quais em geral quedam-se totalmente alheios a esse debate).
Freudianamente falando, sublimamos nosso comportamento e buscamos um conjunto de regras racionalmente coerentes que nos permita nortear a conduta geral de outros humanos (os quais em geral quedam-se totalmente alheios a esse debate).
O humano, na concepção de Nietzsche, não é nada romântico. Nietzsche
concluiu que, à criatura humana, “ver sofrer; faz bem; fazer sofrer melhor ainda: aí está um
duro princípio, mas um princípio fundamental antigo, poderoso, humano,
demasiadamente humano”. Na obra Crepúsculo dos Ídolos (São Paulo: Escala, 2005), afirma textualmente:
“É verdade
que repugna à delicadeza, mais ainda, a hipocrisia de animais domesticados
(quero dizer os homens modernos, quero dizer nós) representar-se com todo o
rigor até que ponto a crueldade era alegria festiva na humanidade primitiva e
entrava como ingrediente em quase todos os seus prazeres; por outro lado [...].
Indiquei já de maneira circunspecta a espiritualização e a ‘deificação’ da
crueldade que não cessa de crescer e atravessa toda a história da cultura
superior”
Então, retomando a questão proposta, nos perguntamos: Será que damos valor demais à simpatia, à solidariedade e ao amor? Somos, na verdade, apenas
animais egoístas, vis, que rastejam pela terra, em uma existência
insípida?
Mais um questão proposta por Gregory House, em vários episódios.
Qual o sentido da dor humana?
Há causalidade ou finalidade em toda a miséria humana que se vê no mundo?
Realmente ajudamos as pessoas ou só estamos buscando meios de nos sentir menos infelizes conosco mesmos?
Os dramas e tragédias humanas têm algum sentido transcendente? Ou é o próprio humano que necessita ver sentido em tudo, tal como faz com as fictícias formas que "enxerga" nas nuvens?
O ser humano estaria "enxergando" causalidade e finalidade onde só haveria coincidências e casualidades, prá que sua vida se torne minimamente confortável e suportável?
O ser humano estaria "enxergando" causalidade e finalidade onde só haveria coincidências e casualidades, prá que sua vida se torne minimamente confortável e suportável?
Para o protagonista, o modo como o homem vive, sofre e morre, demonstra que, ou Deus não existe, ou ele é espantosamente cruel e pouco confiável.
Teologicamente, a situação começa a se complicar já desde a tentação a que foram expostos Adão e Eva. Bastaria a Deus, caso tivesse real apreço pelo casal, jamais ter permitido que a "serpente" se aproximasse do Jardim, o que nos garantiria aquele Éden até hoje.
Teologicamente, a situação começa a se complicar já desde a tentação a que foram expostos Adão e Eva. Bastaria a Deus, caso tivesse real apreço pelo casal, jamais ter permitido que a "serpente" se aproximasse do Jardim, o que nos garantiria aquele Éden até hoje.
De qualquer forma, a ideia de "deus" que as pessoas construíram não faz sentido no contexto do conceito de liberdade ou livre-arbítrio, pois "a existência de um ser desse tipo implicaria necessariamente na escravidão de tudo abaixo dele" (Mikhail Bakunin).
Então, ou o homem é livre e, portanto, deus não passaria de uma ficção/projeção do alter-ego presente na mente humana, ou deus existe e não é possível a liberdade.
Noutras palavras, o livre-arbítrio (fundamento metafísico de qualquer ética) seria uma formidável ilusão e consequentemente igualmente inútil e ilusório seria o esforço humano para ser algo "moralmente melhor".
Então, o falso dilema proposto assim se apresenta: ou somos manipulados pela natureza (leis físicas e biológicas) que determina nosso comportamento violento, predatório e egoísta de autopreservação ou somos manipulados pela onipotência/onisciência de um deus que já previamente elegeu desde sempre os que seriam salvos no final, concedendo-lhes a "graça" ou o "dom gratuito da salvação" (o que por si só anularia também o papel do mérito pessoal, já que não somos salvos pelo nosso esforço, mas porque aquele deus, em sua misericórdia, assim o quis).
Sendo assim, todo o restante estaria condenado à aniquilação ou às torturas do inferno, o que mais uma vez não faz sentido, porque não há lógica em se 'castigar' quem, já desde o início, não tinha chance de ser salvo. E assim retornamos ao problema sugerido pelo personagem Dr. House: um 'deus impossível', ou na melhor das hipóteses, irracional e perverso.
Creio que aí já temos um bom tema para nossa reflexão filosófica de hoje, ou da semana, quiçá, de nossas vidas. Pensemos a respeito, com "cérebro e coração". Como superar tais dilemas usando a razão e a própria consciência?
Todos deveriam ter a resposta sobre 'o que' ou sobre 'quem é'. Também deveriam se perguntar sobre o que ou quem é Deus. São questões fundamentais que podem modificar radicalmente nosso paradigma sobre nós mesmos e nosso comportamento no mundo.
Todos deveriam ter a resposta sobre 'o que' ou sobre 'quem é'. Também deveriam se perguntar sobre o que ou quem é Deus. São questões fundamentais que podem modificar radicalmente nosso paradigma sobre nós mesmos e nosso comportamento no mundo.
silvio mmax.
quer saber um pouco mais sobre antropologia filosófica?
leia textos introdutórios em:
http://meuartigo.brasilescola.com/filosofia/uma-antropologia-cultura*ii-homem-que-realidade-essa.htm
http://oficina-de-filosofia.blogspot.com.br/p/introducao-antropologia-filosofica.html
quer saber mais sobre a série de TV?
Henry Jacoby e William Irwin organizam a obra "House e a Filosofia - Todo Mundo Mente" (ed. Madras, 2008), onde analisam algumas das questões filosóficas que aparecem na série da TV (três primeiras temporadas, principalmente).
http://www.cultura.rj.gov.br/materias/a-filosofia-de-house
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