“Meditação não é o que você tá pensando”
Neuroscientista instrui quem tentou meditar e “não conseguiu”
É um trocadilho óbvio mas que ainda não tinha visto: “meditação: não é o que você pensa“.
Num artigo com esse título (em inglês, Meditation: It’s Not What You Think), a neuroscientista residente do Mind and Life Institute, Wendy Hasenkamp, se confessa triste e frustrada cada vez que uma pessoa vira pra ela e diz: “Ah, meditação, tentei uma vez. Não consegui“.
Ela explica que sente “tristeza porque as pessoas experimentaram a
meditação por um viés negativo e a associaram com o fracasso, e
frustração porque essa associação surge de um equívoco cultural que vem
se espalhando”. Pesquisadora de uma organização sem fins lucrativos
que tem o XIV Dalai Lama
como um dos principais colaboradores, Wendy argumenta que as próprias
pesquisas mostram que o cérebro não está “engessado depois dos 20 anos” e
que aprender meditação se faz como se aprende qualquer coisa, de matemática a levantar peso.
“Se você fizer uma busca rápida por imagens sobre meditação na Internet, você encontrará aquela cena popular: pessoas sentadas com as pernas cruzadas, olhos fechados, aparentemente serenas e livre de pensamentos, algumas até com feixes de luz saindo de suas cabeças. Você só precisa falar com alguém que medita regularmente para saber que essa imagem está longe de ser a realidade da meditação. Especialmente para iniciantes”. (Wendy Hasenkamp)
Essa distinção do início da prática é importante, pois a não ser que
você tenha nascido com a vocação para monge e queira mergulhar na
prática logo de cara, um início mais versátil e menos rigoroso pode ser
vital para começar a meditar.
Segundo Maharishi Mahesh Yogi,
você pode meditar sentado, no chão, numa cadeira (sem cruzar pernas),
pode meditar no avião, de dia, de noite, etc. E embora a meta sejam 20 minutos
em duas sessões diárias, há um respeito pelo seu ritmo e sua entrada na
prática. Se eu tivesse começado com algum método que exigisse mais
tempo ou determinada postura, como padmasana (postura do lótus,
com os dois pés sobre as coxas), certamente sentiria frustração (me
confundiria com ela) e possivelmente desistiria.
No artigo, Wendy diz que uma das práticas mais comuns ensinadas para iniciantes hoje no Ocidente é a “mindfulness“, que você pode fazer em 10 minutos diários e consiste basicamente em prestar atenção à respiração. Mesmo assim, não traz a serenidade da noite pro dia.
“Por fora, o corpo pode parecer calmo (e mesmo isso pode levar um tempo para ser conquistado), mas por dentro a mente está geralmente confusa numa selva de pensamentos e emoções. Isso é normal. Na verdade, embora a meditação signifique um monte de coisas para várias pessoas, da minha perspectiva, não é sobre conquistar um estado abençoado e “vazio” da mente. A cessação dos pensamentos é possível (ou pelo menos é o que ouço), mas vejo isso mais como um efeito colateral, se e quando ocorrer. Para mim, a meditação é um processo – um processo de investigar a própria mente e mudar o jeito que você se relaciona com seus pensamentos”. (Wendy Hasenkamp)
Apesar de não ser assertiva em relação ao silêncio da mente, é um
relato a ser considerado, pois Wendy faz parte de uma instituição que
pesquisa a meditação a sério e por diversos ângulos, e é uma das
principais diretoras de pesquisa. Em outro trecho, ela define um dos
problemas que trazem a confusão para a meditação:
“O que é facilmente confundido é que as instruções para a meditação não são na verdade o objetivo da meditação.” (Wendy Hasenkamp)
Talvez seja possível traçar um paralelo: é como você dizer a alguém
que não consegue dançar para prestar atenção na música, para deixar a
música ser ouvida plenamente e penetrar no corpo, mas, ainda que a
instrução seja valiosa e eficaz, e que a pessoa no fim das contas dance,
ela ainda não é a dança. É apenas uma instrução para que a dança
aconteça.
“Em outras palavras, enquanto perseguimos a manutenção do foco na respiração, o objetivo é na verdade aprender sobre nossas mentes. Fazemos isso ao configurar as condições para que os pensamentos surjam, e então os observamos sem julgamentos. Assim que compreendemos que os pensamentos irão aparecer, e que são até necessários para o processo ter significado, podemos relaxar e permitir que isso aconteça. Com a prática, começamos a perceber que os pensamentos e as emoções que aparecem naturalmente também se vão naturalmente. Percebemos que nem sempre precisamos fazer alguma coisa, e que eles não são tão “reais” quanto parecem”. (Wendy Hasenkamp)
As pesquisas mostram diversos benefícios praticamente inequívocos da meditação, e Wendy cita alguns como a melhoria da atenção e do desempenho em testes, a redução do estresse e o aumento da imunidade,
além do desenvolvimento da estrutura e da performance fisiológica do
cérebro (ela cita “densidade da massa cinzenta, aumento da espessura
cortical e integridade das conexões”). Mas a busca desses índices pode
levar a prática a um caminho menor e meramente funcional, algo como o
que o Yoga já sofreu e que pode acabar não desenvolvendo a meditação
como prática de auto-conhecimento, de integração e de despertar.
“Apesar das pessoas parecerem pensar que a habilidade de meditar é parte do DNA de alguém – ou você faz ou não consegue – as capacidades cognitivas para a meditação podem ser treinadas. (…) O processo leva tempo e uma boa dose de dedicação e esforço, mas com a prática, você pode desenvolver uma nova maneira de se relacionar com seus pensamentos e emoções. (…) Mas não tome minha palavra como certa. O próprio Buda instruiu seus estudantes a não aceitar nada simplesmente porque uma autoridade disse; ao invés disso, teste e veja se concorda a partir da sua própria experiência. Aposto que se você fizer uma tentativa séria para meditar, você verá – e sentirá – os benefícios por si mesmo”. (Wendy Hasenkamp)
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