O
trabalho acadêmico de Edgar Morin que você lerá a seguir nos remete a uma utopia, sem dúvida. Mas não me preocupo com a utopia do texto.
Afinal,
desconheço algum grande homem que não tenha professado alguma
utopia. Os
não utópicos são causticamente realistas e geralmente descambam para pessimismo
e fatalismo... por fim tornam-se débeis ou inúteis; e seus textos, ininteligíveis...
Há que ser, ao menos capazes de tornar a
vida suportável.
Sim...
talvez o texto seja um tanto quanto ingênuo ou excessivamente otimista. Mas,
a esperança está sempre de braços dados com a ação proativa e opera como
vacina contra a letargia, contra a passividade e tibieza das massas (sempre
acéfalas e manipuláveis).
Hoje
em dia, após ler o noticiário, é muito mais fácil chegar à conclusão de que
qualquer esforço é inútil.
Mas
considero o seguinte: todas as pedagogias são propostas utópicas. Nem
a pedagogia tradicional escapa desta regra. Todas as pedagogias projetam
contextos ideais, desenvolvimentos e resultados ideais. Tais ideais se realizam
(ou não) num "lugar que não há" (ainda).
Cabe
aos homens empreenderem sua energia nelas (nas pedagogias) e, só a partir disso
será possível aproximar-nos de alguma utopia, ou quem sabe concretizá-las fora
do 'campo do sonhos'...
No
fundo, não creio que a humanidade tenha boas perspectivas pela frente. Não que
não haja propostas boas de novos paradigmas, ou de antigos paradigmas
reciclados. Só não creio em mudanças ao nível das massas, no plano macro... a
humanidade de modo geral não escapará ilesa das consequências de seus erros.
Minha
esperança reside nos detalhes, no trabalho com o micro, com o
indivíduo, com a pessoa, com o singular, com o momento, nas iniciativas que
unem teoria à prática pedagógica...
O
professor real não é "aquele que ganha salário para dar aula"... O
professor é aquele que ganha vida quando dá aulas! De bônus, recebe salário.
Todo
professor-educador se alimenta da utopia todos os dias, desde o seu café da
manhã... A utopia é seu paõzinho-francês com café de cada dia...
Para
quê ainda serve um educador hoje? para transmitir conteúdos? ou para deixar as
mentes de seus alunos prenhes de utopias, de mundos ideais?
O professor
é um funcionário burocrático reprodutor/entregador de conteúdos culturais
formatados, 'macdonnaldizados', ou ele é "semeador de utopias" em mentes
férteis?
Até
marxistas e existencialistas precisam se alimentar da utopia e beber na
fonte dos ideais e das metafísicas. O materialista que nega isso, desconhece
sua própria filosofia e ideologia. Ele ignora, mesmo sem notar, o próprio
fundamento e a lógica da 'utopia' que defende.
Acho
que detalhes podem fazer a diferença, não "para salvar a humanidade".
Essa humanidade que aí está, inquilina que se acha dona, não merece sobrevida.
Ela já se condenou a si mesma. A natureza por si só vai fulminá-la a seu tempo,
pelos seus delitos ou pecados.
Acho
que os tais "princípios da esperança" funcionam como funcionaram há 3
mil anos, quando alguém contou, numa tenda escaldante no deserto, a
história de um pequeno Davi que enfrentou e destruiu um monstruoso Golias.
Ao contrário de todas as expectativas, o aparentemente fraco venceu o
forte.
Você
acredita que Davi possa vencer Golias? Essa é questão fundamental . Essa
é a escolha que temos que fazer, antes de mais nada. Tudo é uma questão de
escolha. Sempre foi. Se um fraco com fé vence um forte, então porque não
temos alguma chance?
Segue o artigo abaixo:
Elogio da metamorfose para salvar a humanidade
“A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante de nós, disse Heidegger. A metamorfose seria efetivamente uma nova origem”, escreve o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, em artigo publicado no jornal francês Le Monde, 9-01-2010.
tradução: Cepat.
Quando um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, se degrada ou se desintegra ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz de lidar com seus problemas: ele se metamorfoseia. O sistema Terra é incapaz de se organizar para resolver seus problemas críticos: perigos nucleares que se agravam com a expansão e, talvez, a privatização das armas atômicas; degradação da biosfera; economia mundial sem verdadeira regulação; retorno da fome; conflitos étnico-político-religiosos que tendem a se desenvolver em guerras de civilização.
O aumento e a aceleração destes processos podem ser considerados como o desencadeamento de um poderoso feedback negativo, um processo pelo qual um sistema se desintegra irremediavelmente.
A desintegração é provável. O improvável, mas possível é a metamorfose. O que é uma metamorfose? Nós vemos inúmeros exemplos no reino animal. A lagarta que se fecha num casulo começa um processo ao mesmo tempo de destruição e de autoreconstrução, como uma organização e uma forma de borboleta, diferente da lagarta, permanecendo a mesma. O nascimento da vida pode ser concebido como a metamorfose de uma organização físico-química, que, tendo chegado a um ponto de saturação, cria a meta-organização viva que, embora tendo os mesmos aspectos físico-químicos, produz novas qualidades.
A formação das sociedades históricas – no Oriente Médio, na Índia, na China, no México, no Peru – constitui uma metamorfose a partir de um conjunto de antigas sociedades de caçadores-coletores, que produziu as cidades, o Estado, as classes sociais, a especialização do trabalho, as grandes religiões, a arquitetura, as artes, a literatura e a filosofia. E também as piores coisas: a guerra e a escravidão. A partir do século XXI se coloca o problema da metamorfose das sociedades históricas em uma sociedade-mundo de um novo tipo, que englobará a ONU, sem suprimi-la. Porque a continuação da história, isto é, das guerras, por parte dos Estados com armas de destruição em massa, leva à destruição da humanidade. Ainda que, para Fukuyama, sejam as capacidades criativas da evolução humana que se esgotaram com a democracia representativa e a economia liberal, devemos pensar que, ao contrário, é a história que se esgota e não as habilidades criativas da humanidade.
A ideia de metamorfose, mais rica do que a ideia de revolução, guarda a radicalidade transformadora, mas a liga à conservação (da vida, do patrimônio cultural). Para ir rumo à metamorfose, como mudar de caminho? Mas se parece possível corrigir alguns males, é impossível romper a lógica técnico-científico-econômico-
A ciência moderna formou-se a partir de algumas mentes desviantes dispersas, Galileu, Bacon, Descartes, e então criou suas redes e associações, se introduziu nas universidades no século XIX, e depois, no século XX nas economias e nos Estados para se tornar um dos quatro poderosos motores da nave espacial Terra. O socialismo nasceu de algumas mentes autodidatas e marginalizadas no século XIX para se tornar uma formidável força histórica no século XX. Hoje, tudo tem que ser repensado. Tudo deve recomeçar.
Com efeito, tudo começou, mas sem que se soubesse. Estamos no estágio de começos, modestos, invisíveis, marginais, dispersos. Porque já existe, em todos os continentes, uma efervescência criativa, uma multiplicidade de iniciativas locais, em conformidade com a revitalização econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou educacional ou ética, ou da reforma da vida.
Estas iniciativas estão isoladas, nenhuma administração as leva em conta, nenhum partido toma conhecimento delas. Mas elas são o viveiro do futuro. Trata-se de reconhecê-las, inventariá-las, cotejá-las, catalogá-las, combiná-los e de conjugá-las em uma pluralidade de caminhos reformadores. São estes caminhos múltiplos que podem, através de um desenvolvimento conjunto, se combinar para formar o novo caminho que nos levaria em direção à metamorfose ainda invisível e inconcebível. Para desenvolver formas que vão desembocar no Caminho, é preciso identificar alternativas limitadas, que limitam o mundo do conhecimento e do pensamento hegemônicos. Assim, é preciso ao mesmo tempo globalizar e desmundializar, crescer e diminuir, desenvolver e envolver.
A orientação mundialização/desmundialização significa que, se é preciso multiplicar os processos de comunicação e de planetarização culturais, é preciso que se constitua uma consciência da Terra-Pátria, mas também é preciso promover, de maneira desmundializante, a alimentação de proximidade, os artesanatos locais, as lojas locais, a jardinagem suburbana, as comunidades locais e regionais.
A orientação “crescimento/decrescimento” significa que precisamos aumentar os serviços, as energias verdes, os transportes públicos, a economia plural capaz de incluir a economia social e solidária, o desenvolvimento da humanização das megacidades, a pecuária orgânica, mas diminuir as intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a produção de objetos descartáveis e não consertáveis, o tráfego de automóvel, o tráfego de caminhões (em benefício do transporte ferroviário).
A orientação desenvolvimento/envolvimento significa que o objetivo não é mais fundamentalmente o desenvolvimento de bens materiais, da eficiência, da rentabilidade, do cálculo; é também o retorno de cada um às necessidades interiores, o grande retorno à vida interior e ao primado da compreensão do outro, do amor e da amizade.
Já não basta mais apenas denunciar. Precisamos propor. Não basta apelar à urgência. É preciso saber também começar a definir os caminhos que levarão ao Caminho. É para isso que estamos tentando contribuir. Quais são as razões para ter esperança? Podemos formular cinco princípios de esperança.
1. O surgimento do improvável. Assim, por duas vezes a vitoriosa resistência da pequena Atenas à formidável força dos persas, cinco séculos antes da nossa era, foi altamente improvável e permitiu o nascimento da democracia e da filosofia. Igualmente inesperado foi o congelamento da ofensiva alemã diante de Moscou, no outono de 1941, e depois a contra-ofensiva vitoriosa de Jukov que começou em 5 de dezembro e, depois, no dia 8 de dezembro com o ataque a Pearl Harbor, que marcou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
2. As virtudes geradoras/criadoras inerentes à humanidade. Assim como existem em qualquer organismo humano adulto células-tronco dotadas de habilidades polivalentes (totipotentes) próprias às células embrionárias, mas inativas, existem em cada ser humano, em cada sociedade humana, virtudes regeneradoras, geradoras e criativas em estado dormente ou inibidas.
3. As virtudes da crise. Ao mesmo tempo que forças regressivas e desintegradoras, as forças criadoras despertam na crise planetária da humanidade.
4. Com o que se combinam as virtudes do perigo: “Aí onde cresce o perigo cresce também o que salva”. A chance suprema é inseparável do risco supremo.
5. A aspiração multimilenar da humanidade à harmonia (paraíso, depois utopias, depois ideologias libertárias/socialistas/
A esperança estava morta. As gerações mais velhas estão decepcionadas com falsas esperanças. As gerações mais jovens se desconsolam com o fato de que não haja mais causas como a nossa resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a nossa causa trazia em si o seu contrário. Como disse Vasily Grossman de Stalingrado, a maior vitória da humanidade foi ao mesmo tempo a sua maior derrota, desde que o totalitarismo stalinista saiu vitorioso. A vitória das democracias restabeleceu no mesmo ato seu colonialismo. Hoje, a causa é inequivocamente sublime: trata-se de salvar a humanidade.
A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante de nós, disse Heidegger. A metamorfose seria efetivamente uma nova origem.
Edgar Morin nasceu em 1921, é diretor de pesquisa emérito no CNRS, presidente da Agência Europeia para a Cultura (Unesco) e presidente da Associação para o Pensamento Complexo. Em 2009, publicou Edwige, l’inseparable (Fayard) [‘Edwige, a inseparável’, dedicado à sua esposa morta]. Ler também, La Pensée Tourbillonnaire - Introduction à la pensée d’Edgar Morin, de Jean Tellez (éditions Germina). (“O pensamento turbulento. Introdução ao pensamento de Edgar Morin”).
Fonte: IHU On-line
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