segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Progresso ou Delírio?

Resta saber de que lado ficaremos: 

como parte do problema ou parte da solução


"É preciso crescer!" Você provavelmente já ouviu essa frase. Ela ilustra a visão de mundo na qual nascemos e agora vivemos. Tal paradigma nos foi introjetado culturalmente e, para muitos, tornou-se tão ‘natural’ quanto o ar que respiram. Nesta visão, a solução dos problemas sociais (desemprego, miséria, violência etc) exige dos diversos setores, “crescimento econômico e desenvolvimento”. Quem discordaria desse binômio?
O desenvolvimentismo é o totem sagrado de nosso tempo. Desafiá-lo é grave pecado, blasfêmia, heresia. A ideologia nos conclama a produzir e também a consumir mais. Então, surge um problema: até a capacidade de consumo das pessoas tem seu limite. Que fazer?
A solução nefanda chegou ainda na primeira metade do século 20, quando alguns iluminados conceberam o espantoso conceito da "obsolescência programada” (ou planejada) que salvaria a economia de um novo colapso: reduz-se propositadamente a vida útil de um produto para, assim, aumentar o consumo de versões mais recentes. Isto é: o próprio fabricante planeja deliberadamente o “envelhecimento” daquilo que produz. Após o prazo estipulado, o produto (geralmente ainda seminovo) simplesmente se quebra ou deteriora, mesmo que se utilize dele com todo o zelo. Isso se aplica a praticamente tudo: de suas meias de nylon às lâmpadas de led, de impressoras domésticas a peças de automóvel, de celulares inteligentes a liquidificadores, de computadores a colchões... é a cultura do descartável. 

Ademais, a propaganda midiática faria o resto do trabalho sujo, induzindo-nos a nos sentirmos imperfeitos e insatisfeitos, nos acenando com novas falsas ‘necessidades’. A única saída para o gado humano: Continuar consumindo, sem reflexão crítica alguma... 

Por sua vez, para atender à demanda (artificialmente estimulada), requer-se mais, muito mais recursos naturais (commodities, se preferirem o nome da moda). Mais petróleo, mais carvão e gás, mais minérios, mais hidrelétricas, mais...mais! É preciso explorar, exaurir, extrair, subtrair, sugar, arrancar, fissurar, depenar, explodir, esfolar, auferir, enfim, lucrar! 
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEiJH2H1BTClDJE5Bas5bId3Wrtb2ChAqfsOQEbUSBu0zYEMz0iBbzBhe-mnzQ14OczJfBO1EboclN7xQ6bvFvCrHSGiXN8yw63v7og4MDq-QZKjXIhFw3l5nyfJKphFvUQUgvu7qn4qA/s1600/crescimento.jpg Eis a lógica do jogo, no qual o gado humano é doutrinado: ganhar e consumir sempre mais. Eis a ética permissível: buscar o topo! American way of life!  Ativos e derivativos! Blue chips! Superavit! Indexadores! PIB! Dividendos! Tudo resumido a cifras digitais num extrato bancário. Mas, é possível ser saudável respirando índices estatísticos de crescimento?  Quando tivermos fome, comeremos papel-moeda? Beberemos a liquidez de nossos investimentos financeiros se tivermos sede?
 
Dentre tantos exemplos de insanidade, citemos um bem próximo: vivenciamos no Brasil, talvez a pior crise hídrica da nossa história. Ao mesmo tempo, descobrimos que a indústria consome de 3 a 7 litros de água para produzir uma única garrafa plástica descartável, que acondicionará por alguns dias um único litro de água. Agora, considere que só no Brasil, são produzidas 550 mil toneladas de garrafas PET por ano! Essa “água virtual”, consumida durante o processo de produção de tantos supérfluos, está 'oculta' a nossos olhos. Reciclar é interessante, mas não será nossa redenção se considerarmos o exponencial crescimento demográfico. Mesmo as pequenas ações antrópicas, amplificadas em escala mundial, produzem efeitos catastróficos. Tudo que consumimos deixa uma “pegada hídrica”, uma pegada ecológica gigantesca atrás de nós. 

Tentem calcular quantos recursos já desperdiçamos com nossa ânsia por aceitação social? Quantas bugigangas ainda precisaremos para reforçar nossa frágil autoestima e sustentar nossa primitiva identidade egóica? A obsolescência planejada, bem como os atuais níveis de produção e consumo são absolutamente imorais e escandalosos. Qualquer criatura de razoável inteligência se recusaria a viver de modo tão doentio. Estamos cronicamente viciados em consumir e como qualquer viciado clássico, não admitimos o próprio vício.

Concluímos que a abjeta ideologia do crescimento predatório não se sustenta porque nosso ego é simplesmente insaciável. Ele é a fonte de nossas ansiedades e compulsões. Compreender seu mecanismo nos coloca num patamar de consciência que nos permite romper o círculo vicioso no qual entramos. Qual espelho, a sociedade só reflete a nós mesmos.  Por isso, perdemos o foco e tempo precioso quando culpamos exclusivamente nossos governos e políticos, ou a crise econômica capitalista ou a ameaça comunista... ficamos cegos para o óbvio: a real ameaça e ao mesmo tempo a solução, é o próprio elemento humano.

Nosso suposto "crescimento" está implicando em sofrimento para muitas criaturas. Ouso dizer uma blasfêmia: Não precisamos de mais, precisamos desesperadamente de menos!! menos cobiça, menos avidez, menos supérfluos, menos tóxicos, menos velocidade e menos sangue e sofrimento em nossas mãos, menos insanidade em nossas vidas.

Todas as formas de vida merecem respeito. Sem motivo plausível, não temos o direito de destruir ou causar qualquer sofrimento. Essa é a única ética possível. Ou a abraçamos ou desaparecemos. 
 



Silvio Motta Maximino –
publicado no Jornal da Cidade (Bauru) em 14/11/16

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