"É
preciso crescer!" Você provavelmente já ouviu essa frase. Ela ilustra
a visão de mundo na qual nascemos e agora vivemos. Tal paradigma nos foi
introjetado culturalmente e, para muitos, tornou-se tão ‘natural’ quanto o ar
que respiram. Nesta visão, a solução dos problemas sociais (desemprego,
miséria, violência etc) exige dos diversos setores, “crescimento econômico e
desenvolvimento”. Quem discordaria desse binômio?
O
desenvolvimentismo é o totem sagrado de nosso tempo. Desafiá-lo é grave pecado,
blasfêmia, heresia. A ideologia nos conclama a produzir e também a consumir
mais. Então, surge um problema: até a capacidade de consumo das pessoas tem seu
limite. Que fazer?
A solução
nefanda chegou ainda na primeira metade do século 20, quando alguns iluminados
conceberam o espantoso conceito da "obsolescência programada” (ou
planejada) que salvaria a economia de um novo colapso: reduz-se propositadamente
a vida útil de um produto para, assim, aumentar o consumo de versões mais
recentes. Isto é: o próprio fabricante planeja deliberadamente o
“envelhecimento” daquilo que produz. Após o prazo estipulado, o produto
(geralmente ainda seminovo) simplesmente se quebra ou deteriora, mesmo que se
utilize dele com todo o zelo. Isso se aplica a praticamente tudo: de suas meias
de nylon às lâmpadas de led, de impressoras domésticas a peças de automóvel, de
celulares inteligentes a liquidificadores, de computadores a colchões... é a
cultura do descartável.
Ademais, a
propaganda midiática faria o resto do trabalho sujo, induzindo-nos a nos
sentirmos imperfeitos e insatisfeitos, nos acenando com novas falsas
‘necessidades’. A única saída para o gado humano: Continuar consumindo, sem
reflexão crítica alguma...
Por sua
vez, para atender à demanda (artificialmente estimulada), requer-se mais, muito
mais recursos naturais (commodities, se preferirem o nome da moda). Mais petróleo,
mais carvão e gás, mais minérios, mais hidrelétricas, mais...mais! É preciso
explorar, exaurir, extrair, subtrair, sugar, arrancar, fissurar, depenar,
explodir, esfolar, auferir, enfim, lucrar!
Eis a
lógica do jogo, no qual o gado humano é doutrinado: ganhar e consumir sempre
mais. Eis a ética permissível: buscar o topo! American way of life!
Ativos e derivativos! Blue chips! Superavit! Indexadores! PIB! Dividendos! Tudo
resumido a cifras digitais num extrato bancário. Mas, é possível ser saudável
respirando índices estatísticos de crescimento? Quando tivermos
fome, comeremos papel-moeda? Beberemos a liquidez de nossos investimentos
financeiros se tivermos sede?
Dentre
tantos exemplos de insanidade, citemos um bem próximo: vivenciamos no Brasil,
talvez a pior crise hídrica da nossa história. Ao mesmo tempo, descobrimos que
a indústria consome de 3 a 7 litros de água para produzir uma única garrafa
plástica descartável, que acondicionará por alguns dias um único litro de água.
Agora, considere que só no Brasil, são produzidas 550 mil toneladas de garrafas
PET por ano! Essa “água virtual”, consumida durante o processo de produção de
tantos supérfluos, está 'oculta' a nossos olhos. Reciclar é interessante, mas
não será nossa redenção se considerarmos o exponencial crescimento demográfico.
Mesmo as pequenas ações antrópicas, amplificadas em escala mundial, produzem
efeitos catastróficos. Tudo que consumimos deixa uma “pegada hídrica”, uma
pegada ecológica gigantesca atrás de nós.
Tentem
calcular quantos recursos já desperdiçamos com nossa ânsia por aceitação social?
Quantas bugigangas ainda precisaremos para reforçar nossa frágil autoestima e
sustentar nossa primitiva identidade egóica? A obsolescência planejada, bem
como os atuais níveis de produção e consumo são absolutamente imorais e
escandalosos. Qualquer criatura de razoável inteligência se recusaria a viver
de modo tão doentio. Estamos cronicamente viciados em consumir e como qualquer
viciado clássico, não admitimos o próprio vício.
Concluímos
que a abjeta ideologia do crescimento predatório não se sustenta porque nosso
ego é simplesmente insaciável. Ele é a fonte de nossas ansiedades e compulsões.
Compreender seu mecanismo nos coloca num patamar de consciência que nos permite
romper o círculo vicioso no qual entramos. Qual espelho, a sociedade só reflete
a nós mesmos. Por isso, perdemos o foco e tempo precioso quando culpamos
exclusivamente nossos governos e políticos, ou a crise econômica capitalista ou
a ameaça comunista... ficamos cegos para o óbvio: a real ameaça e ao mesmo
tempo a solução, é o próprio elemento humano.
Nosso
suposto "crescimento" está implicando em sofrimento para muitas
criaturas. Ouso dizer uma blasfêmia: Não precisamos de mais, precisamos
desesperadamente de menos!! menos cobiça, menos avidez, menos supérfluos, menos
tóxicos, menos velocidade e menos sangue e sofrimento em nossas mãos, menos
insanidade em nossas vidas.
Todas
as formas de vida merecem respeito. Sem motivo plausível, não temos o direito
de destruir ou causar qualquer sofrimento. Essa é a única ética possível.
Ou a abraçamos ou desaparecemos.
Silvio Motta
Maximino –
publicado no Jornal da Cidade (Bauru) em 14/11/16
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