Gabriela, por quê?
“Eu nasci assim, eu cresci assim, sou mesmo assim, vou ser sempre
assim”. Eis o refrão da célebre canção “Gabriela, Cravo e Canela”,
lembrada também pelo escritor M. S. Cortella em sua análise do que ficou
conhecido como "Síndrome de Gabriela". A metáfora serve para explicitar
uma tendência para justificarmos nossas próprias atitudes, manias,
costumes e jeitinhos. Mais algumas pitadas de falácia ideológica e
facilmente chegamos à tese de que haveria uma natureza genética
determinando nosso jeito de ser. Outro lado da mesma moeda vem com a
tese da herança cultural, determinante daquilo que somos. Há ainda quem
prefira sentenciar que a pré-existência de um Criador nos definiria por
si só. Mas, se algo/alguém nos define, coisificados ficamos. Evapora-se a
tênue dignidade de pessoa, de sujeito dotado de livre-arbítrio, enfim.
Qual é o seu vício, hein!?
Afinal, o que fazemos, desejamos ou sentimos é produto do ambiente ou
quiçá de uma sopa de hormônios e neurônios? Ou a causa habitaria algum
nebuloso e abstrato plano metafísico? Ao que parece, nenhuma das
hipóteses explica, isoladamente, o fenômeno antropológico. Sejamos
honestos: Vamos ao espaço sideral e ao fundo dos mares, mas qualquer
gripe ou dor de barriga ainda nos aborrece, qualquer objeção nos tira o
verniz da compostura. Em quê exatamente estamos melhores que nossos
ancestrais? Como é que se lida com um corpo ou com uma alma? E diga lá:
como é que se lida com o outro? A síndrome de Gabriela mostra que quase
nunca é fácil mudar. Seja uma mania, um vício ou um paradigma. Pode não
ser vício em nicotina ou cocaína, mas de repente é na cafeína e na
sacarina; pode ser vício em sexo, jogos, em fofoca, em trabalho, em
reclamação, em álcool e a lista parece que não termina... somos
viciadíssimos até em pensar! Pensamos muito, agimos pouco. Quer ver só?
Tente parar de divagar ou de preocupar-se por dez minutos e depois diga a
si mesmo o que conseguiu.
Na verdade, todo aprendizado exige um esforço, quase sempre um
sacrifício, certamente um desconforto. E pronto! É aí que escorregamos
na tal ‘síndrome de Gabriela’. Sem a dose
certa de motivação, não conseguimos mudar, mesmo que o desejemos; antes,
justificamos e até racionalizamos nossas condutas, não importa quão
feiosas ou fedidas sejam. Sempre se pode achar uma justificativa, até
para ser corrupto e genocida. Hitler, Stalin ou Bush são exemplos
históricos gritantes... Mas, todos temos nossos momentos em que acabamos
justificando nossa preguiça, gula e cobiça; desculpamos com
impressionante facilidade nossas próprias luxúrias, apegos e paixões.
Que tal um corpo novinho em folha?
Agora, notem o paradoxo: Estudos baseados na medição do carbono 14 no
organismo, concluíram que, ao cabo de alguns anos (entre 7 a 10), em
média 98% dos átomos presentes no nosso corpo são renovados por meio do
ar que respiramos, da luz e demais alimentos consumidos. Quer dizer:
nossas células são substituídas frequentemente! temos um corpo novinho
em folha em poucos anos! Se é assim, por que a tal de ‘Gabriela’
continua aparecendo? Por que custamos tanto a mudar? A resposta pode
estar, segundo estudiosos, nos padrões vibracionais que emitimos (já que
toda matéria emite uma vibração energética definida). Assim, tais
padrões, aos poucos, imprimiriam suas ‘assinaturas’ nos planos físico e
psíquico. É assim que afinal, adoecemos: o corpo, a alma, a família e a
sociedade, até chegar à cena dantesca que vemos hoje no mundo.
A solução para o paradoxo pode estar no conhecimento de si mesmo,
desses padrões vibratórios que operam como ‘programas’ (softwares), em
forma de memórias, pensamentos e sentimentos... Assim, se nos
perguntarmos: Já nascemos possessivos, mesquinhos,
preconceituosos ou moralmente fracos? Há um DNA ou ambientes específicos
que nos definam como bondosos, altruístas ou amorosos? Podemos
responder: temos todas as tendências e possibilidades latentes,
potenciais dentro de nós. Aqueles condicionamentos gerados por mera
censura ou repressão social são eficazes só até certo ponto bem
limitado. A educação funciona apenas como uma fina casca de verniz...
ela se trincará nos primeiros estresses que o sujeito encontrar. Basta
olhar para o tamanho de nossos sistemas prisionais e hospitalares.
Tem uma saída prá nós?
A síndrome parece decorrer de nossa própria identificação com os
programas, com tais memórias ativas que se auto-executam em nós mesmos.
Percebamos enfim, que não somos os programas que estão instalados. Somos
de fato, co-programadores de quem somos! Mas se nos confundimos com
tais programas, seremos presas fáceis. Inadiável que busquemos a via
direta do autoconhecimento, sem os rótulos ideológicos materialistas e
metafísicos. Somente nós ante nós mesmos!
publicado também em:
yesmarilia.com.br
Jornal da Cidade - Bauru
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