Ano após ano, seguimos acompanhando as inúmeras
conquistas e derrotas sociais e políticas de nosso povo, sofrido, mas ainda sonâmbulo,
vivendo (ou sobrevivendo?) de surtos esporádicos de lucidez, de espasmos de
participação cidadã... para logo voltar ao seu “berço esplêndido”... melhor é
sonhar?
Depois que nosso país entrou orgulhosamente no
circuito internacional das grandes mobilizações e protestos massivos, a verdade
pura e simples é que pouca coisa mudou.
Culpa da Direita mesquinha? Culpa da Esquerda
medíocre? Cuidado... não nos iludamos tão facilmente pela encenação teatral política
que assistimos pela TV e pelas revistas.
Muito além da mobilização esporádica e incipiente das
ruas, não podemos esquecer da atuação significativa dos coletivos ativistas e
demais redes de cidadãos que, organizados em ONGs, associações, conselhos,
movimentos e institutos, contribuíram e contribuem para barrar retrocessos,
para ampliar a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa em todos os níveis da
gestão pública, para fulminar o vergonhoso voto secreto parlamentar, para dar
um empurrãozinho na aplicação da importantíssima Lei nº 12.846/13 (que dispõe
sobre a responsabilização administrativa e civil de empresas pela prática de
atos contra a administração pública).
Mas, já sabemos: para inibir a prática da corrupção,
não bastam leis e discursos inflamados. Falta a tão famosa “vontade política”, como
dizem... Dizem, porque de verdade, ninguém realmente a viu algum dia por aí. É quase
um mito.
É!! A falta de senso de brasilidade, de educação
para uma cidadania mais consciente, segue fazendo seus estragos. O povo? Sempre
e mais uma vez, espectador das encenações e decisões políticas nos palcos
espalhados por aí.
Questões como a Reforma Política, a busca por
eleições mais limpas, as distorções de representação política do atual sistema
eleitoral, além da vil questão da permissão para que empresas financiem
campanhas eleitorais, para posteriormente serem beneficiadas com contratos, entram
e saem da pauta midiática e parlamentar, ao sabor dos escândalos (e dos
interesses) que pipocam.
Ao lado de tudo isto, estamos assistindo a um fato quase inédito: políticos e empresários do alto escalão condenados por
corrupção (muitos com penas em regime fechado). Quase nada,
mas melhor do que nada.
Por mais que estejamos frustrados com a timidez dos
avanços, certamente abriu-se um precedente para outros casos que também
precisam de urgente apuração, mas que jaziam no limbo tenebroso da prática
político-partidária tupiniquim-luso-brasileira.
Paradoxalmente, o Índice de Percepção da Corrupção
da Transparência Internacional mostra que a corrupção no Brasil continua mais alarmante
do que nunca. O brasileiro em geral parece que, aos poucos, vai se tornando
mais consciente de que em ambiente de corrupção dificilmente prosperam projetos
de desenvolvimento econômico e social. O combate à corrupção aumentou, mas a
corrupção (ou a percepção dela) também parece ter aumentado.
Como resolver o aparente paradoxo? Podemos
efetivamente construir uma sociedade mais justa? Ou tudo não passa de utopia e
engodo ideológico? Temos evidenciado que a simples percepção consciente do mal,
juntamente com os duros golpes que desferimos contra ele, não o eliminam.
Assim, começo a notar que não deveríamos focar
somente no combate aos corruptos e corruptores, por uma razão simples: as
estatísticas têm comprovado uma lei sociológica paradoxal: quase tudo no qual nos
concentramos e simploriamente combatemos, acaba se fortalecendo. Quase tudo que
se tenta simploriamente reprimir, só faz aumentar sua resistência, tal como um
antibiótico mal administrado, acaba por fortalecer ainda mais o micróbio que se
queria eliminar.
Por isso, ao invés de simplesmente criticar e
combater o mal, mudemos nosso foco! Passemos a valorizar e ressaltar mais as
pessoas que respeitam o próximo, que pagam seus impostos honestamente, que
respeitam as leis, que pautam suas vidas em atitudes éticas.
Notemos a influência do nosso comportamento na vida
social e percebamos que, a partir de pequenas atitudes, vai se formando aquela
cultura de boas práticas, a qual por sua vez, em efeito cascata, contribuirá
inevitavelmente para que as relações pessoais, interpessoais, sociais e políticas
sejam construídas sobre novas bases de integridade, de coerência, de dignidade,
de respeito ao outro, à coletividade da qual fazemos parte, queiramos ou não.
Por fim, precisamos, cada um de nós, despertar nas
pessoas que nos cercam, não fatalismos, derrotismos e niilismos, mas aquele
senso de brasilidade que vai além da torcida pela seleção em dia de jogo, que
vai além do ingênuo patriotismo etnocêntrico.
Precisamos despertar nossa consciência cidadã,
resgatando valores e atitudes que compõem o senso coletivo de moralidade,
civismo e respeito pela nossa cultura. Precisamos vigiar a sombra que nos
espreita a partir de nós mesmos, mas nosso foco principal não deve ser o mal
que enxergamos tão bem no mundo fora de nós.
Nossa atenção deve se voltar para aquelas atitudes
que gostaríamos de ver generalizadas na prática social e política. Somos sim
capazes de mudar o mundo a nossa volta. Mas não adianta espernear: o mundo ao
nosso redor só refletirá a mudança que tivermos coragem de fazer também dentro
de nós mesmos.
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