Todos
criamos cascas protetoras, para nos defender dos outros. Bichos cascudos têm
pouca mobilidade, e machucam os outros. Uma velha tradição diz que o ser humano
faz tudo para ter prazer na vida, e evitar a dor. Verdade?
Normalmente
não procuramos demonstrar o amor que sentimos, quando amamos. Amor é ruim?
Feio? Dói?
Também evitamos o choro, mesmo quando a vontade é grande. Choro é feio? Dói?
A mulher e o homem apaixonados se encontram. Tem vontade de pegar um na mão do outro, afagar o cabelo, abraçar, olhar nos olhos, puxar o nariz, brincar de faz de conta, manifestar ternura, contentamento, alegria, felicidade. Mas em geral não fazem nada disso.Tolhem os gestos mais espontâneos e ingênuos, que não são feios nem doem. Dariam prazer?
Também evitamos o choro, mesmo quando a vontade é grande. Choro é feio? Dói?
A mulher e o homem apaixonados se encontram. Tem vontade de pegar um na mão do outro, afagar o cabelo, abraçar, olhar nos olhos, puxar o nariz, brincar de faz de conta, manifestar ternura, contentamento, alegria, felicidade. Mas em geral não fazem nada disso.Tolhem os gestos mais espontâneos e ingênuos, que não são feios nem doem. Dariam prazer?
De
fato (e INFELIZMENTE) na hora das coisas boas ficamos cheios de dedos. Não
sabemos senti-las, muito menos nos entregar a elas. E usamos desculpas para
esconder nossa incapacidade. Dizemos:
-
Não estava na hora.
- Ele não é a pessoa certa.
- O lugar não era adequado.
- O que iriam pensar?
- Não devo, não sou dessas.
Verdade que procuramos prazer e evitamos a dor?
- Ele não é a pessoa certa.
- O lugar não era adequado.
- O que iriam pensar?
- Não devo, não sou dessas.
Verdade que procuramos prazer e evitamos a dor?
Acho
que acontece o contrário; defendemo-nos de coisas excelentes, fabricando uma
casca protetora, verdadeira couraça. Os psicanalistas a chamam de defesa
psicológica ou mecanismo de fuga ou proteção? Toda casca faz do indivíduo um
especialista? Ele sempre responde as incertezas do mesmo jeito. Por isso,
torna-se muito capaz numa direção, e incapaz na outra.
Alguns
exemplos: o desdenhoso sabe desdenhar espetacularmente, mas sua habilidade
termina aí. O orgulhoso é especialista em colocar-se acima das coisas, e incapaz
de vivê-las. O gozador tem grande capacidade em rir de tudo, porém, não sente
nada de importante, já que tudo é risível. O sério julga o mundo sério demais e
achata a vida. Não sabe rir.
O
displicente não leva nada a sério, então, não há nada que lhe interessa. A
ingênua diz com espanto nos olhos que tudo é novo, mesmo acontecimentos velhos
de muitos anos. E não se enriquece com acúmulo das experiências. O cobrador
vive exigindo que as pessoas cumpram sua obrigação, com isso elimina a
possibilidade (e risco) das respostas espontâneas.
O
desconfiado está sempre desconfiado e afasta as coisas boas que interpreta como
malévolas.
A eterna vítima é técnica em queixar-se, portanto não se arrisca a viver uma situação agradável. O Don Juan transforma a vida numa caçada à mulher, porém é incapaz de amar alguém.
A eterna vítima é técnica em queixar-se, portanto não se arrisca a viver uma situação agradável. O Don Juan transforma a vida numa caçada à mulher, porém é incapaz de amar alguém.
O
falador interminável teoriza sobre tudo e não vive, a vida é um dicionário.
Esses são só alguns exemplos de cascas. Pois há tantas....e todas dificultam a
vida. Como se fossem óculos escuros, impossibilitando a visão do
arco-iris.
O cavaleiro medieval, armado de imponente armadura, investe contra o índio nu. Casca e não casca. Quem vai ganhar?
O cavaleiro medieval, armado de imponente armadura, investe contra o índio nu. Casca e não casca. Quem vai ganhar?
Se for
preciso passar por uma ponte estreita (ou seja, por um momento difícil) é quase
impossível manter o equilíbrio com a armadura. O índio ganha se surgir um
perigo inesperado; como é que o cavaleiro se defenderá? Ele só sabe fazer as
coisas de um jeito (é um especialista). O índio ganha. Se acontecer um empurrão
(isto é, se as pressões sociais forem muitas), o cavaleiro não resiste e cai. O
índio ganha.
Além
disso, durante todo o tempo da luta, o encouraçado tem a respiração deficiente.
Em consequência disso, ele pensa, sente e se mexe mal, pois a casca feita, na
verdade, por tensões musculares que prendem, como uma roupa apertada, inibe
todas as expansões.
Voltando
aos exemplos, como o cavaleiro encouraçado, o desdenhoso, a vítima, o orgulhoso
e os outros cascudos, especializados em suas defesas se movem, respiram, se
sentem mal, vivem mal. Todo bicho muito cascudo,tartaruga, besouro, morre
quando cai de costas. Seria bom aprender esta lição. A casca oprime, limita e
sufoca... nos torna burros em todas as reações que fogem a nossa
especialidade... nos deixa tensos e sem reações de forma que deixamos a vida
passar sem realmente vivê-la, como se passa o tempo.
Autor: J. A. Gaiarsa
Couraça Muscular do Caráter (Wilhelm Reich) Editora Ágora/ Edição 4 / 1984
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