Troquemos de mestres
Flávio Siqueira
Me disseram na escola que o ser humano é o único animal racional. Com o
tempo passei a desconfiar que talvez não fosse verdade. Bastava observar
os animais, todos eles, e perceber algo além dos instintos, um tipo de
comunicação sutil, expressões de inteligência, diferente dos humanos,
mas não por isso inexistente, muito pelo contrário.
Mas e a tal racionalidade do bicho homem? Havia mais impulsos do que reflexão, mais instinto do que consciência, mais reflexos condicionados pela própria cultura do que escolhas ponderadas, equilibradas, racionais.
Enquanto os chamados "seres irracionais" vivem em equilíbrio com o
planeta, nós, os "racionais" desenvolvemos algo que chamamos de "vida
moderna", uma cultura completamente predatória, seja em relação à
natureza, seja em relação ao semelhante.
Nos autodestruímos por impulso, aceitamos condicionamentos que
frequentemente nos deslocam para terras estranhas, terras que não
parecem com nosso chão, outro habitat que, com o tempo, passa a ser
nosso.
Me refiro a artificialidade das relações, a superficialidade dos
sentimentos, a compulsão por distrações, a necessidade de "alegrias"
incessantes; nosso medo da solidão, nosso pânico do sofrimento, nosso
terror diante da morte.
Antinaturalmente passamos a vida tentando negá-la, construímos uma bolha
de distrações tentando pensar que seremos eternos, homens e mulheres
gargalhantes que dominarão o planeta, os animais, e, se possível, os
semelhantes mais fracos. Por que não?
Que tipo de racionalidade nos faz pensar que somos os únicos seres
pensantes na terra? Alias, o que nos faz pensar que de fato pensamos?
Talvez esteja na hora de elegermos outros mestres. No lugar de
ideologias políticas, os mestres gatos nos ensinarão como relaxar e
viver em paz. Prefiro trocar os debates sobre ética e moral pela
fidelidade dos cães que não fazem nenhuma distinção entre um mendigo e
um banqueiro.
Os mestres pássaros ensinam como viver no presente, alimentando-se do
que o dia chamado hoje reserva, livres em suas melodias que saúdam as
manhãs.
Não quero mestres homens. Pessoalmente me inspiro com as mestres
formigas, que de alguma maneira se organizam para construção de seus
formigueiros, carregam pedaços de folhas, pedrinhas, trabalham
incessantemente sem que uma se coloque em superioridade em relação à
outra.
Sou discípulo dos peixes, os que vivem pacificamente em um mundo
desconhecido para mim e, talvez por isso, de alguma maneira, ainda
preservado. Namastê, mestres minhocas! Vocês que cuidam da terra, que
trabalham silenciosamente sem necessidade de aplausos ou
reconhecimentos. Perdoe por suas irmãs esmagadas sem nenhuma razão por
nós, os seres racionais.
O que seria dos pobres e dependentes humanos sem o trabalho de vós,
mestres abelhas? Haveria equilíbrio se os sábios sapos não existissem?
Será que nós, avançados e sábios animais racionais, os únicos racionais,
existiríamos sem o trabalho das senhoras, mestres baratas, que
convertem nitrogênio em fertilizantes?
Nossa irracionalidade nos levou para muito longe de casa. Admiramos
nossas construções, aplaudimos nossa insanidade projetada em sistemas
autodestrutivos, chamamos uns aos outros de "mestres" e deixamos de
enxergar que há consciência em todo o planeta, a terra fala, os bichos
ensinam, tudo se conecta, se comunica.
Troquemos os mestres, sejamos humildes, suficientemente abertos para
aprendermos com seres mais simples, justamente por que esses não se
corromperam com a própria luz. São filhos da terra, irmãos uns dos
outros, vivendo entre nós com sua silenciosa sabedoria, presentes
enquanto não destruímos tudo em nome de nosso progresso.
Namastê mestre bicho do alface! Perdoe os humanos. Temos sido a mais eloquente expressão da irracionalidade animal.
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