sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Não é talvez, toda a vida um sonho?



Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?
(Schopenhauer)

“O mundo é minha representação”. É assim que Arthur Schopenhauer interpreta o mundo: tudo não passa de aparências, ilusões e sonhos: representações imperfeitas de uma realidade essencial inacessível. Vigília e sono são dois lados de uma mesma vida. Há exceção? Sim (e nisto afronta Kant): a Vontade.


A Vontade, impessoal e cega, nos faz querer por querer e há essa permanente insatisfação com o que somos. Tal Vontade pode ser temporariamente saciada, daí, ao tédio. O prazer?? Ilusão! Em seguida sobrevém-nos a carência. A vida, assim, oscila entre a dor e o tédio.

“A vontade é um querer viver”, dirá o filósofo. Um “querer realizar-se” irredutível. Tal Vontade, porém, é sem causa ou direção definida. É tanto capaz de nos lançar às chamas ardentes do amor, quanto ao ódio, tanto ao desejo quanto à repulsa. Tal é o esforço reducionista de Schopenhauer que todas as forças e objetos da natureza -os instintos animais, o magnetismo ou mesmo as forças geradoras de uma reação química-, acabam por serem expressões dessa Vontade.


“(…) todo enamoramento, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual (…)”.

Deus, portanto, sai de cena... e tal "Vontade Universal" onipresente é entronizada. Não se trata duma Vontade Racional aos moldes de Hegel. Schopenhauer abomina a visão hegeliana da História e da razão humanas.

Trata-se de uma vontade alheia a qualquer “decisão racional por uma opção de agir”. É evolutiva sim: cria uma escala zoológica de seres cada vez mais perfeitos, até chegar ao Homem (sua plena autoconsciência), pois quer perpetuar-se. Sendo a essência de tudo, incluindo nossos apetites mais terríveis, torna o mundo tanto atroz quanto desordenado.

É assim, dia após dia, até o advento da morte. Eis o viés irracionalista do sistema schopenhaureano.

Derivando para a questão ética, veremos um Schopenhauer extremamente pessimista quanto a uma noção de dever, como a presente em Kant. Ao contrário, reconhece tão somente uma “noção de renúncia”. Ora, sendo aquele apetite insaciável e inafastável, só teria alívio na renúncia plena da própria vontade de sentir-ser vivo!

Um conceito de tal radicalidade não é, porém, original. O enunciado “A vontade é constante dor” lembra-nos, não gratuitamente, uma máxima crucial do Budismo tradicional ou do próprio ascetismo cristão. Tal paradigma influenciará depois, de diferentes modos, existencialistas como Sartre e niilistas como Nietzsche.

É notória também sua influência decisiva na posterior teoria freudiana da sexualidade e em seu método da “livre associação de idéias”. É interessante notarmos a similaridade entre o papel desempenhado pela “libido sexual” e o papel da “Vontade irracional” de Schopenhauer.

Igualmente as concepções freudianas dos instintos eros e tanatos, de “inconsciente” e “Id” e o valor dos sonhos para o autoconhecimento, gestam-se maravilhosamente em Schopenhauer, para quem o impulso sexual é condição para que a vontade se perpetue. O “desejo dos desejos” encontrará ressonância na coluna mestra do que será a psicanálise posterior, com a idéia de libido como fundamento do comportamento humano.

Em Schopenhauer, pela primeira vez, vê-se a música em posição privilegiada. Nela, como na arte em geral, há uma alternativa, ainda que momentânea, de escapar ao tédio.

Contudo, que não se iludam os humanos todos! Cada projeto humano nasce da tentativa vã de esconder a dor de viver. Só reconhecendo-se como parte de um todo (idéia budista de compaixão) é que o Homem pode liberta-se de sua individualidade sufocante e ser livre verdadeiramente.

Todo desejo seu, anelo, esperança, amor, sofrer, fugir ou opor-se... é fonte de dor. A salvação do “sofrimento de existir” só advém com a anulação dessa mesma vontade de existir. O que é o Eu, senão “vontade de viver”? Aniquilada tal vontade egóica, cessa a dor que advém dela! Eis a felicidade autêntica!

Um comentário:

  1. Qual seria as páginas e o livro, poderia dizer onde se localiza esses trechos extraídos?

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